Luciano Mendes avalia que cortes de verba estão destruindo décadas de trabalho da educação brasileira
Escolas e universidades passam por corte drástico de verbas que ameaça o pagamento de professores e a manutenção das instituições. Algumas universidades federais de Minas Gerais já anunciam o risco de “falência”. No Ensino Médio, a reforma do presidente golpista Michel Temer traz a ideia do quanto “mais rápido terminar os estudos melhor”, tirando dos jovens a perspectiva do ensino superior.
O programa Roda de Conversa desta semana, transmitido as 11h de segundas-feiras na Rádio Favela 106,7 FM, entrevistou o professor da UFMG Luciano Mendes, coordenador do Projeto Pensar a Educação, Pensar o Brasil, que analisa a situação educação do país.
Até a década de 80, os pais tinham que dormir em filas para conseguir uma vaga na escola pública. Por que essa realidade mudou?
Até 50 anos atrás, a escola pública brasileira era muito restritiva. Poucas pessoas entravam e um número muito menor saía da escola formado. A população a partir de 1950 se mobilizou para literalmente “fazer escolas”, creches, escolinha de educação infantil, em substituição ao Estado que era muito omisso. Além disso, houve uma grande mobilização para transformar a educação em direito de todos. Uma vitória da Constituição de 1988. Hoje, a família e o Estado não podem deixar de fornecer educação para crianças e jovens de 7 a 17 anos.
E quanto ao imaginário de que a escola pública não tem qualidade?
A construção dessa ideia é histórica, ancorada na época em que a classe média, a partir da década de 60, retirou seus filhos da escola pública para colocar nas particulares. Mas esta ideia não é verdadeira. Um exemplo: todas as pesquisas mostram que os universitários da escola pública têm rendimento igual ou superior aos que vem da escola particular. Pesquisas mostram que escola pública e privada não são tão desiguais em relação à qualidade, mesmo na questão salarial.
Nos últimos 60 anos a escola pública melhorou muito. Antes, a escola era racista, extremamente sexista, extremamente excludente. Alguns poucos entravam e uma fração de 10% conseguia sair formado no quarto ano. A escola pública hoje tem muitas qualidades, e uma delas é de ser extremamente inclusiva. É a nossa instituição pública com mais capilaridade no território, atendendo a 90% da população estudantil, e trabalha com os grupos sociais mais discriminados.
E o ensino técnico?
Houve um aumento significativo das vagas no ensino médio federal nos últimos 15 anos. Mas não se pode considerar que o acesso ao ensino secundário e técnico é a solução do problema. A Reforma do Ensino Médio do Temer quis fazer propaganda para ofertar isso: ‘agora, os estudantes podem escolher fazer o ensino técnico’. Mas oferece um ensino sucateado. Ao invés de uma formação tecnológica de ponta e para a cidadania, para aprender a estar no mundo.
Junto ao corte de verbas estamos vendo as Parcerias Público Privadas e outras formas de privatização da educação avançarem. Como isso acontece?
Nós temos três grandes mecanismos de privatização possíveis. Um é deixar os jovens que querem estudar nas mãos de empresas. No ensino superior brasileiro apenas 24% das vagas são públicas, é uma das piores ofertas de vagas de ensino superior público no mundo. Outro mecanismo é por parcerias que entregam a gestão para a iniciativa privada, que estará sob uma lógica de lucro, que são as PPPs. A terceira, que é menos perceptível, é a submissão da educação ao capital. Por exemplo, o ensino médio está sendo submetido à lógica do mercado de trabalho, do quanto mais rápido melhor.
O governo Temer realizou um corte de em média 45% do orçamento das universidades federais no ano passado. Como isso afeta a educação?
A equipe que está no MEC é a mesma do governo Fernando Henrique Cardoso e tem ojeriza à expansão do sistema superior público. Eles acham que o ensino superior público expandiu muito além do que deveria. Quando começou o REUNI, em 2005, a participação pública nas vagas era de 32%. A expansão das vagas públicas caiu para 24%. Houve uma expansão do ensino superior privado, que mantém metade de suas vagas com recursos públicos, através do FIES e do PROUNI. A nossa grande briga é que dinheiro público é para ensino público, que tem melhor qualidade por não visar o lucro.
Já temos notícia de que universidades federais do interior de Minas correm o risco de fechar.
No interior de Minas todas estão declarando que não é possível continuar funcionando. A UFMG diminuiu drasticamente a oferta de bolsas. Quando o fundamental seria expandir os serviços, por conta dos meninos e meninas que entraram na universidade neste momento através das cotas e aumento de vagas. É um projeto maquiavélico, de prejuízo àqueles que demoraram séculos a acessar a universidade.
Por Rafaella Dotta, Vera Lima e Solange Bastos, do Brasil de Fato
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