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O minério de ferro que soterra o progresso, o caso Samarco

4 de novembro de 2016

Por Dra. Ângela Gomes *

O mundo inteiro esta em alerta sobre o desastre ambiental da mineração em Minas Gerais. Um breve relato dos fatos serve para ter a dimensão e extensão deste impacto social e ambiental direta e indireta provocada pelo rompimento das barragens da Samarco/Vale/BHP Billiton.

A barragem de rejeitos de minério do Fundão pertencente à mineradora Samarco se rompeu na tarde do dia 5/11/2015, no distrito de Bento Rodrigues, zona rural a 23 quilômetros de Mariana, em Minas Gerais, e inundou a região com lama, rejeitos sólidos e água usada no processo de mineração. 11 mortos encontrados e mais de 300 desaparecidos, 831 desabrigados e afetou ao menos 30 cidades da bacia do rio doce deixando municípios sem abastecimento e com comprometimento dos ecossistemas aquáticos e terrestres.

O distrito de Bento Rodrigues tinha cerca de 600 moradores, maioria negra em 200 imóveis. Segundo a prefeitura, outras localidades também podem ter sido atingidas e, por isso, estima-se o número de duas mil pessoas afetadas. O nome dessas localidades não foi informado e nem dos moradores soterrados e desaparecidos. Minas Gerais recebeu em média, 12 novas barragens de rejeitos de mineração por ano (uma por mês).

A maioria utiliza a técnica ultrapassada de “Barragem Molhada”, quando os resíduos do minério são acumulados com 60% de agua e 40% de areia (e outros rejeitos), com uma contenção feita com material argiloso como a Fundão, Santarém da mineradora Samarco. As barragens molhadas fazem parte das novas tecnologias que se tornaram armadilhas que ameaçam povoados, vidas e memórias. Para os especialistas, as barragens secas ou em pasta, que são mais estáveis, são tendências na atualidade, uma vez que não há presença da água para desestabiliza-las, necessitando apenas instalar filtros para retirar o máximo de agua possível. Uma pilha de rejeitos seca é mais fácil de represar e muito mais segura. Sendo um pouco mais cara que a barragem molhada.

Com o aumento da demanda de minério e da ganancia do capitalismo, no fim da década de 70, a Samarco começou, de forma “pioneira”, a extrair minério com pouca concentração de ferro (455), chamado itabirito. Para a adoção desta tecnologia, de barragem molhada “passou-se a utilizar a agua para separar o minério da sílica”. Em plena crise hídrica, comprometendo ainda mais lençóis freáticos e nascentes. “Como o preço do minério passou a subir muito, em 2006, a tonelada de minério atingiu U$100, essa formula de extração adotada pela Samarco de “barragens molhadas” revelou-se um sucesso para o capital”, e mais barata, uma vez que os custos ambientais raramente são pagos pelos empreendedores ambientais, e sim por nós cidadãs e cidadãos e pelo Estado. Segundo o engenheiro Marcilio Pereira “A preocupação inicial era aproveitar o itabirito”. Mas o erro foi insistir 40 anos em uma técnica ultrapassada e de alto risco ambiental. 1 Doutora em Geografia/ Mestre em Contaminação Ambiental pela Universidade Politécnica de Madri, Espanha/ Engenheira Florestal.
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As barragens molhadas tornaram-se então uma “bomba relógio” para o meio ambiente, uma vez que as estruturas de contenção de rejeitos começaram a ficar altas demais e fora do limite. Os riscos sócio- ambientais caminham em escalas crescentes. A alegação da mineradora Samarco é que ela tinha o licenciamento ambiental “em dia” e que seu resíduo não era tóxico. Cabe lembrar que o licenciamento ambiental é um mero instrumento de gestão ambiental. A política de transversalidade para o licenciamento é, por definição, uma política de compartilhamento da responsabilidade para a conservação ambiental por meio do desenvolvimento sustentável do país.

A pergunta que se faz é “onde estavam todos os responsáveis”?
Essa responsabilidade parte inclusive da transparência, no reconhecimento que nem todos os riscos são possíveis de calcular e que nem todos são previsíveis, uma vez que estamos lidando com seres vivos e processos dinâmicos ambientais. Mas muitos riscos são e devem ser previstos na atividade de mineração.

Neste caso cabe duvidar da incalculabilidade ou imprevisibilidade dos riscos, uma vez que existem estudos comprovados de que as barragens tem vida útil, e, portanto uma capacidade máxima. Na natureza tudo funciona até o ponto ótimo, mas o capitalismo quer funcionar tudo ao ponto máximo. Máximo lucro, máximo risco=insustentabilidade. Uma matemática cruel.
Relatos de trabalhadores devem ser considerados quando familiares descreveram assim como laudos técnicos confirmaram pontos de “vazamentos” e fissuras na barragem e que os responsáveis desconsideraram. Um trabalhador relatou que durante o almoço ouviram um “estalo” na barragem, mas que a direção da empresa mandou prosseguir o trabalho. Às 16 horas a tragédia de derramamento de lama se inicia e rompe logo após a segunda barragem. Esses dados revelam que o caso Samarco foi uma Tragédia anunciada, previsível, e negligenciada ambiental e socialmente.

Por onde a lama passa, leva junto pessoas, animais, roças, casas, plantas e memória. Os movimentos sociais e sociedade civil prestaram solidariedade ao povo de Bento Rodrigues, neste trágico acidente ambiental e todos os municípios afetados, e exigiram à punição dos culpados e atendimento as vítimas deste crime ambiental. Declarações de funcionários e familiares confirmam que a barragem de contenção de rejeitos da mineradora apresentava problemas e a direção da Mineradora estava ciente e não tomou providências necessárias e emergenciais A grande mídia, na figura da Rede Globo, não vem colocando a evidencia de negligência ambiental da mineradora Samarco. Não adianta ocultar erros em nome do progresso a qualquer preço. A Samarco fez a maior barragem de rejeitos do mundo. Os resultados são mais de 5000 km de impacto ambiental e estima-se que serão afetados 3000 km2 de praia do Espírito e dezenas de desaparecidos, mortos, soterrados vivos não poderão ser resgatados. Não é um tsunami, pois não é um fenômeno da natureza, tudo leva a crer que foi uma negligencia humana capitalista.

Quem são as vítimas: maioria negra, pobre. Por isto não ouviram, não adotaram as medidas mitigadoras? As mulheres estão desaparecidas, esperavam seus companheiros e parentes voltarem do trabalho na mineradora. Era o horário em que as crianças saiam da escola onde estão seus corpos. Não há tecnologia para encontra-los soterrados em uma lama de 4 a 30 metros de altura. É preciso dizer aos tecnocratas ambientais que “o progresso não pode vir com a fatura de vidas humanas e de outros seres vivos”. Consideramos a tragédia de Mariana como crime ambiental cujas vitimas são os alijados desta sociedade que ‘e o povo negro, quilombola, campesinos, pobres. O movimento negro destaca que em sociedades desiguais e racistas como a nossa os riscos ambientais não se distribuem igualitariamente, portanto essas são as vitimas do Racismo Ambiental brasileiro. Não aceitamos a falsa argumentação de abalo geológico.

Houve irresponsabilidade técnica ou “a máxima destes pais, que o minério de ferro vale mais que a vida de crianças, mulheres, jovens e pobres”. Exigimos a penalização dos criminosos da tecnocracia ambiental conivente com falsos laudos de regularidade ambiental. Agora, quais são as prioridades: o atendimento às vítimas, com a reconstrução de seus bens atingidos pela tragédia, a recuperação das áreas degradas e vidas desestruturadas. Precisamos de pelo menos de planos emergenciais eficazes Negros e pobres estão soterrados, mortos, pela lama da mineração, (seja ela tóxica ou não), sem identificação ou resgate. É necessário a quantificação das vítimas, o resgate e atendimento adequado.

Racismo seja ambiental ou institucional é: CRIME. Denunciemos, solidarizemos, transformemos este mundo, e eliminemos a injustiça sócia ambiental. Coloquemos fim aos velórios de crimes ambientais. Mulheres estão mortas, soterradas. Mais uma vez as mulheres negras e pobres, sobreviventes choram seus mortos!

* Doutora em Geografia/ Mestre em Contaminação Ambiental pela Universidade Politécnica de Madri, Espanha/ Engenheira Florestal.

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