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Crise global: o Brasil na crista da onda

23 de março de 2009

* Por Gilson Reis

Até o final do ano passado, a grande maioria dos brasileiros afirmava não acreditar na existência de crise no país. A sensação desses brasileiros era concebida pela expansão do comércio natalino e a divulgação da taxa de crescimento do PIB – produto interno bruto- no penúltimo trimestre de 2008, da ordem de 6,8%.

Ou seja, enquanto as principais economias do mundo apresentavam crescimento negativo, o Brasil demonstrava ainda vitalidade, indicadores positivos, acumulados no processo de expansão econômica nos últimos trinta e seis meses. Porém, uma onda de demissões começou a surgir nas principais indústrias e empresas em operação no país, principalmente nos setores exportadores de commodites. Definitivamente a crise se instalou, a marola ganhou volume e consistência de onda.

Nos dois primeiros meses do ano, muitas notícias negativas foram divulgadas, repercutindo no refluxo da economia nacional, o que deverá impactar de forma significativa o ânimo dos milhões de brasileiros, ainda muito confiantes na economia. As demissões de trabalhadores iniciaram de forma mais forte a partir de outubro de 2008, chegando a um milhão de demissões em dezembro, com destaque para os setores de mineração, automotivo, indústria de bens duráveis. A inconcebível política monetária praticada pelo Banco Central manteve-se intocável. A taxa selic ficou em 13,75% ao ano; tudo indica que esse índice estratosférico será determinante para a retração econômica nos próximos meses. Existe ainda um forte indicativo de desaceleração industrial em vários setores da economia. Tudo isso conjugado e somado a uma economia mundial que arrasta de maneira sofrível, compomos um cenário muito negativo e de péssimas perspectivas para um futuro próximo.

Na sociedade brasileira e mundial, o que vem causando polêmicas e debates entre as várias parcelas e segmentos sociais é: estamos atravessando mais uma clássica crise estrutural do sistema capitalista ou mais uma crise financeira, como tantas outras vistas no último período, provocadas substancialmente pela desregulamentação estrutural das finanças mundiais. Uma outra questão que deve ser analisada neste momento se é possível estabelecer algum paralelo entre a crise atual e a crise de 1929. Haveria como compará-las?

Primeiro é preciso estabelecer uma ponderação: nenhuma crise é igual à outra.Todas as crises capitalistas são contextualizadas pelas questões históricas, econômicas e políticas do seu tempo. No entanto, as características da atual crise apresentam muitas semelhanças com a histórica crise de 29. O Crash da bolsa de Nova Iorque iniciada em 1929 através de uma intensa crise bancaria, teve seu ápice em julho de 1932 quando a Dow Jones registrou perdas de 90%. Para os trabalhadores a crise evoluiu do início de vinte e nove, até julho de trinta e dois, desempregando 20 milhões de trabalhadores. O desemprego foi o resultado de falências e concordatas registradas em centenas de bancos e empresas privadas nesse período. Contudo, o impasse gerado pela crise seria resolvido somente nos anos quarenta, com eclosão e término da segunda guerra mundial. Primeiro pela destruição material e morte de milhões de pessoas; a seguir, com a reconstrução da Europa e Japão.

Nesse período, três acordos foram decisivos para iniciar uma nova fase do sistema capitalista, “a fase de ouro”: a carta do atlântico – que estabeleceu novas bases para o comércio internacional; o acordo de Breton Woods – reorganizou, sob a hegemonia americana, a economia internacional, a partir da quebra do padrão ouro e a imposição do padrão dólar e a reconstrução da Europa e Japão através do plano Marshall. Outro fator determinante, não menos importante, foi a constituição de organismos multilaterais (FMI, BIRD e OMC), conduzidos pelas principais economias para dar sustentação à nova ordem mundial.

Paralelo à guerra, a crise do liberalismo e a ascensão mundial estadunidense, surgia, em meados dos anos de 1936, a teoria geral do emprego, juros e da moeda, do economista John M. Keynes. A teoria de Keynes passou, toda a segunda metade da década de trinta até a primeira metade da década de quarenta, marginalizada pela grande maioria das economias do mundo ocidental. A exceção mundial ficou evidenciada na economia norte -americana, através do New Deal, do Presidente Roosevelt. Diante da crise e com o fim da segunda guerra mundial, a teoria do Estado do bem estar social foi amplamente aplicada nas principais economias européias e em menor escala na periferia do sistema capitalista. O welfare states foi imposto como alternativa ao liberalismo e à revolução socialista da URSS. A intervenção do Estado na economia e regulamentação do mercado mostrou-se, naquelas circunstâncias, mais eficiente para enfrentar a crise sistêmica na economia capitalista e a disputa política no campo ideológico.

A saída keynesiana foi possível devido à conjunção de três fatores históricos e universais: Primeiro – A segunda guerra mundial que destruiu uma importante parcela dos meios de produção e possibilitou uma nova expansão da economia mundial através da reconstrução da Europa e Japão. Segundo – A revolução socialista da URSS avançava em importantes conquistas sociais, impondo ao mundo ocidental capitalista uma necessidade premente de melhorar a distribuição da riqueza produzida pelos trabalhadores, evitando desta forma o avanço da revolução proletária para a Europa e Ásia. O terceiro e o último fator, a própria crise do liberalismo demonstrava ao mundo que a desregulamentação dos mercados e o afastamento do Estado nas questões estratégicas da economia caminhava impreterivelmente para crises.

Com essa breve descrição histórica, podemos afirmar que a crise que vivenciamos hoje é da mesma natureza, profundidade e extensão que a humanidade viveu nos meados do século passado. Esta é uma crise estrutural da economia capitalista, que desdobra na produção, na mercantilização e nas finanças. As medidas tomadas até aqui pelas principais economias capitalistas demonstram que estamos muito longe de resolver os impasses gerados e os que estão por vir. A mais recente noticia é a possível compra de 40% do Citicorp pelo governo americano, que, no ano passado, já havia comprado outros 40%. Os trilhões de dólares podres girando na economia serão suficientes para perturbar e causar danos irreparáveis à economia mundial por um longo período. Enquanto isso, o desemprego e a tragédia social vai aumentando em escala geométrica pelo mundo afora.

No Brasil, a marola de ontem apresenta-se hoje como ondas ainda não muitas bem identificadas pelo tamanho e volume. As medidas do governo central têm sido no sentido de manter os fundamentos da economia funcionando da forma como vinha ocorrendo nos últimos quinze anos. Na outra ponta, injeta recursos federais em áreas da indústria automotiva, construção civil e em obras de infraestrutura através do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento . Todavia, o governo Lula, mesmo com algumas iniciativas importantes, não aponta medidas para a ruptura da crise a partir de uma nova ordem econômica, que passa necessariamente pelo desmonte da atual política macroeconômica: políticas fiscal, monetária e cambial. Não é possível que o país, em plena crise social, mantenha o superávit primário na ordem de noventa bilhões de reais. Não é possível que, em plena crise de crédito, o governo federal mantenha os juros mais altos do mundo. Não é possível que, em plena crise mundial, o governo deixe o câmbio livre sem nenhum controle do fluxo de capitais.

Estamos iniciando uma nova fase de disputa eleitoral; precisamos apresentar saídas que devem culminar em propostas de projetos para a construção de uma nação ainda inacabada, um país do pós-neoliberalismo e do pós-Lula. As eleições de 2010 já estão na ordem do dia. As forças políticas progressistas precisam urgentemente opinar, organizar os trabalhadores e construir uma ampla unidade e um movimento com disposição e capacidade para avançar em um novo ciclo histórico. Um movimento capaz de mostrar ao povo brasileiro que não há soluções milagrosas, que para avançar, nesse novo projeto, será preciso sair da mesmice. O mundo passa por um momento de tensão, similar à crise que no século passado levou a mais sangrenta guerra de todos os tempos. A saída para a crise atual não é mais liberalismo e mais mercado; as condições históricas não projetam para uma saída Keynesiana; esta foi possível graças a conjunções históricas muito particulares daquele período. O afastamento da crise atual dependerá muito mais do tensionamento advindo da luta organizada dos trabalhadores do que pela via clássica de arranjos e negociações das superestruturas e cúpulas dirigentes do país.

*Gilson Reis, Presidente do Sinpro Minas e dirigente nacional da CSC.  

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