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Debates do FSM: David Harvey defende transição anti-capitalista

28 de janeiro de 2010

por Marco Aurélio Weissheimer para a Carta Maior

 

Para David Harvey, professor de Geografia e Antropologia da City University, de Nova York, o capitalismo entrou em uma fase destrutiva que recoloca a necessidade de se voltar a falar de anti-capitalismo, socialismo e comunismo.

 

 

Por que é preciso pensar em uma transição anti-capitalista? E o que seria tal transição? A participação de David Harvey, professor de Geografia e Antropologia da City University, de Nova York, no seminário de avaliação de 10 anos do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, foi uma tentativa de responder estas perguntas. A resposta, na verdade, inclui, em primeiro lugar, uma justificativa da pertinência das perguntas. Após a derrocada da União Soviética e dos regimes socialistas do Leste Europeu, e a queda do Muro de Berlim, falar em anti-capitalismo tornou-se proibido. O comunismo fracassou, o capitalismo triunfou e não se fala mais no assunto: essa mensagem cruzou o planeta adquirindo ares de senso comum. Mas os muros do capitalismo seguiram em pé e crescendo. E excluindo, produzindo pobreza, fome, destruição ambiental, guerra…

 

E eis que, nos últimos anos, voltou a se falar em anti-capitalismo e na necessidade de pensar outra forma de organização econômica, política e social. David Harvey veio a Porto Alegre falar sobre isso. Para ele, a necessidade acima citada repousa sobre alguns fatos: o aumento da desigualdade social, a crescente corrupção da democracia pelo poder do dinheiro, o alinhamento da mídia com este grande capital (e seu conseqüente papel de cúmplice na corrupção da democracia), a destruição acelerada do meio ambiente. Esse cenário exige uma resposta política, resume Harvey. Uma resposta política, na sua avaliação, de natureza anti-capitalista. Por que? O autor de “A produção capitalista do espaço” apresenta alguns fatos de natureza econômica para justificar essa afirmação.

 

O capital fictício e a fábrica de bolhas

 

O capitalismo, enquanto sistema de organização econômica, está baseado no crescimento. Em geral, a taxa mínima de crescimento aceitável para uma economia capitalista saudável é de 3%. O problema é que está se tornando cada vez mais difícil sustentar essa taxa sem recorrer à criação de variados tipos de capital fictício, como vem ocorrendo com os mercados de ações e com os negócios financeiros nas últimas duas décadas. Para manter essa taxa média de crescimento será preciso produzir mais capital fictício, o que produzirá novas bolhas e novos estouros de bolhas. Um crescimento composto de 3% exige investimentos da ordem de US$ 3 trilhões. Em 1950, havia espaço para isso. Hoje, envolve uma absorção de capital muito problemática. E a China está seguindo o mesmo caminho, diz Harvey.

 

As crises econômicas nos últimos 30 anos, acrescenta, repousam (e, ao mesmo tempo, aprofundam) na disjunção crescente entre a quantidade de papel fictício e a quantidade de riqueza real. “Por isso precisamos de alternativas ao capitalismo”, insiste. Historicamente essas alternativas são o socialismo ou o comunismo. O primeiro acabou se transformando em uma forma menos selvagem de administração do capitalismo; e o segundo fracassou. Mas esses fracassos não são razão para desistir até por que as crises do capitalismo estão se tornando cada vez mais freqüentes e mais graves, recolocando o tema das alternativas. Para Harvey, o Fórum Social Mundial, ao propor a bandeira do “outro mundo é possível”, deve assumir a tarefa de construir um outro socialismo ou um outro comunismo como alternativas concretas.

 

A irracionalidade do capitalismo

 

“Em tempos de crise, a irracionalidade do capitalismo torna-se clara para todos. Excedentes de capital e de trabalho existem lado a lado sem uma forma clara de uni-los em meio a um enorme sofrimento humano e necessidades não satisfeitas. Em pleno verão de 2009, um terço dos bens de capital nos Estados Unidos permaneceu inativo, enquanto cerca de 17 por cento da força de trabalho estava desempregada ou trabalhando involuntariamente em regimes de meio período. O que poderia ser mais absurdo que isso!” – escreve Harvey em seu livro “O enigma do capital”, que deve ser lançado em abril de 2010 pela editora Profile Books. Ele descarta, por outro lado, qualquer inevitabilidade sobre o futuro do capitalismo. O sistema pode sobreviver às crises atuais, admite, mas a um custo altíssimo para a humanidade.

 

Não basta, portanto, denunciar a irracionalidade do capitalismo. É importante lembrar, assinala Harvey, o que a Marx e Engels apontaram no Manifesto Comunista a respeito das profundas mudanças que o capitalismo trouxe consigo: uma nova relação com a natureza, novas tecnologias, novas relações sociais, outro sistema de produção, mudanças profundas na vida cotidiana das pessoas e novos arranjos políticos institucionais. “Todos esses momentos viveram um processo de co-evolução. O movimento anti-capitalista tem que lutar em todas essas dimensões e não apenas em uma delas como muitos grupos fazem hoje. O grande fracasso do comunismo foi não conseguir manter em movimento todos esses processos. Fundamentalmente, a vida diária tem que mudar, as relações sociais têm que mudar”, defende.

 

“Precisamos falar de um mundo anti-capitalista”

 

Harvey está falando da perspectiva de um possível fracasso do capitalismo, de um ponto de instabilidade que afete as engrenagens do sistema. Mais uma vez, ele não aponta nenhuma inevitabilidade ou destino histórico aqui. Trata-se de um diagnóstico sobre o tempo presente. “O capitalismo entrou numa fase de cada vez mais destruição e cada vez menos criação”. E quais seriam, então, as forças sociais capazes de organizar um movimento anti-capitalista nos termos descritos acima? A resposta de Harvey é curta e direta: Hoje não há nenhum grupo pensando ou falando disso. “As ONGs e movimentos sociais que participam do Fórum precisam começar a falar de um mundo anti-capitalista. A esquerda deve mudar seus padrões mentais. As universidades precisam mudar radicalmente”.

 

A justificativa desses imperativos? Harvey dá mais um exemplo da “racionalidade” capitalista atual. Em janeiro de 2008, 2 milhões de pessoas perderam suas casas nos EUA. Essas famílias, em sua maioria pertencente às comunidades afroamericanas e de origem hispânica, perderam, no total, cerca de 40 bilhões de dólares. Naquele mesmo mês, Wall Street distribuiu um bônus de 32 bilhões de dólares para aqueles “investidores” que provocaram a crise. Uma forma peculiar de redistribuição de riqueza, que mostra que, nesta crise, muitos ricos estão fincando ainda mais ricos. “Estamos vivendo um momento de negação da crise nos EUA. Os trabalhadores, e não os grandes capitalistas, é que estão sendo apontados como responsáveis. É por isso que precisamos de uma transformação revolucionária da ordem social”.

 

Fonte: Carta Maior

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