A companhia de capital aberto Kroton S.A., maior mantenedora de instituições particulares de ensino superior no Brasil, pareceu constrangida com sua última aquisição. Demorou seis dias para divulgar que havia comprado um novo ativo, o Instituto Camilo Filho, em Teresina-PI, com seus 2.200 alunos. Ao mercado, os diretores da empresa atribuíram a demora em comunicar a novidade aos acionistas “à baixa representatividade do ativo adquirido frente ao atual porte, condições econômicas e operacionais da Kroton”.
E é assim que tem “evoluído” o nosso modelo privado de ensino superior: mercantilização do direito à educação, e nada mais.
Para quem observa há alguns anos essa transformação institucional do setor privado na educação superior, é possível antever mais uma tragédia econômica com danos sociais e financeiros de grandes proporções. Sem regulamentação adequada e dominado por um conglomerado de fundos de investimentos que atuam na bolsa de valores, o ensino superior privado está à deriva, sobre as ondas mercado financeiro. O Ministério da Educação hoje é incapaz de controlar o bilionário setor de serviços educacionais construído à base de truques hermenêuticos, que corroem as bases do aparato normativo do sistema federal de educação.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica vem tentando fazer a sua parte, impedindo os abusos no processo de concentração de poder. Proibiu recentemente que a mesma Kroton comprasse o grupo Estácio, o segundo maior do País em número de matrículas no nível superior. Do outro lado, o INEP continua em busca de um modelo ideal de avaliação de qualidade do ensino que detecte as artimanhas fraudulentas das instituições que só se ocupam com o retorno do capital investido, e quase nada com os verdadeiros objetivos da educação superior.
Para conter as distorções na oferta de cursos superiores, ainda existem os órgãos da Administração Direta, com um punhado de Diretorias e Secretarias, além do Conselho Nacional de Educação. Separados, esses órgãos acabam praticando ações desordenadas e quase sem tocar no problema central, que é o desvio de finalidade das instituições mantidas.
O recente Decreto federal nº 9.235/2017 reuniu em mais de cem artigos uma série de normas que já existiam sobre as funções de regulação, supervisão e avaliação da educação superior. Com poucas novidades – e tem sido assim há muito tempo – o decreto é mais um paliativo, e não traz nenhuma medida para conter as constantes infrações à ordem econômica e social praticadas pelos conglomerados financeiros que controlam o ensino superior privado no Brasil.
A esperança de uma reação institucional está parada no Congresso Nacional desde 2015. O Instituto Nacional de Supervisão e Regulação da Educação Superior (INSAES) deveria ter sido criado há muito tempo. Inicialmente concebido como uma Agência Reguladora no governo de FHC, com o apoio da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior, o agora INSAES deixou de ser interessante para os gigantes do setor.
À medida em que o mercado financeiro descobriu no ensino superior brasileiro uma oportunidade de tirar proveito do dinheiro público (PROUNI e FIES), e de explorar uma imensa demanda reprimida, toda ação mais consistente de controle do poder econômico passou a ser combatida pelos lobistas do setor.
Pronto para votar no Plenário da Câmara dos Deputados, o INSAES (PL nº 4.372/2012) é uma medida imprescindível para combater o nocivo processo de financeirização e desnacionalização do ensino superior no Brasil. Quando for aprovado, um patrimônio educacional como o do Instituto Camilo Filho – e de muitos outros que ainda resistem, especialmente na iniciativa privada sem fins lucrativos – não deverá ser tratado como um mero “ativo de baixa representatividade”.
A educação superior é um serviço público estratégico para o desenvolvimento nacional, e não pode permanecer desregulamentado como está.
Samuel Pontes do Nascimento é Doutor em Direito pela PUC-MG.
Publicado em: Justificando – 05/01/18
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