Notícias

Fim da Era Bush: O sapato como meio e mensagem

26 de dezembro de 2008

Por Alberto Dines

 

Este surpreendente ano de 2008 encerra-se de forma ainda mais inusitada. Talvez venha a ser considerado no futuro como o Ano da Verdade, se as revelações e desvendamentos prosseguirem com a mesma intensidade em todas as direções. Caíram por terra as promessas, as ilusões, as quimeras políticas, filosóficas e religiosas. Está ruindo o imbatível e infalível Sr. Mercado, cuja sabedoria e engenho eram vendidos há 200 anos como panacéia para todos os males. A natureza humana, artífice de tantas falcatruas, mostrou cabalmente o quanto é mesquinha e até que ponto está corrompida.

No sacolejo global, na vizinhança da antiga Babilônia – lá mesmo onde os homens pretendiam construir a imensa torre para chegar aos céus e impor-se ao Todo Poderoso – chega uma parábola rude e simples. Como todas. Um jornalista revoltado arvora-se em porta-voz do mundo e resolve castigar aquele que considera como culpado pelas maldições que afligem o seu país.

Ao contrário de tantos correligionários, não pretende imolar-se nem derramar uma gota de sangue. Quer mostrar a sua repulsa e escolhe a mais imunda extensão do corpo, aquela que pisa o chão e convive diretamente com a sujeira: o sapato.

O repórter iraquiano Muntadhar al-Zaidi tinha à disposição a imagem, o som, o papel e a palavra. Abriu mão do jornalismo, da imprensa, do manual da redação e dos códigos de conduta para inventar o sapato como veículo de comunicação. Louvado seja: lá onde os homens-bomba proclamam diariamente o seu horror à vida, al-Zaidi fez do calçado uma ação afirmativa.

Direitos humanos

O presidente Lula, preferiu a chacota, falou em chulé no meio de uma reunião de chefes de Estado sul-americanos e caribenhos, não percebeu o sentido e o alcance da inovação introduzida por al-Zaidi. Marshall McLuhan, o grande teórico da comunicação moderna, não contava com essa: o sapato é o meio e a mensagem.

Estadistas não devem mais temer atentados terroristas, porém não há equipamento confiável nem guarda-costas capazes de evitar que um sapato – ou tênis, sandália, chinelo, bota, com sola de borracha ou salto 12 – seja jogado nas fuças de um presidente mentiroso ou cínico.

Raul Castro, com o seu ar de general de pijama, candidata-se a alvo da segunda sapatada: a proposta feita em Brasília para a troca dos “dissidentes” presos em seu país pelos cinco espiões (“heróis”, segundo ele) presos nos EUA é indecente.

Os dissidentes cubanos são na verdade ativistas de direitos humanos, não pretendiam tomar o poder, não pretendiam sair do país, queriam melhorá-lo, lutavam pela liberdade. A mesma, aliás, pela qual lutaram os dissidentes de 1958 – os irmãos Castro, Che Guevara, Camilo Cienfuegos e tantos outros.

Momento mágico

Sapatada merece o presidente do Senado, Garibaldi Alves, como castigo pela espúria manobra de aprovar de madrugada a emenda constitucional que cria mais 7.343 vagas de vereadores sob o pretexto de aumentar a representatividade do cidadão. Em plena crise mundial, diante da real ameaça de uma brutal recessão, quando cada tostão deve ser investido em crescimento, o chefe do Poder Legislativo não tem pudor em assumir o seu incontrolável e entranhado coronelismo. Com estas credenciais pretende driblar a Constituição e candidatar-se novamente à presidência da Câmara Alta.

Candidato a receber um protesto modelo al-Zaidi é o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, homem-enguia que escapole de todas as crises e emergências em seu estado. As fotos de Divinópolis publicadas na sexta-feira (19/12) mostram um rio caudaloso, ondas revoltas, dilúvio bíblico: 41 municípios em estado de emergência, doze mortos, 23 mil desabrigados, 13 mil casas danificadas e o homem não aparece, mesmo encarapitado num helicóptero. Não é com ele, nunca é com ele.

A fila é grande – depois de Bush, al-Zaidi necessitaria de um formidável estoque de sapatos para veicular sua indignação. O sapato como veículo de comunicação pode apressar o fim do jornal impresso, pode ser mais instantâneo do que a internet, mais eficaz do que comícios. Estamos diante de um momento mágico em que o ser humano redescobriu o poder de dizer o essencial.

Reproduzido do Último Segundo, 19/12/2008

COMENTÁRIO

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Categorias

Artigo
Ciência
COVID-19
Cultura
Direitos
Educação
Entrevista
Eventos
Geral
Mundo
Opinião
Política
Programa Extra-Classe
Publicações
Rádio Sinpro Minas
Saúde
Sinpro em Movimento
Trabalho

Regionais

Barbacena
Betim
Cataguases
Coronel Fabriciano
Divinópolis
Governador Valadares
Montes Claros
Paracatu
Patos de Minas
Poços de Caldas
Pouso Alegre
Sete Lagoas
Uberaba
Uberlândia
Varginha