Fatima Oliveira *
Para entender Aleppo e a guerra civil na Síria, que, segundo a ONU, ceifou a vida de mais de 400 mil pessoas e obrigou mais de 4,5 milhões a fugir, localizemos a “República Árabe da Síria, no Oriente Médio, no Sudoeste da Ásia, com fronteiras com o Líbano e o mar Mediterrâneo a oeste, a Jordânia no sul, Israel a sudoeste, Iraque no leste e Turquia ao norte. Em 2013, a Síria contava com 22,85 milhões de habitantes.
“Damasco é a cidade mais importante e capital do país. Aleppo é a segunda mais significativa. Os sírios não cultivam a religião islâmica e o governo é laico. A maioria do povo é muçulmana, particularmente sunitas, embora não seja difícil encontrar grupos de cristãos ortodoxos” (Ana Lúcia Santana).
A Síria moderna remonta ao pós-Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Os conflitos territoriais, sempre bélicos, datam de séculos, embora a Síria seja um “país-chave do equilíbrio geopolítico do Oriente Médio”. “O Partido Baath comanda esse país desde 1963, cuja liderança é o presidente Bashar al-Assad, 51 anos, filho do antigo líder Hafez al-Assad (1930-2000), que ocupou o poder de 1970 até 2000, quando morreu” (Ana Lúcia Santana).
A guerra civil atual na Síria data de janeiro de 2011 e é parte da Primavera Árabe. Desde então, o povo tem sido massacrado impiedosamente. O que mais tocou muita gente, eu inclusive, foi o vídeo recente de um grupo de 47 crianças órfãs pedindo para sair da Síria. O governo diz que até o vídeo das crianças órfãs é obra mentirosa dos “terroristas”, como denomina a todos que se opõem a seu governo. Isto é, há duas versões para a guerra civil na Síria!
Aleppo já foi “a maior cidade da Síria, com 2,3 milhões de habitantes, e o centro financeiro e industrial do país”; é um campo de batalha entre forças do governo e quem luta para depor Assad. Os EUA são contra a permanência de Assad no poder, e a Rússia o apoia. Hoje, “70% da população não tem acesso à água potável, uma em cada três pessoas não consegue suprir as necessidades alimentares básicas, mais de 2 milhões de crianças não vão à escola, e um em cada cinco indivíduos vive na pobreza”. Pagam o maior tributo crianças, mulheres e idosos!
Em todas as guerras, as pessoas mais vulneráveis do ponto de vista da sexualidade são as crianças e as mulheres. Não é à toa que, desde tempos imemoriais, o estupro é uma arma de guerra comum, tanto que devastou a vida de mulheres e famílias em conflitos recentes em Ruanda, Camboja, Libéria, Peru, Somália, Uganda, na ex-Iugoslávia e agora na Síria. Isto é, todas as mulheres, em regiões de guerra, são sobreviventes de violência sexual, de fato ou psicologicamente – um trauma de proporções incomensuráveis.
Gabriele Garcia, em “O Estupro como Arma de Guerra”, relembra que há a lenda (?) de que “a história de Roma, por exemplo, foi marcada pelo episódio denominado ‘O Rapto das Sabinas’, em que Rômulo, o então governante do Império, determinou o rapto de mulheres sabinas para servirem de esposas aos homens que chegavam para ocupar aquelas terras. Por óbvio, seguido ao rapto veio o estupro, como um instrumento viável e determinante de poder e do povoamento da região”.
Lina Shaikhouni, em “Aleppo antes da guerra: ‘A cidade mais bonita e elegante do mundo’” (BBC, 16.12.2016), evidencia a destruição brutal da cidade, que desde a semana passada é controlada pelo governo. Há frágeis acordos de cessar-fogo, e a Cruz Vermelha realiza o resgate, em ônibus e ambulâncias, previsto para durar dias.
Jamais conhecerei a Aleppo que a brutalidade humana destruiu…
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* Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio Nobel da paz 2005.
Fonte: Vermelho
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