Por Madalena Guasco Peixoto*
A notícia foi alardeada em toda a imprensa: nenhum estado conseguiu atingir a meta do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para o ensino médio. A projeção de nota para essa fase da vida escolar era 4,7, mas a média nacional ficou em 3,8, avançando apenas 0,1 em relação a 2016. Nos últimos anos do ensino fundamental, apenas sete das 27 unidades da federação atingiram a meta 5. No geral, a média foi de 4,7.
Imediatamente houve quem aproveitasse os números para demonizar o ensino público brasileiro. O ministro da Educação, Rossieli Santos, classificou os dados do Ensino Médio como tragédia. Veículos que divulgaram as informações apontaram que o diagnóstico confirma o estado crônico em que se encontra a educação brasileira. Entretanto, em que pese o país ainda não ter conseguido superar diversos abismos, sendo imprescindível a ampliação de investimentos em políticas educacionais para melhorar a qualidade da escola pública e gratuita, há que se ter cuidado com a apropriação indébita de dados como esses.
Em primeiro lugar, é preciso destacar o evento que espantou o meio educacional: o fato de que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) introduziu um ponto de corte nas notas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e, com isso, promoveu, nas palavras do professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Luiz Carlos de Freitas, no blog Avaliação Educacional, “uma situação de caos na educação brasileira que não corresponde à realidade”. A medida foi criticada por especialistas por ser mais rígida do que a aplicada em avaliações semelhantes no exterior e por ter sido adotada subitamente, sem qualquer consulta ou discussão.
Há vários possíveis motivos para fazer a educação pública brasileira parecer pior do que é. Um deles é endossar políticas como a Reforma do Ensino Médio. Se a situação desse nível da educação básica parece alarmante, ganha força o argumento traiçoeiro do governo de Michel Temer para justificar a adoção apenas de português e matemática como disciplinas obrigatórias.
Outra razão óbvia é atender aos interesses privatistas, uma vez que as notas abaixo das metas servem para reforçar a falsa noção de que as escolas particulares têm mais qualidade do que as públicas. Isso vale para fundamentar propostas e ações perigosas, como a entrega de escolas públicas à gestão privada, a adoção dos apostilados padronizados e pasteurizados de grandes grupos editoriais e empresas de educação de capital aberto, a implementação de vouchers pagos às famílias mais pobres para matricular seus filhos em escolas particulares, injetando dinheiro público diretamente no setor privado em vez de investi-lo da melhoria da educação pública.
Existe ainda um terceiro ponto, que visa a atacar e desmoralizar toda uma categoria. As saídas levantadas por alguns novamente recaem em uma só variável: a formação dos professores. Não é de hoje que professores são responsabilizados pelo suposto fracasso escolar de estudantes e instituições. Governos pagam bônus para docentes de escolas melhor avaliadas, em detrimento de outras; instituições com notas melhores têm mais chances de receber mais verbas. Nada disso leva em conta diversos fatores que ultrapassam a questão do desempenho.
No entanto, culpar o magistério é eficaz se o objetivo for, por exemplo, desprofissionalizá-lo e precarizá-lo, justificando tanto a propagação de plataformas de formação docente apenas com metodologias de ensino simplificadas e tecnicistas, com uma visão reducionista do processo pedagógico, quanto a contratação por “notório saber”, como previsto na reforma do Ensino Médio de Temer.
Mostrar a educação brasileira pior do que ela é não se trata de um acaso dos números. É um projeto.
*Madalena Guasco Peixoto é coordenadora-geral em exercício da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) e diretora da Faculade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
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