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Mudanças no Fies incentivam cobranças judiciais de financiamentos

10 de fevereiro de 2020

Em um ambiente de baixo crescimento e alto desemprego, as mudanças vão aumentar o drama social

Em 2017, o governo Michel Temer concedeu perdão de 47 bilhões de reais em dívidas com a União a 131 mil contribuintes, pelo programa de recuperação fiscal, o Refis. Permitiu ainda o parcelamento de 59,5 bilhões, pouco mais da metade da dívida original, em até 175 prestações. Desde outubro de 2019, por meio da Medida Provisória do Contribuinte Legal, o governo Bolsonaro oferece semelhante “mamata”. A dívida ativa supera a cifra de 1,4 trilhão de reais e envolve 1,9 milhão de devedores, vários deles contumazes especialistas na arte de burlar o Fisco.

A mesma generosidade não se vê quando se trata dos débitos estudantis. Em dezembro de 2019, o Ministério da Educação anunciou novas regras para o Fies, o programa de financiamento estudantil, que em princípio passam a valer a partir do segundo semestre deste ano. Uma delas atinge diretamente os inadimplentes, que poderão ser cobrados judicialmente pelas dívidas. Até a publicação das novas normas, as cobranças ocorriam no âmbito administrativo. São passíveis de processos judiciais os contratos firmados até o segundo semestre de 2017, com dívida mínima de 10 mil reais e 360 dias de inadimplência na fase de amortização, período em que os estudantes começam a pagar as parcelas.

De fato, a taxa de inadimplência do programa não para de crescer. Em abril do ano passado, a dívida total do Fies atingiu a marca de 13 bilhões de reais, segundo dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. À época, três em cada cinco estudantes que recorreram ao programa estavam inadimplentes, 45% há mais de 90 dias.

Apesar dos dados preocupantes, causados em grande medida pela recessão e pela dificuldade do País em retomar o crescimento, resolver o problema na Justiça é uma “perversidade”, avalia Salomão Ximenes, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo e professor da Universidade Federal do ABC. Não se pode desconsiderar, diz o especialista, a baixa capacidade orçamentária dos jovens, “sobretudo com a realidade do desemprego”.

Nos últimos cinco anos, os empregos minguaram e a renda despencou em quase todos os níveis, mas quem está na faixa dos 20 anos sofreu mais. Enquanto os grupos marginalizados perderam duas vezes mais do que a média geral, entre os jovens de 20 a 24 anos o declínio foi cinco vezes maior. É o que aponta um estudo da Fundação Getulio Vargas publicado em novembro de 2019, que toma como base os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE.

O estudante paulistano Igor Silva, de 27 anos, acumula uma dívida de mais de 18 mil reais com o Fies. Em um relato nas redes sociais, o jovem conta que aderiu ao financiamento em 2013, para cursar Direito, mas um transtorno de ansiedade obrigou-o a largar a faculdade dois anos e meio depois. Desempregado, Silva não foi capaz de iniciar o pagamento e o débito só acumula desde então. “Fiquei na esperança de um plano de renegociação da dívida que foi ventilado no fim do governo Dilma e em todo o governo Temer”, lamenta. Exatos 700 mil estudantes têm prestações atrasadas.

A possibilidade de renegociar as dívidas só foi aberta em 2019. Antes, os estudantes eram obrigados a quitar o valor à vista, o que também pode ter contribuído para a manutenção dos níveis de inadimplência. A renegociação vale para os contratos assinados até o segundo semestre de 2017 e que estejam com parcelas atrasadas a, no mínimo, 90 dias. As regras da renegociação incluem uma entrada de 10% do saldo devedor ou mil reais (o maior valor).As parcelas mensais mínimas não podem ficar abaixo de 200 reais.

O governo Bolsonaro tem dado sequência ao enxugamento do Fies, movimento observado desde que o programa atingiu o auge, em 2014, com mais de 700 mil novos contratos. Neste ano serão oferecidos 100 mil financiamentos a juros zero; 70 mil no primeiro semestre e 30 mil no segundo semestre, a estudantes que tenham renda familiar de até três salários mínimos. Não bastasse, os candidatos precisam agora obter uma nota mínima de 400 pontos na redação do Enem, além da média mínima de 450 pontos no exame, para ter acesso ao programa.

Enquanto dificulta de um lado, o ministério abre as portas de outro. A modalidade P-Fies, que opera com o risco de crédito determinado pelos bancos privados, com livre fixação de juros, não estabelece limites de vagas e renda. Segundo Ximenes, a situação atual acentua a ambiguidade da política de financiamento, que teve forte incentivo público no fim do segundo mandato de Lula. Entre 2010 e 2014, o gasto com o programa passou de 1,6 bilhão para 12 bilhões de reais. “Se, por um lado, o Fies permitiu maior acesso ao ensino superior por intermédio da rede privada, por outro, também serviu ao processo de financeirização da educação, observado pelo crescimento das universidades e dos oligopólios educacionais”, analisa. “Há de se considerar que, em nome da massificação do ensino superior, o Fies garantiu ofertas de baixo custo, mas de baixa qualidade.”

A solução, pontua Ximenes, depende da mudança no acesso ao Ensino Superior, que deveria se concentrar na expansão das vagas na rede pública. Quando foi criado, o Fies integrava um sistema misto, mas acabou por monopolizar a estrutura e a incentivar a mercantilização do ensino, tornando-se insustentável com o passar dos anos. “Isso se deu também pelo fim da perspectiva de ampliação da oferta direta, dados os impeditivos trazidos pelo Teto de Gastos.”

O que se vê deste então é um movimento do mercado financeiro para empacotar novos mecanismos de financiamento, impulsionado pelo lobby dos bancos. “É o caso do próprio Future-se, que nem sequer cita a expansão do parque de universidades e institutos federais, mas defende a ideia de financiamentos alternativos para a sua manutenção”, lembra Ximenes. A ambição esbarra, porém, na falta de demanda. Para a maioria dos brasileiros, o sonho do diploma será adiado outra vez.

Fonte: Carta Capital

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