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Dia do Professor: docentes se sentem valorizados, mas também sobrecarregados

15 de outubro de 2020

Série de pesquisas e relato de profissionais da educação evidenciam como a pandemia tensionou os modelos de ensino
Por ALEX BESSAS – Jornal O Tempo

Dos mimeógrafos às videoaulas. É assim – indo dos obsoletos instrumentos manuais de reprodução de fotocópias às novas tecnologias do ensino – que boa parte dos profissionais da educação repassa uma trajetória que conviveu com realidades díspares vivenciadas no ambiente escolar. As duas ferramentas, uma quase artesanal e a outra digital, funcionam como alegoria de uma atualização dos modos de ensinar que poderia acontecer naturalmente, mas que foi antecipada em consequência de uma emergência sanitária. De sobressalto, educadores tiveram que se adaptar a uma nova realidade desde que as medidas para o enfrentamento da pandemia da Covid-19 obrigaram a adoção de modalidades pedagógicas virtuais quando, na verdade, a esmagadora maioria ainda estava habituada a um sistema muito atrelado à necessidade das trocas presenciais.

Para se ter uma ideia do que significaram essas mudanças, até maio, 83% dos professores se sentiam nada ou pouco preparados para o trabalho na modalidade digital. Hoje, por outro lado, muitos passaram a se sentir mais seguros neste ambiente. Mas 49% deles ainda afirma que a falta de formação é um desafio para ensinar remotamente. Os dados são da série de levantamentos “Sentimento e percepção dos professores brasileiros nos diferentes estágios do coronavírus no Brasil”, do Instituto Península.

Os custos e as conquistas dessa reinvenção forçada e feita sem o planejamento ideal, dado que o novo coronavírus revirou rotinas repentinamente, parecem ainda difíceis de mensurar. Todavia, algumas pistas dos impactos provocados por tantas transformações podem ser identificadas ainda na primeira fase da citada sequência de mapeamentos. De acordo com o estudo, sete em cada dez desses profissionais mudaram muito ou toda a rotina logo nos primeiros meses da crise sanitária, quando já era possível notar efeitos na saúde mental deles, que afirmavam que o suporte e o apoio psicológico seriam fundamentais. Paradoxalmente, de acordo com inquérito mais recentemente divulgado, os professores descobriram na tecnologia um potente aliado para a educação: se antes apenas 57% tinham essa percepção, agora 94% pensam assim. Além disso, a maioria (72%) passou a se sentir mais valorizada.

“Não dá mais para andar para trás. Computador em sala de aula, inclusive para a educação infantil, precisa virar uma realidade. Se um aprendizado ficou foi que as ferramentas digitais são ótimas plataformas pedagógicas”, avalia Beatriz Torres, 51, professora do primeiro ano do ensino fundamental da rede privada em Belo Horizonte.

Educadores estão temerosos sobre um eventual retorno das aulas presenciais

Agora objeto de debate que mobiliza o país, a volta às aulas presenciais torna-se outro objeto de preocupação desses profissionais. Considerando uma escala em que zero significa que o retorno é nada confortável e cinco sinaliza que é muito confortável, a média apontada por professores das redes privada, estadual e municipal em relação ao conforto quanto à retomada das atividades nas escolas foi de 1,07.

“Tem dois lados: o prejuízo pedagógico e o risco de proliferação do vírus. Teremos de dois a três anos para recuperar as perdas desse período. Agrava a pressão pela retomada o fato de as famílias estarem voltando a trabalhar e muitos alunos, principalmente crianças, não conseguirem acompanhar (as aulas remotas sozinhas). Mas sabemos que muitos alunos não têm maturidade para respeitar protocolos, como o distanciamento social e as troca de máscaras”, observa Stella Marinho, 33, coordenadora pedagógica de um colégio belo-horizontino. “O retorno é muito importante, mas precisa acontecer na hora certa”, arremata.

As observações dela estão em consonância com a pesquisa do instituto Península. Segundo o levantamento, a maioria destaca a importância do funcionamento escolar em condições sanitárias adequadas (86%), mas relata medo de contaminação pelo novo coronavírus (83%), ao mesmo tempo em que deseja recuperar a aprendizagem perdida com a retomada do ensino presencial (67%).

Nas escolas públicas estaduais, o retorno das aulas presenciais “se dará de forma gradual e não obrigatória, inicialmente apenas para os alunos do 3º ano do ensino médio, a partir de 19 de outubro, nos municípios de onda verde onde houver a autorização dos municípios”, informa a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE).

Professores reclamam de ter tido pouco auxílio para se adaptarem ao ensino remoto

Em entrevista a O TEMPO, profissionais da educação – muitos temerosos que falar sobre as dificuldades enfrentadas custasse seus empregos – concordam que o retorno das atividades em ambiente escolar é algo importante, mas acreditam que é necessário um contexto mais seguro para tanto. Eles também relatam ter sentido falta de um esforço de adaptação por parte das instituições e acreditam que treinamentos foram insuficientes. Professores e professoras dos ensinos fundamental, médio e superior asseguram que, na maior parte das vezes, encararam sozinhos uma jornada difícil e que exigiu resiliência. Não raro, eles reviraram noites assistindo a tutoriais e cursos para aprimorar seus conhecimentos sobre as tecnologias – agora mais essenciais para o exercício de sua profissão do que as lousas. Ao mesmo tempo, se esforçaram para adequar os planos de aula aos moldes do ensino remoto.

Uma radiografia dessa realidade é trazida à luz pelo Instituto Península, que revelou que 55% dos profissionais não tiveram qualquer suporte para ensinar fora do ambiente da escola, desde a suspensão das aulas presenciais, nos primeiros três meses. Por outro lado, 75% desejariam receber treinamento.

Exemplo dessa realidade, uma professora do ensino fundamental da rede privada, que preferiu não se identificar, se queixou da inércia da escola em que trabalha. De acordo com ela, a capacitação chegou muito tardiamente. “A direção começou a oferecer cursos em setembro. À essa altura, eu já havia estudado e me equipado. Por minha conta, comprei tripé, webcam e transformei minha sala de jantar em uma sala de aula. Também busquei acompanhar tutoriais de edição de vídeo e lives sobre educação remota. Hoje, estou fazendo, também por iniciativa própria, curso de gameficação do ensino”, pontua, detalhando que todas as colegas dela, inclusive de outras instituições, seguiram pelo mesmo caminho.

Em relação à rede pública, a SEE afirmou, por meio de nota, que utiliza a plataforma “Escola de Formação e Desenvolvimento Profissional de Educadores” para ofertar cursos sobre diferentes temática na modalidade educação a distância (EaD). “Essa oferta ocorre também durante o período de isolamento social com propostas voltadas ao ensino remoto”, garante a pasta, que acrescenta ter disponibilizado também guias para a realização das atividades propostas no programa “Regime de Estudo não Presencial”.

Conforme análise de dados da Gerência de Saúde do Servidor, referente ao mesmo período do ano anterior, não foi notório o aumento de demandas por suporte psicológico ou mesmo afastamento de servidores em razão de sofrimento físico, mental e/ou emocional. Pelo contrário, a demanda reduziu, assim como o absenteísmo no mesmo período, conforme quadro (em anexo).

Já a Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (SME) alega que constituiu, junto à implantação do teletrabalho, “um esquema de formação por multiplicadores, em que, além dos cursos livres e apoio em tecnologia da informação (TI), as escolas ganharam um ou dois computadores disponíveis para uso individual de cada profissional”. Afirma ainda que “as salas de aula foram transformadas em pontos individuais de formação, com horários de atendimento que funcionam sob agendamento, para que os professores com dificuldades possam se ambientar no mundo digital”.

Com a pandemia, entidade de classe chega a registrar 50% mais queixas

Resultado desse conjunto de fatores, tem crescido nas entidades de representação de classe o registro de reclamações por excesso de trabalho. O Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro-MG), por exemplo, viu o número de atendimentos crescer em cerca de 50% – profissionais ligados à educação básica são os que mais procuraram por ajuda.

Além do salto quantitativo, uma análise que se detenha sobre características desses contatos revela um cenário assustador: o relato de uma sensação de esgotamento e o choro ao telefone têm se tornado rotineiros, informa a advogada Tânia Rios, 52, ligada ao Sinpro-MG. Pior: boa parte desses educadores reluta em buscar ajuda. “Orientamos a consultarem psicólogos ou médicos, a depender do caso. Mas, normalmente, isso não é feito. As professoras e os professores temem sair de um consultório com atestado para ficarem afastados do trabalho e, com isso, acabar perdendo o emprego”, diz.

O excesso de atividades é o principal alvo de queixas. “Eles estão com demanda maior do que quando presencialmente e, por receio de serem dispensados, acabam cedendo às cobranças excessivas”, garante Tânia, que é categórica: “Os educadores estão adoecendo por causa da pressão que têm sofrido”. A observação, diz, vem dos próprios professores, que procuram ajuda quando começam a ter crises ligadas, principalmente, à ansiedade.

A situação tende a ser pior para professoras que são mães de crianças. “Os filhos cobram atenção que, muitas vezes, essa mãe não consegue suprir. Então, ela se sente culpada, sente que está ocupada cuidando de outras crianças, mas que não tem tempo para o seu filho”, pontua. Caso da professora Mariana Roncato, 37, mãe de duas crianças, uma de 6 e outra de 3 anos. Em maio, ela falou com a reportagem de O TEMPO e expôs como, à época, enfrentava uma rotina extenuante. Os planos de aula, por exemplo, eram geralmente preparados na madrugada, quando podia se dedicar integralmente à tarefa. Muitas vezes, apesar dos prejuízos à ergonomia, disse ter trabalhado do chão de sua casa, de forma que cuidava da filha ao mesmo tempo que tirava dúvidas de seus alunos.

Ansiosos e sobrecarregados, professores se queixam de falta de suporte emocional

Apesar do contexto desafiante, pelo menos até os três primeiros meses de suspensão das aulas presenciais, 75% revelaram não ter recebido nenhum suporte emocional, conforme dados apurados pelo Instituto Península. Na mais recente rodada do estudo, a preocupação com a saúde mental voltou a alcançar posto de destaque entre as preocupações da categoria, apontando que 64% se disseram ansiosos e, 53%, sobrecarregados.

“Está muito estressante. Tanto que tem dia que não tem jeito, a gente se pega chorando. São múltiplas as pressões. Tenho aluno que chora porque está com saudade, e isso também dói em nós. Fora o trabalho. No feriado (se referindo à última segunda-feira, dia 12) passei o dia fazendo cursos e escaneando um livro”, observa Beatriz Torres, 51, professora do primeiro ano do ensino fundamental. Há também a cobrança dos pais, que passaram a “estar em sala de aula”. “O que sempre aconteceu, mas que agora ficou mais explícito, é que o peso fica muito sobre o professor, que não é assessorado e precisa lidar com todas essas dimensões”, sinaliza.

E, mesmo reconhecendo repercussões negativas para o próprio bem-estar, a inquietação em relação à saúde emocional dos alunos mobiliza mais professores (75%) do que a preocupação em relação à saúde mental deles mesmos (54%). A coordenadora pedagógica Stella Marinho é retrato desse perfil estatístico. Questionada sobre a importância de suporte emocional, ela lembra da preocupação em preservar os alunos. “Muitos pais imaginam que para cumprir as 800 horas de carga horária obrigatória, os estudantes precisam passar 4h30 na frente das telas. Mas isso seria muito maçante e precisamos estar atentos à saúde mental dessas crianças e jovens. Por isso estamos em diálogo integral com as famílias”, diz Stella. Quando fala sobre apoio para si própria e para colegas, lembra que algumas escolas têm oferecido acompanhamento, mas nem todas. De maneira geral, resume, “vamos nos ajudando uns aos outros”.

Secretarias estadual e municipal e Sinep-MG entendem que suporte psicossocial é importante neste momento

Sobre o tema, a SEE explicou que “vem, ao longo de 2020, estruturando o Serviço de Acompanhamento Sociofuncional (SAS) que atua, entre outros eixos, no desenvolvimento de ações que orientem chefias e servidores em caso de acometimentos por problemas psicossociais, além de esclarecimentos sobre os direitos e deveres desses servidores”. A pasta detalha que, comparado ao mesmo período do ano passado, houve uma queda de 91% do número de profissionais da educação afastados em setembro deste 2020.

A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) garantiu que vem desenvolvendo programas e ações que promovem a melhoria na qualidade de vida dos servidores, em parceria com a Unimed BH, atual operadora de Saúde do Município. “Alguns deles com o intuito de auxiliar os servidores em questões relacionadas ao estresse, depressão e outros temas relacionados à saúde mental”, pontua a PBH por meio de comunicado, completando que “ações específicas visando o grupo de servidores da educação serão implementadas ainda este ano com o objetivo de mitigar o impacto da pandemia”. No município, considerando o período de julho a setembro deste ano, também houve redução no número de atendimentos a servidores relacionados a sofrimento físico, mental ou emocional em relação a 2019.

Por meio de nota, o Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG) disse que “recomenda que as instituições ofereçam atendimentos (remotamente ou presenciais conforme cada situação, mantendo os cuidados necessários) que ajudem a comunidade escolar em sua saúde mental/socioemocional e que auxiliem nas incertezas contínuas causadas pela pandemia da Covid-19”. Uma professora ouvida pela reportagem, que também preferiu não se identificar, lembrou que a instituição em que trabalha ofereceu suporte psicológico, mas tanto ela quanto colegas ficaram reticentes em serem atendidos por medo de serem afastados e, por isso, vistos como incapazes.

Profissionais percebem maior valorização, mas ainda se sentem solitários

Diante de um ambiente estressor tão intenso, soa paradoxal o fato de que a maioria dos professores (72%) sinta que seu trabalho está mais valorizado agora. Para Sabrina Finamori, professora do Departamento de Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), esse é um acontecimento comum a outros ofícios demarcados pelo cuidar do outro.

“Com a pandemia, ‘cuidado’ virou palavra-chave. É algo crucial. Quem exerce esse esforço de cuidar – seja na limpeza, seja na educação ou no setor de assistência – sempre sofreu com uma hiperdesvalorização do seu trabalho, mesmo ele sendo essencial. Com a suspensão de atividades, mais brasileiros se deram conta de que essas são tarefas que exigem muito das pessoas. Tem gente falando que nunca deu tanto valor para quem cuida – para a doméstica, para a professora, para a cuidadora de idosos. Isso veio à tona de forma muito forte para parcela da classe média”, examina a estudiosa.

A professora Beatriz Torres confirma que sente-se, atualmente, mais valorizada. “Acredito que essa crise evidenciou que entre atividade e a sua execução existe o educador. Muitos pais entenderam que a atividade, por si só, não garante a aprendizagem. Que é importante ter alguém capacitado para fazer essa mediação”, garante. “Acho que a escola viu que pode contar com a gente, que os professores não deixaram a peteca cair, que eles compraram a briga”, prossegue ela.

Mas ainda há um longo caminho pela frente quando se está falando sobre a valorização dos profissionais do saber. Na avaliação de Beatriz, “a profissão deveria ser vista como uma escolha e não como um bico. Hoje, muitos colegas precisam desempenhar outros trabalhos para complementar renda. A gente dá conta do recado, inova, corre atrás, mas a gente não precisa e não deve estar sozinho”, diz.

Foto: Agência Brasil

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