Notícias

Artigo: Nada é justificativa para acabar com o direito à educação pública

26 de fevereiro de 2018

Especialista afirma que críticas superficiais à educação pública têm por objetivo a privatização do sistema

Por Madalena Guasco Peixoto

Não é de hoje que se descobriu no Brasil que o ensino superior é um negócio vantajoso. Não a formação propriamente dita, não a elaboração e consolidação de um pensamento crítico — essa tem importado pouco, sobretudo em épocas de aprofundamento de recuos e rupturas democráticas, como este pelo qual passa o país, em que a universidade e todo seu potencial reflexivo são encarados como obstáculos aos interesses das forças que tentam manter o poder. Diz-se negócio na acepção primeira que o termo tem no dicionário: uma transação comercial como outra qualquer cujos objetivo e resultado não são a educação, mas o lucro.

Prova desse perigo alarmante são os sucessivos ataques à universidade pública que têm se alastrado nos últimos tempos, da desmoralização e criminalização de reitores e ex-reitores — casos entre os quais se destaca, tristemente, o suicídio do ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier, após ser submetido à perseguição e à humilhação — até o relatório do Banco Mundial divulgado no fim do ano passado, que sugeriu a cobrança de mensalidade no ensino público superior no Brasil.

A “sugestão” não chegou a ser uma novidade, já tendo sido apoiada por pretensos defensores da educação no país, e voltou à baila nos últimos dias em veículos de imprensa de grande circulação. Num jornal de alcance nacional, foi apontado que os gastos das universidades federais passaram de R$ 33 bilhões para R$ 46,1 bilhões, entre 2009 e 2016, e que, em contrapartida, no mesmo período, o custo anual médio por aluno caiu de R$ 38,8 mil para R$ 37,5 mil. A conclusão à qual o veículo, alinhado aos interesses neoliberais tenta chegar é óbvia: para essa mídia, a universidade gasta mal. Um raciocínio simplista que sequer faz qualquer consideração, por exemplo, ao crescimento do número de vagas e à grande ampliação universitária promovida a partir do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) — questões que, evidentemente, fazem subir o custeio, ao mesmo tempo que diluem o gasto médio por estudante.

Outro jornal que circula em todo o Brasil expressou-se sobre o tema sem deixar margens para dúvidas sobre sua posição ao lado dos interesses mercantis. Parafraseando os três supostos conselhos da publicação, o “colapso orçamentário” dos últimos anos exige maior eficiência nos gastos; a contratação de “organizações sociais” para a gestão de escolas pode ser uma “alternativa”; e as universidades públicas devem ser “autorizadas” a cobrar dos alunos com “mais recursos”. Em outras palavras: privatização.

A destruição do conceito de gratuidade, que está previsto no inciso IV do artigo 206 da Constituição Federal, implica o fim do pilar democrático alcançado em 1988, uma conquista que se deu na luta de um projeto de desenvolvimento soberano e republicano para o Brasil. A defesa de que os mais abastados paguem pode soar lógica para ouvidos ingênuos, mas é profundamente demagógica, principalmente por vir, em sua maioria, daqueles que são contrários a uma reforma tributária justa e à taxação de grandes fortunas, por exemplo, num sistema em que, aí sim, os que têm mais condições financeiras pagariam mais impostos, que seriam destinados, em parte, para a educação pública.

O que esse falso argumento de uma pretensa justiça na cobrança da mensalidade esconde, na verdade, são os interesses mercantis que têm se sobreposto à preocupação com a qualidade da educação. Ao desobrigar o Estado a se comprometer com o financiamento das universidade públicas federais, lavando as mãos de seu dever constitucional, o que pretendem é oferecer a venda dos serviços como alternativa. Ou, mais do que serviços, transformar o ensino em produto, como tem ficado claro nas tentativas de inserir no Brasil nos acordos internacionais de livre comércio, que incluem a educação.

Frente a isso, é preciso reafirmar que nem crise financeira nem uma suposta ineficiência nos gastos são justificativa para retirar o princípio da educação pública e gratuita da Constituição brasileira. Educação não é mercadoria.

Mdalena Guasco Peixoto é diretora da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e coordenadora da Secretaria-Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee)

*Retirado do Portal Contee

COMENTÁRIO

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Categorias

Artigo
Ciência
COVID-19
Cultura
Direitos
Educação
Entrevista
Eventos
Geral
Mundo
Opinião
Opinião Sinpro Minas
Política
Programa Extra-Classe
Publicações
Rádio Sinpro Minas
Saúde
Sinpro em Movimento
Trabalho

Regionais

Barbacena
Betim
Coronel Fabriciano
Divinópolis
Governador Valadares
Montes Claros
Patos de Minas
Poços de Caldas
Pouso Alegre
Sete Lagoas
Uberaba
Uberlândia
Varginha