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A incompatibilidade da reforma trabalhista e da terceirização com o ensino

27 de setembro de 2017

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

Como se colhe da literalidade dos dispositivos retrotranscritos, em nenhuma hipótese e/ou justificativa, o trabalho temporário e a locação de mão de obra são cabíveis em uma instituição de ensino.

A chamada reforma trabalhista, que se materializa nas leis N. 13.429, de 31 de março de 2017 — já em vigor —, e N. 13.467, de 13 de julho de 2017 — que entrará em vigor em 11 de novembro de 2017 — somente não é rechaçada — mais apropriado seria dizer repudiada — por aqueles que dela se beneficiarão e pelos mercadores de ideias, que se empregam a serviços destes, defendendo-os com todo o seu ser, como faziam os samurais. Só que os samurais preferiam a morte a desonrar o inimigo, o que nem de longe é marca de quem despudoradamente diz que a referida reforma trabalhista moderniza a legislação trabalhista, sem retirar direitos. Na verdade, o que os mercadores de ideias buscam é, a um só tempo, desonrar o direito do trabalho, a Justiça do Trabalho, e os sindicatos, que são pilares da Ordem Democrática.

A criação de empresas de trabalho temporário — locadoras de mão de obra —, pela Lei N. 13.429, a autorização para a terceirização da atividade-fim (principal), os contratos autônomos e os intermitentes, pela Lei N. 13.467, representam a mais absoluta negação da Declaração de Filadélfia, aprovada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em sua 26ª Sessão, em 10 de maio 1944, da qual o Brasil é signatário, desde o seu advento.

Consoante a Declaração de Filadélfia: “A Conferência afirma novamente os princípios fundamentais sobre os quais se funda a Organização, isto é:

a) o trabalho não é uma mercadoria;

b) a liberdade de expressão e de associação é uma condição indispensável para um progresso constante

c) a pobreza, onde quer que exista, constitui um perigo para a prosperidade de todos

d) a luta contra a necessidade deve ser conduzida com uma energia inesgotável por cada nação e através de um esforço internacional contínuo e organizado pelo qual os representantes dos trabalhadores e dos empregadores, colaborando em pé de igualdade com os dos Governos, participem em discussões livres e em decisões de carácter democrático tendo em vista promover o bem comum”.

Por mais que os mercadores de ideias digam o contrário, as citadas modalidades de contratos caminham em sentido diametralmente oposto aos dos princípios fundamentais da Declaração de Filadélfia e da Constituição Federal (CF) de 1988. Em uma palavra: representam o fim do trabalho decente.

Aliás, apresentam-se como deveras ilustrativos os comentários do senador Ricardo Ferraço — baluarte e pesada voz dos mencionados vendedores de ideias —, relator do Projeto de Lei da Câmara (PLC) N. 38/2007), convertido na Lei N. 13.467, sobre alguns dos aspectos de seu conteúdo, em especial do contrato intermitente, concluindo, hipocritamente, com recomendação à Presidência da República para modificá-los, por meio de medida provisória.

Ei-los:

“9. Recomendações de vetos. Em que pese nossa convicção pelo necessário aperfeiçoamento das leis trabalhistas, pautada pelo binômio flexibilização e proteção, não podemos estar alheios às críticas construtivas apresentadas ao projeto pelos participantes das audiências públicas que realizamos, pelos representantes  sindicais que recebemos e pelas emendas apresentadas pelas Senhoras Senadoras e Senhores Senadores. Deste modo, concertamos junto a lideranças do Poder Executivo e do Poder Legislativo que alguns itens da proposta em tela devem ser vetados, podendo ser aprimorados por meio da edição de medida provisória que contemple ao mesmo tempo o intuito do projeto aprovado na Câmara dos Deputados e o dever de proteção externado por muitos parlamentares. Trata-se de convenção evidentemente não formal e que já foi feita tantas vezes nesta Casa, e que não implica em aprovação formal de emendas….Trabalho intermitente. Sem dúvida, uma das principais inovações desta proposta é a criação do trabalho intermitente, feita pelos arts. 443 e 452-A da CLT, na forma do projeto. Não concordamos com os argumentos colecionados pelos opositores da proposta de que ela transfere o risco da atividade econômica da empresa para o empregador, violando a função social da propriedade prevista na Constituição e tratando o trabalhador como um insumo qualquer.  Pelo contrário, esta é uma medida destinada a reduzir nossos altos índices de rotatividade e a permitir a inclusão no mercado de trabalho de jovens, mulheres e idosos, que têm maior dificuldade de cumprir a jornada ‘cheia’. Entretanto, é necessária cautela. Esta mudança tem que ser feita de maneira segura, e não drástica. Futura medida provisória deve conceder salvaguardas necessárias para o trabalhador e talvez delimitar setores em que este tipo de jornada vai ser permitida. Muito embora acreditemos que a realidade de diversos setores da economia não se enquadra na lógica do trabalho intermitente, esta regulação não pode ser deixada para ser feita isoladamente pelo mercado. Temos de reconhecer que há enorme desigualdade no grau de maturidade das relações de trabalho pelo País, e que permitir o trabalho intermitente de qualquer forma pode levar a abusos e à precarização.”

Ainda que se conceda que as modalidades de contratação retroapontadas, que representam a mortalha do trabalho decente, venham a ser reconhecidas como válidas pela Justiça do Trabalho, o que a Ordem Democrática espera que não se concretize, pois que isso feriria de morte a valorização do trabalho humano, fundamento da Ordem Econômica, conforme preconiza o Art. 170, caput, da CF, e o princípio da OIT segundo qual o trabalho não é mercadoria, definitivamente, elas não têm lugar no primeiro dos direitos fundamentais sociais, consagrados pelo Art. 6º da CF: a educação.

Essas modalidades de contrato, todas elas, são absolutamente incompatíveis com os objetivos da educação e os princípios do ensino, respectivamente ditados pelos Arts. 205 e 206 da CF, bem assim com as condições exigidas pelo Art. 209, também da CF, para que a iniciativa privada possa oferecer o ensino.

O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) N. 3330, de iniciativa da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) — contra o ProUni —, fundamentou a sua decisão de improcedência dela nos seguintes argumentos:

O ministro  Relator, Ayres Brito, já aposentado, em seu voto, acolhido por todos os demais ministros, asseverou:  “(…) que a Lei Republicana tem a educação em elevadíssimo apreço… Esse desvelo para com a educação é tanto que o Magno Texto dela também cuida em capítulo próprio, no Título devotado a toda Ordem Social (Capítulo III do Título VIII). E o faz para dizer que ‘a educação,  direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho’(art.205)”.

E mais: “Pois bem, da conexão de todos os dispositivos constitucionais até agora citados avulta a compreensão de que a educação, notadamente a escolar ou formal, é direito social que a todos deve alcançar. Por isso mesmo, dever do Estado e uma de suas políticas públicas de primeiríssima prioridade. Mas uma política pública necessariamente imbricada com ações da sociedade civil, pois o fato é que também da Constituição figuram normas que: a) impõem às famílias deveres para com ela, educação (caput do art. 205); b) fazem do ensino atividade franqueada à iniciativa privada, desde que atendidas as condições de ‘cumprimento das normas gerais da educação nacional’, mais a ‘autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público’ (art.209, coerentemente, aliás, com o princípio da ‘coexistência de instituições públicas e privadas de ensino)…”

E ainda: “Noutro giro, não me impressiona o argumento da autora que tem por suporte o princípio da livre iniciativa, devido a que esse princípio já nasce relativizado pela Constituição mesma. Daí o Art. 170 estabelecer que ‘a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social (…)’. Aspecto que não passou despercebido ao Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, consoante os seguintes dizeres de seu parecer:

‘(…) a liberdade de iniciativa assegurada pela Constituição de 1988 pode ser caracterizada como uma liberdade pública, sujeita aos limites impostos pela atividade normativa e reguladora do Estado, que se justifique pelo objetivo maior de proteção dos valores também garantidos pela ordem constitucional e reconhecidos pela sociedade como relevantes para uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. Não viola, pois, o princípio da livre iniciativa, a lei que regula e impõe condicionamentos ao setor privado, mormente quando tais condicionamentos expressam, correta e claramente, então conferindo concretude a objetivo fundante da República Federativa, qual seja:

I- construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º)’”.

Finalmente, o ministro relator assevera, em seu voto, transformado em jurisprudência do STF, por ser acolhido por todos os demais ministros, com exceção de um e por questão legislativa, não de mérito:

“Acresce que o ensino é livre à iniciativa privada, certo, mas sob duas condições constitucionais: autorização para funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público (…)”.

O ministro aposentado Joaquim Barbosa, em seu voto de vistas na ação sob realce, que levou quatro anos para ficar pronto, ao concordar com o ministro relator, Carlos Ayres Brito, asseverou: “(…) a educação não é uma mercadoria ou serviço sujeito às leis do mercado e sob regência do princípio da livre iniciativa (…) Se a legislação franqueia a educação à exploração pela iniciativa privada, essa só pode ocorrer se atendidos os requisitos do artigo 209 da CF (…)”.

Claro está, portanto, que o STF, ao proceder à interpretação dos objetivos e das finalidades das instituições particulares de ensino superior, em conformidade com a CF, fixou-os nos termos retrotranscritos, assentando que se obrigam a cumprir a função social, que é a de valorizar o trabalho e promover a educação com padrão de qualidade social.

Mostram-se  igualmente oportunos os argumentos expendidos pelos ministros do STF no julgamento da ADI 4167, que questionava a constitucionalidade da lei N. 11.738/2008 — todos registrados no acórdão —, que visa a dar eficácia ao inciso V do Art. 206, da CF, que assegura a valorização dos profissionais da educação escolar.

Ei-los:

Já na Ementa, o  mencionado acórdão destaca: “3. É constitucional a norma geral federal que reserva percentual mínimo de 1/3 da carga horária dos docentes da educação básica para dedicação às atividades extraclasse”.

O relator da ação, ministro Joaquim Barbosa, registra em seu voto, que foi vencedor:

“(…) Nesta acepção, o estabelecimento de pisos salariais, visa a garantir que não haja aviltamento do trabalho ou a exploração desumana da mão-de-obra.

(…)

(…) De fato, a Constituição toma a ampliação do acesso à educação como prioridade, como se depreende de uma série de dispositivos diversos (cf.e.g. os arts. 6º, caput, 7º , IV, 23, V, 150, VI, e, e 205). Remunerar adequadamente os professores e demais profissionais envolvidos no ensino é um dos mecanismos úteis à consecução de tal objetivo”.

O Ministro Luiz Fux, em seu voto, afirma: “(…) Ora, data máxima vênia, parece evidente que isso é uma diretriz que também tem que ser uniforme. Quer dizer, uma diretriz traçando piso nacional de salário, jornada de trabalho, evidentemente-que também como princípio geral-, tem que dizer como nacionalmente deve se comportar a educação no Brasil, ou seja, os professores têm que passar dois terços dentro da sala de aula. Poder-se-á aduzir: não, mas isso traz assim prejuízos e impactos econômicos- eu até acredito que haja-, muito embora Sua Excelência, o Ministro Relator, tenha ressaltado com muita veemência que todos tiveram tempo suficiente para se adaptarem à lei. Isso foi destacado da tribuna, pelo ilustre representante do Ministério Público. Mas, ainda que assim não o fosse, a jurisprudência desta Corte não se sensibiliza com esses argumentos de natureza econômica para o fim de não declarar, ou de declarar a inconstitucionalidade da lei”.

O ministro Ricardo Lewandoswski assevera, em seu voto: “(…) Eu entendo que a fixação de um limite máximo de 2/3 (dois terços) para as atividades de interação cm os alunos, ou, na verdade para a atividade didática, direta, em sala de aula, mostra-se perfeitamente razoável, porque sobrará apenas um 1/3 ( um terço) para as atividades extra-aula.

Quem é professor sabe muito bem que essas atividades extra-aula são muito importantes, No que consistem elas? Consistem naqueles horários dedicados à preparação de aulas, encontros com  pais, com colegas, com alunos, reuniões pedagógicas, didáticas; portanto, a meu ver, esse mínimo faz-se necessário para a melhoria da qualidade do ensino e também para a redução das desigualdades regionais”.

O ministro Gilmar Mendes destaca, em seu voto: “Evidente, sabemos — todos os nós que lidamos com as atividades docentes — que a jornada em sala de aula é apenas uma parte da jornada efetivamente dedicada a esse importante afazer, mas isso é suscetível inclusive de mudanças no tempo, suscetível de adaptação (…)”.

O ministro Marco Aurélio aduz, em seu voto: “Presidente, a bandeira estampada nessa lei é nobre. Poderíamos assentar, a uma só voz, que é tempo de o Brasil voltar os olhos para a educação. É tempo, como ressaltei no introito do voto, ao me pronunciar quanto ao pedido de concessão da medida acauteladora, de valorizarmos o trabalho dos profissionais que estão nessa sensível área do magistério.

Ninguém coloca em dúvida essas premissas. Em sã consciência, não podemos dizer que potencializamos no Brasil, como  ocorreu no tocante a países que alcançaram desenvolvimento maior, a educação. Diria mesmo que a educação encontra-se sucateada, deixando muito a desejar em termos de observância dos ditames maiores da Carta de 1988 (…)”.

O ministro Carlos Ayres Brito registra: “Então, essa questão da quebra do princípio federativo não prospera, data vênia, porque o formato do nosso Estado federal já se fez no lastro da Constituição com essa obrigatória observância dos princípios, dentre os quais figura o piso salarial profissional nacional dos professores como um direito deles, correspondendo à noção de mínimo existencial. Isto é, um mínimo existencial para os profissionais do ensino, porque eles precisam, são devotados, são dedicados, como todo professor. O professor é diferente. Ele não se desvencilha da sala de aula, não descarta a sala de aula como se fosse o descarte de uma gravata, de um paletó, de uma calça. A sala de aula acompanha o professor vida afora. Professor que é professor, vocacionado, ele está com a sala de aula, com os alunos, com as matérias a ensinar permanentemente na sua cabeça. É por isso que ele precisa de tempo extraclasse, para se dedicar a correção de provas, leituras, reflexões, visitas a bibliotecas, frequência de cursos. É por isso que a lei, sabiamente, reservou um percentual de atividade extraclasse para o profissional do ensino básico”.

No tocante ao contrato temporário, celebrado com empresa de trabalho temporário — locadora de mão de obra —, a sua própria natureza jurídica, determinada pela Lei N. 13.429, cuida de excluir a sua aplicação ao ensino, que é atividade principal de toda escola, seja ela de nível básico ou superior, de caráter permanente, contínuo e essencial. Aliás, consoante os Art. 6º e 205 a 214 da CF, e a jurisprudência do STF, a primeira dentre todas.

Os Arts. 2º, 4º e 9º da Lei N. 13.429, assim dispõem sobre as empresas e o trabalho temporários:

“Art. 2º Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física contratada por uma empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços.

(…)

  • 2º Considera-se complementar a demanda de serviços que seja oriunda de fatores imprevisíveis ou, quando decorrente de fatores previsíveis, tenha natureza intermitente, periódica ou sazonal.” (NR)

“Art. 4º Empresa de trabalho temporário é a pessoa jurídica, devidamente registrada no Ministério do Trabalho, responsável pela colocação de trabalhadores à disposição de outras empresas temporariamente.” (NR)

“Art. 9º O contrato celebrado pela empresa de trabalho temporário e a tomadora de serviços será por escrito, ficará à disposição da autoridade fiscalizadora no estabelecimento da tomadora de serviços e conterá:

I – qualificação das partes;

II – motivo justificador da demanda de trabalho temporário;

III – prazo da prestação de serviços;

IV – valor da prestação de serviços;

V – disposições sobre a segurança e a saúde do trabalhador, independentemente do local de realização do trabalho.”

Como se colhe da literalidade dos dispositivos retrotranscritos, em nenhuma hipótese e/ou justificativa, o trabalho temporário e a locação de mão de obra são cabíveis em uma instituição de ensino. Como falar em demanda transitória e/ou complementar decorrentes de fatores imprevisíveis, intermitentes ou sazonais, em uma instituição de ensino, quanto à sua atividade principal: o ensino?

Melhor sorte não se reserva à terceirização da atividade fim (principal), autorizada pelo Art. 4º da Lei N. 13.429, com a redação dada pela Lei N. 13.467, exarada nos seguintes termos:

“Art. 4o-A.  Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução”.

De plano, verifica-se a inafastável incompatibilidade entre o que preconiza o Art. 209 da CF, que exige cumprimento das normas gerais da educação nacional e autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. Como isso será possível se atividade do ensino, a principal, for executada por empresa terceirizada; sabendo-se que não pode haver qualquer relação de subordinação dos empregados da empresa terceirizada com a tomadora, que, no caso, seria a escola ou a sua mantenedora.

Quem seria autorizado e avaliado: a tomadora ou a terceirizada? Como os professores terceirizados poderiam cumprir as tarefas que lhes são atribuídas pelo Art. 13 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) — Lei N. 9.394, sob a direção e coordenação da tomadora? Como seria um conselho de classe com professores terceirizados?

O citado Art. determina:

“Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de:

I – participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

II – elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

III – zelar pela aprendizagem dos alunos;

IV – estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento;

V – ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional;

VI – colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade”.

Na educação superior, como será cumprida a determinação do Art. 47, § 1º, da LDB, que exige a publicação da qualificação dos professores, antes do início do semestre acadêmico? Como, se as instituições não os possuem e não podem interferir na gestão das empresas prestadoras de serviços, que os contratam e os substituem ao seu talante?

Como cumprir as exigências do Art. 16 do Decreto N. 55773/2006 para o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), para efeito de credenciamento e recredenciamento, que são: perfil do corpo docente, indicando requisitos de titulação, experiência no magistério superior e experiência profissional não acadêmica, bem como os critérios de seleção e contração, a existência de plano de carreira, o regime de trabalho e os procedimentos para substituição eventual dos professores do quadro? Como avaliar a IES e os seus cursos se não possui professores contratados, que são todos terceirizados? Qual será a relação de docentes, constante do cadastro nacional de docentes, exigida para reconhecimento de curso, pelo Art. 35, do Decreto N. 5773/2006?  Como  o MEC calculará o índice geral de curso (IGC) e o conceito preliminar de curso (CPC), sem considerar o corpo docente, que a IES não possui? Como se realizaria um reunião de congregação com professores terceirizados? Como comprovar o que determina o Art. 69 do Decreto N. 5773/2006, qual seja: o regime de trabalho docente em tempo integral compreende a prestação de quarenta horas semanais de trabalho na mesma instituição, nele reservado o tempo de pelo menos vinte horas semanais para estudos, pesquisa, trabalhos de extensão, planejamento e avaliação?

O contrato autônomo, previsto no Art. 442-B da CLT, com a redação dada pela Lei N. 13.467/2017, também não cabe nas instituições de ensino, a não ser como fraude, pois que não há como se imaginar o trabalho de um professor de escola regular, de nível básico e superior, sem a presença dos elementos constitutivos do vínculo empregatício, especificados pelo Art. 3º da CLT, que não foi alterado, quais sejam: pessoalidade, habitualidade, salário e subordinação jurídica. Como se viabilizaria o cumprimento das atribuições docentes, estipuladas pelo Art. 13 da LDB, por meio de contrato autônomo? Como se daria uma reunião pedagógica, de congregação ou com a comunidade, um conselho de classe com professores terceirizados?

O Art. 442-B da CLT, com a redação dada pela Lei N. 13.467/2017, dispõe:

“Art. 442-B.  A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3o desta Consolidação.”

Mesmo essa redação, alinhavada com o indisfarçável propósito de afastar o vínculo empregatício e, por conseguinte, todas as obrigações dele decorrentes, não comporta a subordinação jurídica, considerada, pela doutrina e jurisprudência, como a pedra de toque da relação de emprego.

O contrato intermitente, que nada mais é do que a legalização do bico — como o chamam até os figadais inimigos dos trabalhadores, como Almir Pazzianotto —, foi introduzido na legislação trabalhista com duas finalidades: legalizar o trabalho indecente e mascarar as estatísticas do desemprego, pois que delas serão excluídos todos os que se acharem submetidos a essa modalidade; muito embora, por certo, não consigam sequer auferir um salário mínimo por mês.

Como já se registrou, linhas acima, o próprio relator do PLC N. 38/2017, Ricardo Ferraço, considera que ele não é aplicável a diversos setores da economia, sendo aplicável a “jovens trabalhadores, mulheres e idosos que têm dificuldades para cumprir jornada cheia”; e se não for previamente regulamentado, pelo Poder Público, levará à precarização das condições de trabalho, se for o mercado que o fizer.

Muito embora o referido senador não tenha apontado em quais os setores da economia o contrato intermitente não é cabível, pode-se afirmar, com certeza, que em instituições de ensino não o é, por todas as razões que já foram expendidas, neste singelo texto. Como se daria uma reunião pedagógica, de congregação ou com a comunidade, um conselho de classe com professores submetidos a contratos intermitentes? Seria o encontro dos biqueiros, que não se conhecem nem aos alunos, ou até mesmo à instituição de ensino, pois, quando muito, estiveram lá uma ou duas vezes, por algumas horas?

Em eventual hipótese de reconhecimento de sua validade, em todas as atividades, havendo compatibilidade com a sua natureza, o que não se espera, ainda assim ficaria restrito aos cursos livres, não sendo possível sequer se imaginar a sua aplicação em instituições de ensino regular.

A sua previsão legal — repita-se, rejeitada expressamente por quem o defende, o senador Ricardo Ferraço —, acha-se delimitada nos seguintes termos:

“Art. 452-A.  O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.

  • 1oO empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência.
  • 2oRecebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa.
  • 3oA recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente.
  • 4oAceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo.
  • 5oO período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes.
  • 6oAo final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas:

I – remuneração;

II – férias proporcionais com acréscimo de um terço;

III – décimo terceiro salário proporcional;

IV – repouso semanal remunerado; e

V – adicionais legais.

  • 7oO recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas referidas no § 6odeste artigo.
  • 8oO empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações.
  • 9oA cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador.”

Por tudo quanto foi dito, qualquer tentativa de se impor contrato temporário, terceirizado, autônomo ou intermitente em instituições de ensinos regulares, sejam cursos propedêuticos e/ou técnicos, será caracterizada como fraude aos Arts. 205, 206 e 209 da CF, e 9º da CLT, que assim reza: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.

Se essas modalidades de contrato, todas destruidoras do trabalho decente, forem implantadas na educação privada, o padrão de qualidade social do ensino, que é princípio constitucional (Art. 206, inciso VI, da CF), estará tão distante quanto a Terra da Estrela Alfa Centauro; segundo o físico Marcelo Gleiser, com a tecnologia atual, a viagem daqui para lá demandaria nada menos do que 100 mil anos.

O desafio de impedi-los é de toda a sociedade.

Ao debate e à ação!

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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