Por Denilson Cajazeiro
A educação brasileira vive um momento crítico, para além dos seus problemas estruturais, como a falta de recursos e a baixa valorização da carreira docente. Alvo de disputas entre bolsonaristas e a ala militar do governo, o setor está no “olho do furacão”, sob ameaça de três fundamentalismos: o religioso, o político e o econômico.
Essa avaliação foi feita pelo professor Gaudêncio Frigotto, atento observador do cenário educacional brasileiro. “A educação está absolutamente cercada e, sobretudo, por uma visão de desmanche do magistério e da educação básica”, criticou o pesquisador, em entrevista ao Sinpro Minas.
Docente na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Frigotto esteve nesta semana em Belo Horizonte, para participar de reunião do Fórum Permanente de Educação de Minas Gerais (FEPEMG). Entre outros temas, o encontro discutiu a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, conforme prevê o artigo 206 da Constituição Federal.
Autor e coautor de mais de 20 livros acerca da educação, o docente é organizador de recente obra que lança um olhar crítico sobre a proposta de Escola sem partido (clique aqui para acessá-la). Na entrevista, ele ressaltou que o momento atual demanda a união da categoria. “A saída nossa não é outra senão a resistência ativa, uma resistência em que a nossa visão não é o ódio, é o diálogo, o debate, o contraponto, e implica a busca da unidade e da institucionalidade”, destacou.
Confira abaixo a entrevista.
Sinpro Minas: Quais são as perspectivas para a educação brasileira no governo Bolsonaro?
Gaudência Frigotto: Olha, o quadro da educação já era muito dramático desde o golpe de agosto de 2016. Mas o golpe tinha ainda internamente uma correlação de forças, especialmente com um governo fraco, e que saiu do mandato com 5%, 6% de apoio. Entretanto, a eleição de um governo de extrema-direita, por uma estratégia que hoje a sociedade começa a tomar consciência de como foi, agravou enormemente isso. Então a educação está no olho do furacão, sob três ou quatro fundamentalismos. O fundamentalismo econômico, cuja tese é de que a educação superior, por exemplo, não é um lugar para todos, e com uma visão estreita de educação, que sirva ao mercado. Não existe sociedade, não existe direito, existe o mercado. O fundamentalismo político, que considera o opositor como inimigo. O movimento social é inimigo, o sindicalismo é inimigo, o pensamento de esquerda é inimigo, partido político que não seja alinhado é inimigo. Então não se trata de debater o inimigo, trata-se de eliminá-lo. E o bloco do fundamentalismo religioso.
Então a educação está absolutamente cercada e, sobretudo, por uma visão de desmanche do magistério e da educação básica. Evidentemente, a sociedade brasileira tem energia, mas ela está meio reclusa. Temos de começar a sair da anomia em que estamos. Eu compreendo essa anomia, porque a estratégia desde o início da eleição é a intimidação e a pedagogia do medo, exatamente o contrário da pedagogia do diálogo, da autonomia, que Freire pregava, e não por acaso Freire é o inimigo. E hoje há também a ideia de que vai se resolver o problema das periferias com a polícia, o Colégio Militar ou a perspectiva militar.
A saída nossa não é outra senão a resistência ativa, uma resistência em que a nossa visão não é o ódio, é o diálogo, o debate, o contraponto, e implica a busca da unidade e da institucionalidade. Então é importante o professor se sindicalizar, porque sindicalizado ele tem uma proteção. É importante ele debater e participar dos órgãos coletivos da sua escola, conselhos, etc, e não cair na esbarrela do medo. Lutamos por justiça, liberdade, para que a juventude possa construir sua dupla cidadania, política e econômica, e não há outra saída senão o trabalho coletivo.
Por que a educação está sob forte ataque neste governo?
Mas todos os regimes de extrema-direita têm na educação um foco de controle. Você pode olhar, historicamente, sempre que há uma ditadura, um golpe, um fascismo ou nazismo. Porque ali é onde há uma disputa pela formação das novas gerações. E, sem dúvida nenhuma, o foco hoje eu diria que é a juventude. Há um processo de dupla interdição da juventude. Por um lado, não os prepara para o mundo complexo do trabalho, com essas contrarreformas, e, por outro, retira-lhes a possibilidade de analisarem a sociedade em que vivem, o bairro, a cidade, para eles construírem uma sociedade coletiva e não uma onde o mercado é deus para tudo.
Nesse sentido você diria que há uma intenção privatizante?
Total. Se você olha as medidas, a emenda constitucional 95, por 20 anos, não há investimento no setor público. 1% do PIB que aumentou fica na mão de quem? Banco e setores privados. A contrarreforma do trabalho é um acinte, uma coisa insana. Porque você permite a exploração do trabalhador sem direitos, praticamente. E agora a reforma da Previdência é duplamente insana, porque muda o conceito. A Previdência era um pacto de gerações, coletivo. A minha geração trabalhou e a geração que vem agora vai me sustentar. E quebra-se isso. Você vai dizer agora que vai ter uma garantia mínima, de 400 reais, para quem não pode acumular, e quem é que vai manipular isso? Os bancos. E, além disso, mesmo para quem vai ter um emprego, ele vai se aposentar no fim da vida. Então é totalmente o fim daquilo que se pensa de esfera pública, como sinônimo da possibilidade de direitos universais.
Trata-se de uma perspectiva de educação excludente?
Absolutamente. Exclui aquilo que é específico como direito da educação básica e depois da educação superior. Qual é o direito da educação básica? Que todo jovem possa ter como direito universal o conhecimento médio que aquela sociedade possa dar a todo o cidadão. O que está sendo feito hoje é negar esse conhecimento médio. A contrarreforma do ensino médio é exatamente isso. E com isso você desmonta também as licenciaturas nas universidades. Então você vai ter uma dupla traição às gerações que vêm aí, porque a maioria você prepara para o trabalho simples. É uma sociedade entreguista, subordinada aos Estados Unidos, abertamente, e também você nega, como eu dizia, os instrumentos para entender a sociedade. Então é profundamente excludente, mas é uma exclusão que não é fácil de se ver.
Recentemente, o presidente Bolsonaro postou, nas redes sociais, críticas ao ambiente acadêmico. Ele disse que a formação dos cidadãos é esquecida e prioriza-se a conquista de militantes políticos. O que está por trás dessas declarações?
O que está por trás é exatamente tentar desmontar a liberdade de pensamente nas universidades. Eu vi, na segunda-feira, um pronunciamento nas redes de que ele iria varrer o pensamento crítico nas universidades. Isso é uma bravata, porque a sociedade não se desmonta assim. Mas, volto a dizer, é uma estratégia de intimidação, deliberada, pensada. Evidentemente, vão restringir recursos, o próprio CNPQ [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] está esvaziado, enfim. Então nós vamos ter um período de regressão social profunda, mas acho que a gente não tem que se deixar vencer pelo pessimismo.
O Florestan Fernandes tem uma bela síntese. Ele dizia que que a história nunca se fecha ou se abre por si, são os homens e mulheres em luta e embate que fecham e abrem o circuito da história. Eu sou de uma geração que herdei um período fechado da história, a ditadura de 64. E a minha geração e a geração um pouco mais velha foram as protagonistas nos sindicatos, nos partidos políticos, nas associações científicas, na igreja, nas comunidades de base. Foram aqueles que foram empurrando a história para abri-la, e a Constituição de 1988 foi um avanço na ordem social e econômica, mas ainda não um avanço necessário na sociedade brasileira. Agora temos um ciclo pior que a ditadura, no meu ponto de vista, porque ele vem legitimado pelo voto e por essa massiva propaganda. A mídia tem grande parte nisso. Ela é contraditória, porque hoje ela é atacada. Mas, no fundamento, ela defende o mercado, não defende a universidade. Então nós vivemos um turbilhão de contradições, e nós precisamos estudá-las e ver como nos movemos nelas. Mas a unidade é fundamental.
Qual mensagem você deixaria para os professores, frente a essa conjuntura atual?
A saída não é individual, primeiro. Então acho que nós todos, nas nossas escolas, unidades, devemos conversar, sem medo de não concordar. Eu digo o seguinte: o dissenso qualificado é que vai nos fazer avançar, não é o consenso balofo, nem olhando o outro como inimigo. Por isso, volto a insistir sobre a importância de você estar sob um guarda-chuva, numa associação científica, num sindicato, para que você possa lutar coletivamente. E, talvez, aquilo que o Antonio Candido sublinhava sobre o caráter da repressão. Ele citava lá um pensador que dizia o seguinte: não tenha medo da morte, não tenha medo do exílio, não tenha medo da pobreza, não tenha medo da prisão, mas tenha medo do medo. Então, quer dizer, o medo nos joga dentro de casa, na depressão. Precisamos enfrentar isso coletivamente, eu não vejo saída sem o reforço do que é coletivo, institucional, associação científica, sindicato, movimentos sociais, porque esses é que estão sendo atacados. Mas nós temos força na sociedade. E volto a dizer: nossa visão não é o ódio, não é eliminar o outro, é construir uma sociedade efetivamente democrática, com educação pública, de qualidade, com saúde pública, com direitos, e o mercado é uma parte da sociedade, não é a sociedade. Nós invertemos. A sociedade é que tem que controlar o mercado. Hoje, é o mercado que controla a sociedade. Mercado da saúde, religioso, da escola. É tudo mercado. Então não tem saída para os nossos netos, bisnetos nem a juventude hoje nessa perspectiva. Mas estamos no embate.
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