O curso anual do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) trouxe à tona o presente e o futuro da comunicação no Brasil. Com o tema: Comunicação e Hegemonia num mundo em ebulição, o curso contou com a presença de jornalistas, sindicalistas e especialistas em diversos setores da mídia.
O evento aconteceu no Rio de Janeiro, entre os dias 16 e 20 de novembro, com a participação do Sinpro Minas. Durante o curso também foram realizadas oficinas para a troca de experiências entre os participantes.
“Se a mídia da burguesia não fala sobre a Comuna, nós precisamos falar. Em 2011 completam-se 140 anos deste grande marco para a história das lutas mundiais”, esclareceu o coordenador do NPC, Vito Giannotti, sobre o tema de abertura do curso: os 140 anos (1871-2011) da Comuna de Paris.
Para analisar esse mundo em ebulição, foram convidados os jornalistas Ignacio Ramonet, do jornal Le Monde Diplomatique, Pascual Serrano, do site espanhol Rebelión, e o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Dênis de Moraes. Eles discorreram sobre as transformações políticas no mundo árabe, as manifestações na Europa e o papel das redes sociais como ferramentas de mobilização social.
O jornalista Ignacio Ramonet fez uma análise geopolítica do mundo árabe e ressaltou que não foram os meios de comunicação e as redes sociais que produziram as transformações nos países. Para ele, o primeiro ponto impulsionador das revoluções foi, no caso da Tunísia, o fato de as populações terem acesso a revelações do Wikileaks, que mostraram como funcionava a corrupção no país.
A rede de televisão Al Jazeera foi o segundo elemento apontado por Ramonet que levou informação à população da Tunísia. “Desde que foi criada, a Al Jazeera mudou a comunicação do mundo árabe e a visão que os árabes têm de si mesmos”, disse.
“O Twitter não serve para criar um sentimento revolucionário. Esse sentimento de protesto já existia, devido às condições materiais de existência”, ressaltou. De acordo com Ramonet, as redes sociais permitiram a organização de manifestações com 20, 30, 40 mil pessoas, o que dificultou a repressão por parte dos governos ditatoriais.
Pascual Serrano concorda que as redes sociais não são centrais nas mudanças. Ao analisar o caso da Europa, ele reforça que estes instrumentos servem para marcar dia e horário de uma manifestação ou desmarcar, por exemplo, quando se sabe que haverá grande repressão policial. “As redes sociais podem levar as pessoas às ruas; conseguiram encher as ruas de gente, coisa que as organizações sociais e políticas não têm conseguido, mas essas manifestações acabaram adotando os formatos das redes”, disse Serrano.
O professor Dênis de Moraes falou sobre as mudanças nas políticas públicas de comunicação introduzidas por governos progressistas na América Latina nos últimos anos. Segundo ele, a área é um laboratório em andamento de experiências de combate ao neoliberalismo. “O processo de transformação na área de comunicação é extremamente importante devido à herança dos monopólios, que controlam a comunicação de maneira autoritária e perversa”; disse.
“O Brasil está na vanguarda do atraso em relação à democratização da comunicação. Ainda assim, em vários países da América Latina, há esforços para discutir com a população e aprovar novos marcos regulatórios, principalmente na área de radiodifusão, que são concessões públicas. Esse tem sido um dos setores mais priorizados pelos governos progressistas”, disse Moraes, ao lembrar que Venezuela, Bolívia e Equador, países que fazem parte da Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA), já iniciaram mudanças significativas nessas áreas.
Segundo Moraes, a Argentina, aprovou sua Lei de Meios em 2009, e foi reconhecida pela Unesco como a legislação de mídia mais antimonopólica do mundo. O professor lembrou, ainda, que Equador e Uruguai têm projetos de lei em tramitação semelhantes à Lei de Meios argentina e a Venezuela aprovou recentemente uma nova lei de comunicação popular para impulsionar a comunicação comunitária e alternativa.
Comunicação sindical
Durante o curso, ganharam destaque os debates em torno das mídias sindicais. Diversos jornais, revistas e materiais sindicais foram distribuídos e divulgados. Dirigentes sindicais e jornalistas tiveram a oportunidade de apresentar as muitas iniciativas de mídia produzidas por suas entidades.
Em sua participação no debate, o diretor de Comunicação do Sinpro Minas Aerton Silva afirmou que a comunicação de qualidade deve ser vista como uma arma poderosa na formação dos trabalhadores e na construção de sua luta. Ele ressaltou a importância de se investir em comunicação. “Só assim iremos disputar hegemonia com a grande mídia”, reforçou Aerton.
Silva destacou que há quase três anos o Sinpro Minas produz um programa de TV, o Extra-classe, veiculado semanalmente em canal aberto pela TV Bandeirantes, para Minas Gerais. Durante a palestra, Aerton elencou as ferramentas de comunicação do sindicato, tais com jornais impressos, portal na internet e revistas, assim como apresentou o vídeo da campanha do sindicato pela paz nas escolas.
“Temos um grande desafio de cada vez mais nos apropriarmos das novas ferramentas e produzir materiais com conteúdo ideológico”. Essa é a opinião de Everton Gimenis, do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre.
Marcela Cornelli, do Sindprevs/SC, apresentou algumas iniciativas da entidade, como o jornal mensal Previsão, de doze páginas; uma página na web atualizada diariamente; além da produção de revistas, livros e documentários.
A partir de uma pesquisa com diversos sindicatos de Santa Catarina, a jornalista destacou algumas dificuldades enfrentadas na área da comunicação, como o desafio de se conseguir um entendimento geral de que a pauta deve ir além dos assuntos da categoria; a multifunção dos jornalistas, que muitas vezes têm que elaborar a pauta, escrever os textos, atualizar as redes sociais, escrever panfleto, cobrir assembleia e outras funções que prejudicam a periodicidade.
De acordo com a análise de Raimundo Pereira, da Editora Manifesto, os trabalhadores precisam assumir um protagonismo maior na produção e disseminação de informações. Ele ressaltou que é preciso pensar estratégias para que a midia independente (sindical, popular, alternativa) possa realmente interferir nas decisões políticas e nos rumos da sociedade.
Do jornal à internet: a mídia na construção de uma nova sociedade
“Precisamos nos sensibilizar para o papel fundamental de um jornal impresso público, de massas, complementar às novas tecnologias”. Assim o jornalista Beto Almeida, do canal de televisão TeleSur, deu início à sua fala. Como lembrou o palestrante, essa iniciativa já existiu no Brasil: durante o governo de Getúlio Vargas foi criado o Última Hora, jornal que, segundo Almeida, cumpriu o papel de ser um veículo de massas que refletia a agenda da classe sindical e trabalhadora, em oposição à mídia hegemônica que criminaliza as lutas sociais. “Esse jornal fazia uma verdadeira disputa ética e estética frente à grande mídia, entrando com força na ’batalha de idéias’, como diria Che Guevara”.
Segundo Beto Almeida, é necessário seguir exemplos que estão ocorrendo em países vizinhos ao nosso. Ele citou o caso da Venezuela, onde o presidente Hugo Chávez criou jornais públicos para combater as ideias difundidas pela mídia de direita. Um deles é o Correo de Orinoco, que hoje possui quase 300 mil exemplares diários, a custo mínimo. Outro é o Ciudad Caracas, periódico gratuito editado pela Prefeitura da capital do país.
Altamiro Borges, do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, ressaltou que, ao contrário do que disse Fukuyama, a história não acabou, e a luta de classes só está se intensificando, inclusive no Brasil. “Vemos isso na Europa, com a queda de primeiros ministros, crise econômica e manifestações contrárias à agenda de flexibilização dos direitos trabalhistas, demissões e avanço das privatizações. A tendência é aumentar, mas não sabemos aonde isso vai dar”.
O jornalista afirmou também que, segundo Lênin, a luta de classes se dá em três terrenos: o econômico, o político e o das ideias. “Acho que essas três esferas estão dadas hoje. Estamos bem atrasados na terceira, mas não podemos negar que há iniciativas interessantes nesse campo”, disse Borges, ao rememorar exemplos históricos das imprensas anarquista, comunista e os veículos alternativos criados durante a ditadura civil-militar de 1964. “Há inclusive o Jornal do MST, que comemorou 30 anos recentemente e pode ser considerado um ‘organizador coletivo’, pois nasceu antes mesmo do próprio movimento”, disse.
A internet deve ser prioridade
Para o editor da revista Fórum, Renato Rovai, a prioridade de investimento hoje deve ser a comunicação online, pois há dados recentes que mostram um aumento do acesso à internet. “A estrutura de hierarquização dos jornais tradicionais infelizmente tende a se repetir nos meios sindicais e nos movimentos sociais, devido aos limites de espaço que o meio impresso impõe. A internet não é assim”.
O jornalista fez uma provocação ao público, composto em sua maioria por sindicalistas e ativistas sociais, pois disse considerar que há muito atraso de investimento nessa área, o que, para ele, poderia ser explicado por um receio de abertura para o contraditório. “Hoje há um novo espaço de relacionamento. O diálogo tem sido feito de muitos para muitos, e temos que discutir essa nova dinâmica”, disse Rovai.
Foram realizadas oficinas para provocar a interação entre o público. Entre elas, a que tratou da internet, conduzida por Gustavo Barreto, doutorando da Escola de Comunicação da UFRJ, teve grande adesão dos participantes. O debate dessa oficina salientou a necessidade de se encarar a comunicação comunitária como um direito do cidadão.
Segundo Barreto, os movimentos sociais e populares e os sindicatos precisam se apropriar da técnica e das tecnologias da comunicação para usar as ferramentas disponíveis como forma de conquistar direitos de cidadania, não somente para indivíduos, mas também para o conjunto dos segmentos excluídos da população.
O professor Gaudêncio Frigotto, da Universidade Federal Fluminense, encerrou as oficinas com um debate sobre Educação e Política. Mencionando o escritor Luis Fernando Veríssimo, disse que é preciso aprender a “ler o mundo”, para compreender os acontecimentos sociais e políticos. E ao citar Gramsci, apontou que toda ação política é, por excelência, pedagógica, destacando a importância dos professores na construção da sociedade.
Com informações do portal do Núcleo Piratininga de Comunicação
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