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A Universidade Popular dos Movimentos Sociais

24 de setembro de 2009

 

Por Dimas E. Soares Ferreira

 

Nos dias 01 e 02 de agosto foi realizada a primeira oficina da Universidade Popular dos Movimentos Sociais (UPMS) no Brasil na Escola Sindical no Barreiro em Belo Horizonte. Estiveram presentes representantes de movimentos sociais dos mais diferentes matizes, como negros, quilombolas (N’Golo), Hip-Hop, feministas, LGBTs, educadores do campo, sindicalistas representantes dos trabalhadores rurais, representantes dos professores das redes pública e privada (Sinpro Minas, Sind-UTE e Sind-Rede), MST, educadores da FAE e DCP da UFMG, movimento pró-moradia de BH, indígenas, seringueiros, ciganos, coletivo de artistas negros de BH (Negraria), mulheres negras (Negras Ativas) etc. Tratou-se de um momento único, no qual diversos movimentos sociais estiveram juntos para debater seus problemas, suas realidades de lutas e suas perspectivas de mundo.

 A proposta da UPMS foi lançada em 2003 em Madri na Espanha quando diversos ativistas de ONGs espanholas e latino-americanas se reuniram para discutir a proposta de criação de um espaço de debate sobre os movimentos sociais e seu papel como importante ator político e social responsável pela condução das grandes lutas em prol de um mundo mais humano e justo, no qual homens e mulheres possam desfrutar do bem-estar coletivo. O que o capitalismo com certeza não é capaz de promover. Nos meses seguintes ao lançamento da proposta da UPMS, outras reuniões aconteceram em Amsterdã, Cartagena e Rio de Janeiro.

Não se trata de uma universidade formal e acadêmica como são as universidades espalhadas pelo mundo, mas de um espaço informal de debate permanente no qual os movimentos sociais pretendem estabelecer uma “rede mundial de saberes”. Ou seja, ao invés de um local que monopoliza a produção de conhecimento científico, a UPMS busca exatamente quebrar esse monopólio, estabelecendo formas não formais de produção de saberes. Logo, a UPMS não possui um local fixo de funcionamento. É, portanto, itinerante e se dá por meio de fóruns, oficinas e encontros.

A idéia da UPMS nasceu no último Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Depois, sua criação passou a ser debatida e articulada nos Fóruns Sociais que aconteceram no Quênia, na Índia e, neste ano, em Belém do Pará. Os próprios Fóruns Sociais Mundiais (FSM), de certa forma, coroaram um conjunto de lutas sociais internacionais surgidas ao longo dos anos 1990 e que alcançaram seus ápices de tensão em Gênova e Seattle, nos encontros do G-8 e da OMC.

Assim, o Fórum Social Mundial permitiu o encontro e a articulação entre inúmeros movimentos sociais, onde a diversidade, a heterogeneidade e a idéia de redes mundiais passaram a servir de eixo para os debates e ações em favor de um mundo mais justo e humano, onde homem e natureza convivam harmoniosamente buscando sempre o bem estar coletivo das pessoas. Além disso, diversos intelectuais da Europa, América Latina, África entre outros, passaram a participar dos debates no âmbito do FSM, visando ajudar a construir um entendimento coletivo buscando o que Boaventura Santos denomina de uma “gramática global” capaz de permitir a interlocução entre os diferentes movimentos sociais espalhados pelo mundo.

Uma das conclusões a que se chegou é de que uma justiça social global só será possível se os movimentos sociais de todo o mundo forem capazes de articular o diálogo mútuo entre si. Nesse sentido, a UPMS passou a ser vista como uma ferramenta vital para que este objetivo possa ser alcançado. Os realizadores da UPMS são todos aqueles que em algum momento participem da montagem e realização dos encontros e oficinas. Trata-se de um fórum de debates onde se pretende separar a teoria e a prática social, de modo que o conhecimento social seja construído de maneira coletiva, intercultural e não necessariamente científica e acadêmica.

Boaventura Santos, sociólogo e intelectual português, presente na maior parte da teoria política e social contemporânea produzida pelas principais universidades do mundo é um dos maiores colaboradores para a construção da UPMS. Segundo ele, a tradição intercultural, que é um dos pilares da idéia de uma universidade popular de movimentos populares, busca elevar a inteligibilidade recíproca e necessária entre os movimentos sociais, as ONGs e a pesquisa. Sem destruir a autonomia dos movimentos sociais, suas linguagens próprias e seus conceitos, observando que o que os divide e o que os une, de forma a tentar organizar ações e lutas coletivas. E só foi possível chegar a essa conclusão depois que se percebeu que o que separa os movimentos sociais não são questões de conteúdo, mas antes questões de linguagem, de diferentes tradições históricas e culturais de luta.

Dessa maneira, é preciso criar zonas de entendimento entre os diferentes movimentos e organizações, que possuem suas próprias linguagens e agendas. Logo, é preciso também pensar no que há em comum entre estes diferentes atores, identificando entradas e saídas múltiplas, mas ao mesmo tempo comuns. Às vezes os movimentos e organizações nomeiam os seus processos de luta de maneiras diferentes, mas no fundo, são processos idênticos e/ou muito parecidos quando vistos sob o ponto de vista de seu conteúdo.

O ponto de partida é o reconhecimento de uma ignorância recíproca, um sentimento de incompletude. Sendo que o ponto de chegada é, com certeza, a produção compartilhada de uma “ecologia de práticas e saberes” que se contrapõe a uma monocultura de saberes e práticas oriunda da academia. A base epistemológica do projeto educativo emancipatório proposto pela UPMS está calcada primeiramente em uma sociologia das ausências e das emergências, conforme afirma Boaventura Santos. Em segundo lugar, baseia-se também nas contribuições, práticas e discussões de Paulo Freire. Por fim, escora-se em experiências e trocas realizadas no FSM.

Isto que se está chamando de “sociologia das ausências e emergências” é fruto de inúmeros estudos realizados sobre a realidade de países pobres, quando se detectou que o conhecimento científico social produz lacunas sobre certos temas, atores e processos que não interessam ao meio acadêmico tradicional localizado nos países centrais. Essa ausência é ativamente produzida pelos grupos de poder que, premeditadamente, excluem temas, atores e processos que não lhes interessa como LGBTs, negros, quilombolas, lutas de camponeses sem terra, processos revolucionários e emancipatórios etc.

Já a sociologia das emergências busca fazer emergir estas ausências, focando sua análise na riqueza dos processos, dos atores e dos temas antes obscurecidos pelas elites. Logo, trata-se de uma postura de permanente indagação por parte dos produtores do conhecimento social no âmbito da UPMS, visando manter vivos todos aqueles que são excluídos. Também a idéia de uma educação como prática emancipatória e libertária, muito presente no pensamento de Paulo Freire, deve servir de eixo para a construção dos saberes no âmbito da UPMS. Para além da simples troca de idéias, a UPMS quer mesmo é construir práticas e projetos transformadores, que possam fazer parte de uma agenda comum entre os diferentes movimentos sociais.

Ou seja, o que se quer é estabelecer um diálogo entre os movimentos e também no interior dos movimentos, potencializando as lutas em curso e buscando uma “globalização contra-hegemônica”. Daí a UPMS buscar dar respostas a escassez de conhecimento recíproco entre os movimentos e organizações que atuam dentro de áreas temáticas comuns, além de tentar suprir a falta de um saber compartilhado entre movimentos e organizações com a intervenção em diferentes áreas temáticas.

Outro tema importante discutido nesta primeira oficina da UPMS no Brasil foi sobre a relação entre os movimentos sociais e o estado. O Professor Miguel Arroyo, da FAE-UFMG, afirma que existem hoje novos atores e sujeitos com novas formas de ação social e, conseqüentemente, novas formas de produção do conhecimento. O que cria certas tensões políticas, pois estas novas agendas de luta exigem o papel de protagonismo por parte dos movimentos sociais, ou seja, não se quer apenas políticas públicas redistributivas, mas políticas verdadeiramente afirmativas no qual os movimentos sociais se coloquem como atores centrais no processo de definição das mesmas, implantação e controle. Logo, há sim um claro embate entre os movimentos sociais e o estado.

Diante disso, estado e instituições reagem na defensiva, tentando resistir ao avanço dos movimentos sociais que têm avançado no sentido de impor, ou pelo menos tentar impor suas próprias agendas. Logo, os movimentos sociais não querem apenas ser clientes das políticas elaboradas pelo estado, mas querem ser eles próprios os construtores de suas políticas. Daí o estado radicalizar no sentido de condenar e tentar excluir esses movimentos do processo político.

Então, como traçar estratégias capazes de impor ao estado as políticas que os movimentos sociais demandam? Estes movimentos sociais têm sido capazes de construir um novo conhecimento político? Com certeza, os movimentos sociais têm que se ver como atores capazes de produzir saberes políticos e, mais que isso, serem atores capazes de validar os saberes políticos que produzem.

Significa, portanto, um momento novo e único no qual a relação de forças políticas têm permitido aos movimentos sociais construírem, para além de novos saberes políticos, novas agendas de políticas. Dessa forma, os movimentos sociais devem reagir a um estado meramente redistributivista que tenta impor pequenas políticas compensatórias, radicalizando com uma agenda que realmente avança na direção da justiça social plena. Se o estado não estiver disposto a contribuir com estas novas posturas do movimento social e se mantiver na resistência às demandas, então este cenário de conflitos urbanos e rurais não será superado.

 

Dimas Enéas Soares Ferreira é Diretor e 1o Secretário do Sinpro Minas. Tem Mestrado em Ciências Sociais pela PUCMinas e atualmente está se doutorando em Ciência Política pela UFMG.

 

 

 

 

 

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