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Denúncia contra ministro Gilmar Mendes: impedido ou suspeito?

14 de dezembro de 2016

O mundo do trabalho – que envolve várias dezenas de milhões de trabalhadores- e todos quantos prezam a Ordem Social Democrática – que, segundo o Art. 193, da Constituição Federal(CF), tem por base o primado do trabalho -, no dia 14 de outubro próximo passado, assistiram perplexos à inusitada e monstruosa Decisão Liminar, proferida, sem mais nem menos, pelo Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) N. 323, ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), contra a Súmula N. 277, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que assegura a ultratividade (adesão definitiva aos contratos individuais de trabalho) das normas coletivas, estabelecidas em acordos e convenções coletivas de trabalho.

Por meio de tal Decisão, o Ministro Gilmar Mendes suspendeu a referida Súmula, que representa a única efetiva garantia mínima- para além da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) -, dos trabalhadores com contratos formais de trabalho, contra o descaso e a sistemática recusa dos representantes patronais de cumprirem a sua obrigação constitucional (Art. 7º, inciso XXVI, da CF, e 616, § 3º, da CLT), de negociarem condições de trabalho e salários, com os sindicatos profissionais.

A teratológica Decisão sob comentários representa, para os mais de cinquenta milhões de trabalhadores, com contratos formais, nocaute direto, que os leva ao estado de coma- para usar linguagem do boxe-; a partir dela, cada negociação coletiva, se houver, começará da estaca zero, pois que não remanescerá nenhuma garantia convencional, não importando o tempo que integra o patrimônio dos trabalhadores beneficiados.

Para além do seu conteúdo letal, a contestada Decisão chamou a atenção, de todos quantos acompanham o mundo jurídico, pelas seguintes razões:
I Foi tomada monocraticamente, sem que houvesse sequer indício de relevância e de urgência, capaz de causar dano irreparável à suposta parte prejudicada: as empresas.
Nos termos, do Art. 5º, da Lei N. 9882/1999, que regulamenta a ADPF, “ O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na arguição de descumprimento de preceito fundamental.
§ 1o Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno”.
No caso concreto- ADPF N. 323 -, o Ministro Relator nem sequer cogitou de, em sua fundamentação, aludir à extrema urgência, ou perigo de lesão grave, até porque isto lhe seria impossível, uma vez que a nova redação da Súmula N. 277 foi aprovada, pelo TST, em setembro de 2012, ou seja, mais quatro anos antes de sua Decisão; e o ajuizamento da ação deu-se aos 27 de junho de 2014, dois anos, três meses e dezessete dias, antes desta Decisão. Não restam dúvidas, pois, que o Ministro Gilmar Mendes, sem qualquer motivo plausível, afrontou a Lei N. 9882/1999, usurpando competência do Pleno do STF. Aliás, quem afirma isto é o próprio Ministro Gilmar Mendes que, ao disparar contra o seu colega Ministro Marco Aurélio- por haver determinado, monocraticamente, o afastamento do Presidente do Senado e do Congresso Nacional, Renan Calheiros-, em entrevista publicada no Google Notícias, dia 11 de dezembro corrente.

Muito embora, as críticas dirigissem-se ao Ministro Marco Aurélio, os seus fundamentos, por óbvio, se aplicam ao Ministro Gilmar Mendes, pois que o vale para um Ministro, é igualmente válido para os demais.

Vejam-se, aqui, as principais afirmações do Ministro Gilmar Mendes, na citada Entrevista:

“As exigências de submeter as questões de preliminares ao plenário, antes da decisão, têm sido flexibilizadas, não vêm sendo cumpridas. Cada vez mais os ministros decidem monocraticamente aquilo que, na exigência legal, deveria ser decisão do plenário, como no caso dessa ADPF. O que aconteceu é que a lei exigia que o tema fosse levado ao plenário, e a decisão foi tomada monocraticamente na segunda-feira. Poderia ter esperado até quarta-feira, e ter sido pautada no plenário. Mas preferiu-se conceder a decisão monocraticamente. E, assim, a Mesa do Senado exigiu que fosse cumprido aquilo que está na legislação, e que a decisão fosse tomada pelo plenário. Não se deveria executar uma decisão que era precária, que não atendia aos requisitos legais. Então, me parece que a multiplicação dessas decisões que o Supremo tem tomado monocraticamente é uma clara violação à lei. E tem acontecido cada vez mais, e, inclusive, com a nova composição isso se tornou mais frequente.

[..] Agora, no caso específico, volto a dizer: a lei exige o pronunciamento do plenário, até por causa da gravidade da situação. [..] O que me parece é que há uma confusão. Nós, do Supremo, deveríamos ser os primeiros a cumprir o que está no nosso regimento.[..]
É o que tem acontecido. Ao longo dos anos, temos vários casos de repetição disso. Seja lá qual fenômeno mental que estimule esse tipo de atitude, de fato, isso tem se repetido. Não é um bom exemplo.
[..]. Porém, quando conhecemos a jurisprudência e a clareza dos textos, temos que observá-los. A legislação não deixa dúvidas de que as liminares têm que ser decididas pelo plenário, porque estamos suspendendo atos legais. Portanto, é muito difícil justificar essa atitude. A lei permite sessões em caso de urgência. Qual era urgência de fazer na segunda-feira, e não na quarta-feira? Na quarta, seria a decisão do colegiado, e talvez o plenário não referendasse, como acabou não referendando
[..] Fazer valer as leis. Tenho impressão que esse tipo de prática foi alimentada pelo excesso de processo e da dificuldade de colocar esses processos em pauta. Em geral, concede uma liminar, coloca o processo à disposição do plenário, mas ele não é chamado, por conta das dificuldades de pautas. E isso foi alimentando, nesses casos específicos, uma série de práticas heterodoxas, ilegais vamos dizer assim. Se passou a conceder liminar sem a necessária urgência, sem cumprir, portanto, a lei e sem submeter a plenário. [..]Juiz do Supremo não pode ficar violando as regras procedimentais óbvias, nenhum juiz deveria poder fazê-lo. Se queremos que as nossas decisões sejam observadas, elas têm que se pautar com um grau de legitimidade e razoabilidade.

II Não há registro de que o Ministro Gilmar Mendes tenha cumprido o disposto nos Arts. 6º e 7º, da Lei N. 9882/1999, que assim preconizam:
“Art. 6o Apreciado o pedido de liminar, o relator solicitará as informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, no prazo de dez dias.
§ 1o Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos que ensejaram a arguição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria.
§ 2o Poderão ser autorizadas, a critério do relator, sustentação oral e juntada de memoriais, por requerimento dos interessados no processo.
Art. 7o Decorrido o prazo das informações, o relator lançará o relatório, com cópia a todos os ministros, e pedirá dia para julgamento.
Parágrafo único. O Ministério Público, nas arguições que não houver formulado, terá vista do processo, por cinco dias, após o decurso do prazo para informações”.
Pelo que se colhe da página do STF, o Ministro decidiu, em flagrante violação aos preceitos legais, ferindo de morte a maior garantia dos trabalhadores, e sobrestou o processo; guardando-o, convenientemente, até quando não se sabe.

III A realçada ADPF, como já se anotou, foi ajuizada pela Confenen, visando a beneficiar todas as empresas brasileiras, em especial as escolas privadas, que ela representa.

Segundo Certidão Simplificada, emitida pela Junta Comercial do Distrito Federal, ao dia 1º de dezembro corrente, o Ministro Gilmar Mendes é sócio majoritário- detendo quotas no valor de R$ 682.000,00, do capital social total de R$ 1.200.000,00- do Instituto Brasiliense de Direito Público IDP Ltda, inscrito no CNPJ sob o N. 02474172/0001-22.
No Portal E-MEC, do MEC, o IDP encontra-se registrado como escola privada com fins lucrativos, nos termos do Art. 20, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDB, Lei N. 9394/1996.

Ora, à luz do que preceitua o Art. 144, inciso V, do Código de Processo Civil (CPC) – Lei N. 13105/2015, havia e há inafastável impedimento do Ministro Gilmar Mendes, para relatar a ADPF em questão e até mesmo participar do julgamento dela.
Art. 144, do CPC: “ Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:
….
V quando for sócio ou membro de direção ou de administração de pessoa jurídica parte no processo;”.
Muito embora a autora da ADPF seja a Confenen, como já registrado, o IPDP, do qual o Ministro Gilmar Mendes é sócio majoritário, é o ‘titular do direito’, nela postulado. Importa dizer: é, ainda que de forma indireta, parte no processo, de que ela trata.

Mostra-se impertinente eventual argumento de que, consoante o Art. 38, do Código de Ética da Magistratura, não há impedimento para participação de magistrados em sociedade comercial, como sócios ou cotistas. É fato que este Art. concede-lhes esta permissão, desde que não exerçam o controle ou a gerência. Extrai-se do contrato social do IDP, que é Sociedade Empresária Ltda, que o Ministro Gilmar Mendes, como possuidor da maioria de suas cotas, exerce, sim, o seu controle, em que pese não ser o administrador direto.

O Art. sob destaque estabelece: “Art. 38. O magistrado não deve exercer atividade empresarial, exceto na condição de acionista ou cotista e desde que não exerça o controle ou gerência”. Ao sentir da Contee, apresenta-se, pois, cristalino o impedimento do Gilmar Mendes, para relatar o votar no Processo da ADPD N. 323, de autoria da Confenen. Mas, se por excesso de condescendência, entender-se que o Art. 38, do Código de Ética da Magistratura, retrotranscrito, agasalha o Ministro Gilmar Mendes, retirando-lhe qualquer impedimento para atuar no Processo em questão; a suspeição de que trata o Art. 145, do CPC, fatalmente, o alcançará.

Este Art. assim reza: “Há suspeição do juiz:
….
IV interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes”.
Ora, mesmo que se proponha ser ainda mais condescendente e argumentar que o Ministro Gilmar Mendes, como magistrado, não tem interesse de que o pedido principal da ADPF, da Confenen, consubstanciado na declaração de inconstitucionalidade, com revogação imediata, da Súmula N. 277, do TST, seja julgado procedente; o empresário Gilmar Mendes, que, ao fim e ao cabo, confunde-se com o Ministro, tem todo interesse de que assim aconteça, isto é, que esta Súmula, com a redação atual, seja expungida do ordenamento jurídico brasileiro, para que não subsista a ultratividade da norma.

Com todo o respeito ao cargo de Ministro, aqui, não se mostra cabível a tese de o corpo dele não se confunde com o do empresário, como o faz Kantorowicz, Ernst H Kantorowicz, famoso Livro “Os dois corpos do rei”, que trata da multissecular teoria religiosa/política de que o rei possuía dois corpos: o humano, falível e mortal; e o político, infalível, imortal e supremo. No Estado Democrático de Direito, não há espaço para se considerar o cargo de ministro como infalível, imortal e supremo, insuscetível de conspurcações humanas.

O fato é que, seja por um motivo ou por outro, parece induvidoso que o Ministro Gilmar Mendes, ao conceder a contestada Liminar, legislou em causa própria, o que, a toda evidência, é inadmissível no Estado Democrático de Direito.

Vale ressaltar, para que se espanque qualquer contestação impertinente, que o Ministro Gilmar Mendes, ao decidir pela suspensão da Súmula N. 277, do TST, legislou, simultaneamente, em proveito próprio, como sócio majoritário do IDP, em proveito do capital, que, aliás, ele abertamente defende, em todas as suas manifestações, dentro e fora dos processos levados ao STF.

Fonte: Contee

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