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‘O grande problema do Enem é a reforma do Ensino Médio’, critica pesquisador

18 de março de 2022

Por Ana Paula Corti, na Carta Capital
À luz da reforma educacional aprovada no governo Temer, o Conselho Nacional de Educação sugere que os dias de provas sejam divididos entre a BNCC e os itinerários formativos
O Conselho Nacional de Educação – colegiado integrante do Ministério da Educação – aprovou por unanimidade na segunda 14, um parecer com orientações para um novo formato do Enem. O texto segue agora para homologação do MEC.
As mudanças surgem à luz da Reforma do Ensino Médio, que propõe que que os estudantes tenham acesso a uma formação básica inicial e depois optem por conteúdos específicos sobre determinada área do conhecimento ou formação técnica, o chamado itinerário formativo.
Com base nas premissas, o CNE propôs que o primeiro dia de provas do Enem seja composto por questões interdisciplinares sobre as quatro áreas do conhecimento: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, e Ciências Humanas e Sociais. A prova de redação também será feita neste dia.
Já no segundo dia, os estudantes deverão escolher entre quatro tipos de prova que tenham relação com o itinerário formativo feito na escola. As opções de provas propostas pelo CNE são: Linguagens, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; Matemática, Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Matemática, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; e Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.
O professor da Faculdade de Educação da USP e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação Educacional (Gepave), Ocimar Alavarse, faz críticas à concepção da Reforma do Ensino Médio e avalia seus impactos sobre o Enem.
“Quando a população pobre, preta, chega na escola, o que oferecemos à eles? Itinerários, estradas nebulosas com riscos de precipício ao lado e ao final.”
Confira a seguir.
CartaCapital: É necessário elaborar um novo Enem a partir da Reforma do Ensino Médio?
Ocimar Alavarse: O grande problema do Enem é justamente a Reforma do Ensino Médio, que é uma contrarreforma. Ela é feita de forma apelativa, dizendo que o ensino médio é chato e coisas do tipo. No momento em que uma parcela da juventude, que estava excluída, começa a entrar na escola de ensino médio você nega à eles o direito ao conhecimento, às disciplinas escolares, que materializam uma série de avanços do conhecimento humano. O que está sendo oferecido para a nossa juventude é uma desqualificação da formação.
CC: A questão da escolha dos jovens está se revelando muito precária na implementação da Reforma, pois o que tem definido o que o jovem vai cursar são as condições de oferta das escolas. Como você vê essa questão e sua relação com o novo Enem?
OA: Nem sempre haverá um casamento entre a opção do jovem e o que a escola oferece. Você pode ter jovens que simplesmente vão fazer o que lhe for oferecido. Além disso, a maioria dos municípios brasileiros tem apenas uma ou duas escolas de ensino médio e, mesmo nas grandes cidades, onde a oferta poderia ser mais diversificada, você tem o problema do deslocamento.
As disciplinas constituíam essa universalidade de oferta aos alunos. Isso não significa que não tivéssemos desafios metodológicos, por exemplo, como ensinar Química? Ensinar Química pra quem? Mas havia uma construção consensual: ensinamos Química para quem está concluindo a educação básica. Se ele será médico ou motorista de ônibus, não cabe à escola definir. Quando você rompe com as disciplinas você cria uma geléia. Se antes já era difícil avaliar, agora ficou ainda mais, pois tínhamos as disciplinas como referência. O que tomar de base para avaliar os itinerários? Eles não têm base epistemológica nenhuma.
CC: Essa proposta de novo Enem prevê uma primeira etapa que seria baseada na BNCC, mais redação, e uma segunda etapa concentrada nos itinerários formativos e nas áreas de aprofundamento curricular. Como você a analisa?
OA: Se eu tivesse que escolher considero melhor manter o Enem atual. Por que sobre ele já temos uma série de acúmulos, a elaboração das provas etc. Essa nova proposta tem dois grandes desafios: um é se a BNCC estaria de fato disseminada a tal ponto que, ao basear-se nela, a prova estaria garantindo as mínimas condições democráticas de comparabilidade entre os candidatos.
Como o Enem foi feito até hoje, sobretudo nos últimos dez anos? Os estudantes são hierarquizados pelos seus resultados, obtidos por meio do ensino das disciplinas escolares. Se você levar qualquer prova do Enem para um professor de ensino médio ele vai se identificar, ele verá sua disciplina, será capaz de discutir a prova com você, o Enem atual dialoga com os professores. Isso não significa que não existam práticas interdisciplinares, articulação entre saberes, isso pode e deve conviver com a presença das disciplinas. Quando você entra com a BNCC sustentando a primeira etapa do Enem você tem que garantir que os alunos estarão efetivamente preparados a partir dela para fazer a prova. Eles querem adotar o novo Enem em 2024: até lá você vai garantir que a BNCC tenha sido, de fato, incorporada nas escolas para basear a prova do Enem? Meu palpite é um redondo não.
Quando você olha para a segunda etapa, baseada nos itinerários, é pior ainda. Quais serão esses itinerários? Eles serão muito precários. Você está trocando algo que, bem ou mal, os professores sabiam fazer, por algo que é baseado numa premissa frágil.
CC: Alguém poderia argumentar que a matriz do Enem já é organizada por áreas de conhecimento.
OA: Sim, porém a matriz atual do Enem dialoga de forma significativa com as disciplinas escolares, os objetos de conhecimentos estão lá. Os professores conseguem entender essa prova. É inteligível para os alunos também. Como eu vou medir a proficiência de alguém com base num itinerário?
CC: A proposta prevê uma segunda etapa do Enem que avaliará os itinerários formativos. Curiosamente, as provas não estariam organizadas pelos itinerários, mas sim por áreas de ensino superior, por parâmetros definidos pelas universidades. Como você vê isso?
OA: Isso é antidemocrático. No ensino médio nós precisamos pensar uma educação básica para todos. Estão radicalizando essa ideia de infundir no ensino médio elementos da educação superior. Quando começamos a ter sinais de ampliação do ensino médio? Quando a população pobre, preta, chega na escola, o que oferecemos à eles? Itinerários, estradas nebulosas com riscos de precipício ao lado e ao final.
CC: Você falou bastante da reforma do Ensino Médio antes de entrar no assunto específico do novo Enem. Como você vê o cenário dessa reforma num futuro governo democrático?
OA: Eu defendo a revogação da reforma do Ensino Médio. É provável que em torno da candidatura de Lula se concentrem as posições mais críticas à reforma, ainda que se dividam entre revogar ou reformar a própria reforma.

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