Artigo de Gilson Reis, presidente do Sinpro Minas
Historicamente, a estrutura tributária brasileira serviu aos interesses da alta burguesia nacional e internacional. Nestes quinhentos anos de história, a elite, em conluio com os governos, sempre apropriou dos impostos cobrados da população em benefício próprio.
Os mecanismos utilizados nestes cinco séculos vão desde a compra do café, realizado nas primeiras décadas do século, como forma de mantê-lo em alta no mercado internacional, passando pela isenção fiscal, baixa carga tributária, exclusão de patrimônio (herança e grandes fortunas), impostos fundiários irrisórios, sistema financeiro imune de tributos, etc. Essas são apenas algumas das artimanhas praticadas pela burguesia brasileira, com a conivência dos governos de plantão, contra a população mais pobre do país.
Nas últimas semanas a questão tributária tomou conta do noticiário nacional em razão da prorrogação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). A contribuição foi aprovada no governo neoliberal de FHC com o intuito de financiar o SUS (Sistema Único de Saúde), que caminhava e caminha para o colapso.
O governo FHC aumentou a carga tributária brasileira em escala exponencial de 25% para 36% do PIB (Produto Interno Bruto), entretanto, a situação da saúde, educação, moradia, reforma agrária continuou agravada mesmo com a escalada tributária. No tocante ao perfil dos contribuintes, permaneceu a velha política dos coronéis, quem paga a conta são os mesmos de sempre – trabalhadores e classe média.
Mas por que o governo FHC aumentou tanto a carga tributária e a situação da população continuou a piorar em proporção inversa? Dois mecanismos explicam essa farsa e farra rentista. No mesmo período em que o governo aumentava a carga tributária, realizava a DRU – Desvinculação da Receita da União, ou seja, tirava do orçamento público 20% de todo o montante arrecadado e destinado às políticas públicas, para realizar o superávit primário. Esses recursos expurgados eram transferidos ao caixa único para pagamento dos juros da dívida pública interna. Ou seja, o governo aumentou a carga tributária, diminuiu o investimento em políticas sociais e transferiu bilhões de reais para uma pequena parcela da sociedade.Conforme o professor Marcio Pochmam, presidente do IPEA, apenas vinte mil famílias são receptoras de 80% de todo os juros pagos pelo governo brasileiro. Naquele período de criação da CPMF, o objetivo central do Governo Federal consistia em manter intocável o pagamento dos juros da dívida interna, que correspondia a quase 50% do PIB. Mesmo assim a elite não titubeou, mesmo com o aumento da carga tributária, criou uma nova contribuição. A aprovação da CPMF não foi fácil, porque apesar de pegar uma pequena parcela da sociedade, menos de 20% dos brasileiros, tributava em igualdade trabalhadores assalariados e empresários.
Mas a pressão maior veio de uma parcela da elite rentista, porque a CPMF tributava implacavelmente as grandes transações financeiras e os grandes sonegadores, na fonte, ou seja, na transação bancária. Esse mecanismo irritou profundamente estes senhores, que não gostam de pagar impostos.
Aprovada a CPMF e vencido seu período de aplicação, chegamos ao ano de 2007. O Senado Federal discute nos próximos dias se deve ou não prorrogá-la até 2011. A situação estrutural da economia brasileira é um pouco melhor, o país começa a obter crescimento acima da média dos últimos dez anos, o valor da dívida pública interna cai para 43% do PIB, a arrecadação melhora o seu perfil, mantendo, é claro, concentrada nos trabalhadores e na classe média. Entretanto, a política fiscal manteve-se intocável. Somente nos dez primeiros meses do ano foram contabilizados 106 bilhões de reais, onze bilhões a mais que a meta perseguida para todo o ano de 2007.
Nessa situação muda substancialmente a forma como os liberais olham a situação do Estado brasileiro e seus interesses e como devem se comportar diante do debate da CPMF. A dívida pública não assusta mais o sistema financeiro, a elite liberal e sonegadora não mais aceita pagar a CPMF e o superávit fiscal esta garantido, incluindo nele a parcela de 20% da DRU.
Na circunstância conjuntural, a elite faz a seguinte conta: o pagamento dos juros da dívida pública estão assegurados, as políticas assistencialistas desenvolvidas pelo governo estão previstas no orçamento, a universalização das políticas públicas fora de contexto e melhora dos serviços públicos fora de cogitação, na contra-mão da ordem liberal. Portanto, o governo Lula, na avaliação dos tucanos, não pode avançar na qualidade das políticas públicas, porque representaria um grande perigo para a perversidade liberal.
É neste mar de desinformação, de uma imprensa vendida aos grandes especuladores e sonegadores da República, de atitude covarde de deputados e senadores que se omitiram no debate da DRU (desvinculação de receia da união) ou mesmo em demonstrar que 25 % dos impostos pagos pelo povo brasileiro são destinados à rolagem da dívida pública e endereçados a 0,001 da população. É diante dessas circunstâncias que devemos exigir que os senadores aprovem a CPMF nos próximos dias.
Em todo processo o que fica é que a elite continua a operar com grande capacidade, utiliza todo seu arsenal, seus representantes no Congresso Nacional, a mídia golpista, a teoria liberal, o acovardamento e desarticulação dos partidos de esquerda e a falta de autonomia do movimento social para assegurar seus interesses.
O que fica para o conjunto da sociedade brasileira é a necessidade de fazer uma profunda reforma tributária que tenha como diretrizes: a manutenção de um valor nominal arrecadado capaz de assegurar ao Estado brasileiro o cumprimento de suas obrigações constitucionais na saúde, educação, segurança, moradia, reforma agrária, etc; acabar definitivamente com a DRU; tributar de forma direta as grandes fortunas, o patrimônio e o capital especulativo; atacar a política macroeconômica, principalmente os superávits primários que retiram bilhões de reais da boca do povo e dos trabalhadores.
Sim à CPMF
Sim à Reforma Tributária
Não à política fiscal
Não à DRU
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