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A austeridade deteriora a saúde mental dos gregos

27 de junho de 2018

Por Mohamed Larbi Bouguerra, no Le Monde Diplomatique

A austeridade radical imposta à Grécia desde 2010 não somente agravou a situação da economia e o endividamento do país, com queda da produção e disparada do desemprego. Entre os moradores de Atenas, ela teria provocado um aumento fenomenal do consumo de psicotrópicos (multiplicado por 35), de ansiolíticos à base de benzodiazepínicos (multiplicado por 19) e de antidepressivos (multiplicado por 11). Esses dados constam de um estudo original realizado nos esgotos da cidade.1

Pesquisadores da Universidade Nacional Capodistriana de Atenas estudaram metodicamente as manifestações dessa “angústia cotidiana” descrita pelo primeiro-ministro Alexis Tsipras.2 A cada semana, de 2010 a 2014, Nikolaos Thomaidis e seus colegas recolheram amostras nas estações de esgoto da capital grega, que coletam as águas rejeitadas por mais de um terço da população da Grécia, ou seja, 3,7 milhões de habitantes. Eles pesquisaram 148 medicamentos narcóticos e outras substâncias ilícitas, assim como seus metabólitos – os produtos de sua transformação no organismo.

Os cientistas ressalvam que, se a presença dessas substâncias nas águas é rotineiramente verificada, apenas um número limitado de estudos foi consagrado à correlação entre as concentrações encontradas e os fenômenos sociais. O trabalho coloca em destaque a resposta da população ao estresse gerado pela austeridade imposta pela União Europeia – particularmente pela Alemanha. O uso de muitas substâncias – legais e ilegais –, em especial os psicotrópicos e os antidepressivos, cresceu rapidamente na esteira do plano europeu de 2010. Hoje, o desemprego atinge 30% da população ativa; as despesas públicas foram drasticamente reduzidas, e os impostos, aumentados. As aposentadorias serão reduzidas novamente em 18% em 2019, pela 12ª vez.3

Os pesquisadores também observaram um aumento do consumo de medicamentos destinados ao tratamento de hipertensão, úlcera e epilepsia.4Por outro lado, a presença de antibióticos e anti-inflamatórios não esteroides (Ains) baixou, provavelmente por causa de cortes drásticos nos gastos com saúde e da queda do poder de compra. Assim, no caso dos anti-inflamatórios da família dos ácidos fenâmicos, observou-se uma queda vertiginosa. O orçamento da saúde pública teve seu teto definido em 6% do PIB, o dos hospitais públicos foi amputado em 26% entre 2009 e 2011, e as compras de medicamentos caíram de 4,37 bilhões de euros em 2010 para 2 bilhões de euros em 2014.

Ao mesmo tempo, a equipe de Thomaidis destaca a duplicação dos níveis de metanfetaminas ilícitas (drogas psicoestimulantes, muito viciantes, neurotóxicas, chamadas speed, meth ou crystal meth). Estas são associadas a uma substância local barata (do tipo street drugs: alucinógenos, estimulantes) chamada “sisa”. As drogas que geram euforia, cocaína e maconha, não seguiram uma tendência clara, mas experimentam picos de consumo no fim de semana. O consumo de ecstasy (MDMA), no entanto, aumentou fortemente.

Para Thomaidis, esses resultados sugerem que a saúde da população na Grécia, em particular a saúde mental, se deteriorou fortemente ao longo desse período. Se esse tipo de análise não é novo,5 sua equipe é a primeira a conduzir um trabalho durante um período tão longo, numa amostra tão significativa da população, e de ter analisado muitas amostras. Sua conclusão é contundente: “Todos os indicadores socioeconômicos estão fortemente relacionados com a quantidade de antidepressivos e de benzodiazepínicos. O desemprego, o agravamento da situação econômica e o impacto do forte endividamento das pessoas podem provocar ou agravar os problemas de saúde mental”.

Esse é também o primeiro trabalho que destaca de maneira tão clara o estresse e os horrores vividos pelo povo grego, consequências dos “remédios” administrados pela União Europeia e pelos financiadores de fundos internacionais. Ele confirma a reflexão do químico norte-americano Linus Pauling (Prêmio Nobel de Química de 1954 e Prêmio Nobel da Paz de 1962): “Nenhum dos aspectos contemporâneos, até e aí compreendida a política e as relações internacionais, escapou à influência da química”.

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