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Comissão da verdade divulga relatório dos crimes da ditadura em Minas Gerais

13 de dezembro de 2017

A verdade e o horror para quem ainda é fã da ditadura

Depois de quatro anos de intensa pesquisa, a Comissão da Verdade de Minas Gerais entrega nesta quarta-feira (13/12) o relatório completo sobre as mortes, torturas e perseguições ocorridas durante a ditadura civil-militar brasileira, com recorte específico para as atrocidades cometidas em Minas entre 1964 e 1988.

O Beltrano teve acesso com antecedência ao robusto documento, de 1.781 páginas, e discorre sobre cinco pontos centrais do relatório, que será entregue ao governador Fernando Pimentel, às 16h30, no Palácio da Liberdade (link para o documento completo no final do texto).

Durante o levantamento, foram ouvidas 218 vítimas da ditadura. O trabalho envolveu 80 pesquisadores, 40 bolsistas de iniciação científica e 50 instituições. O resultado é devastador contra os argumentos de quem ainda sente alguma nostalgia do período mais sombrio da história do Brasil.

1) Torturadores

Foram identificados 125 torturadores em Minas Gerais. O número supera os 91 torturadores atuantes no Estado que foram identificados em 2014, na pesquisa nacional “Brasil: Nunca Mais”. Entre os principais torturadores mineiros está o primeiro-tenente da Polícia Militar Antônio de Pádua Alves Ferreira, atuante entre 1969 e 1972, à serviço do golpe. Ele é mencionado 48 vezes nos depoimentos de vítimas, entre eles mulheres militantes da organização política Ação Popular. Pádua é responsável por levar presos irregularmente para uma casa no bairro Renascença, na região Nordeste da capital, e torturá-los indiscriminadamente.

Veja neste link a lista completa dos torturadores identificados no relatório: Lista_Torturadores

2) Locais de tortura

Somente na capital mineira, 30 instituições serviram como centros de tortura. Além de delegacias e instalações militares, os torturadores também usaram dependências escolares, como o Colégio Militar de Belo Horizonte, e serviços de saúde, a exemplo da Cooperativa dos Médicos da Santa Casa de Misericórdia e o Pronto-Socorro Maria Amélia Alins, ambos locais frequentes de tortura.

Mapa_Centros_Tortura

3) Indígenas torturados e escravizados

Assunto pouco explorado no Brasil, a ditadura patrocinou trabalho escravo e tortura de indígenas em Minas Gerais. O relatório da Comissão da Verdade aponta que a partir da criação da FUNAI, em dezembro de 1967, “se verifica o recrudescimento da violência empregada nas políticas indigenistas”. Em Minas Gerais, essa política dá origem a três instituições repressoras: o Reformatório Krenak, a Guarda Rural Indígena (GRIN) e a Colônia Agrícola Indígena Guarani, criadas durante a gestão do capitão da PMMG Manoel dos Santos Pinheiro na Ajudância Minas-Bahia (AJMB), e com o apoio do então presidente da FUNAI, José de Queiroz Campos.

Institucionalmente, esses três centros foram justificados como forma de recuperar índios “rebeldes ou desajustados”. O Reformatório Agrícola Indígena Krenak, por exemplo, dispunha de dois espaços chamados explicitamente de “áreas de confinamento”, e de outros dois “cubículos”, solitárias, destinadas a tortura.

Planta_Reformatorio_Krenak

Em 1972, conforme cita o relatório, em entrevista ao portal jornalístico Pública, o indígena Itatuitum Ruas descreveu a rotina de castigos e trabalhos forçados dos detentos do Reformatório Krenak.

“Imagina o que era para mim, como índio, ouvir a ordem do dia do cabo Vicente (policial militar e chefe local do posto indígena), botando todos os presidiários em fila indiana, antes de tomarem um café corrido, ameaçando baixar o cacete em quem andasse errado. E alertando que, para aquele que fugisse, havia quatro cachorros policiais, treinados e farejadores, prontos para agir”. “Eles não trabalhavam no sábado, que era dia de lavar a roupa, costurar, essas coisas todas. Mas, durante a semana, era trabalho escravo”.

O relatório ainda traz uma lista de pelo menos 104 indígenas confinados no Reformatório Krenak, com informações sobre as prisões, muitas justificadas por motivos banais como vadiagem e embriaguez, além do período de detenção de cada indígena escravizado e torturado. A mesma relação de informações também está disponível sobre pelo menos 41 indígenas vítimas da ditadura na Colônia Penal Agrícola Indígena Guarani.

Veja neste link os dados sobre violência contra indígenas. Lista_Indigenas_Torturados

4) Atentados da extrema-direita

Entre 1965 e 1987, a Comissão da Verdade apurou detalhadamente 38 ataques em Minas Gerais praticados pela extrema-direita e levantou a ficha de 17 suspeitos dos principais crimes à serviço da ditadura, entre policiais, advogados e até jornalistas. Os mais notórios são Jacob Lopes Máximo de Castro, advogado conhecido em Belo Horizonte, Paulo Guimarães e Antônio Caram. Os três são apontados como mentores do atentado ao “Show Medicina”, em 17 de novembro de 1965, ato que inaugurou o ciclo terrorista em Minas Gerais. Na ocasião, pelo menos cinco estudantes ficaram feridos após serem atingidos por ampolas de ácido bromídrico jogados pelos acusados durante o espetáculo de humor, crítico ao governo.

Veja neste link a lista dos 17 criminosos e seus respectivos atentados. Suspeitos_Ataques_Terroristas

5) Depoimentos

Para quem até hoje insiste em duvidar da tortura como prática corrente durante a ditadura civil-militar, os depoimentos das vítimas são a parte mais chocante do relatório da Comissão da Verdade de Minas Gerais. Trecho do relatório chega a lembrar que “é preciso deixar claro que nessa época a tortura se configurou como um ‘elemento fundamental de uma cadeia de ações altamente planificada e hierarquizada, apoiada em autojustificativas ideológicas e objeto de pesquisa e treinamento específicos, inclusive com a participação de médicos e psicólogos”.

Uma das memórias mais emblemáticas é a da estudante Delsy Gonçalves de Paula, aluna do Curso de Ciências Sociais na Fafich/UFMG e professora no Colégio Municipal de Contagem. Delsy entrou para a organização política Ação Popular (AP) três anos antes de ser presa. Em junho de 1969 foi detida, tendo sofrido torturas físicas e psicológicas por 50 dias ininterruptos.

Veja o comovente relato de Delsy e também um depoimento do estudante Délio de Oliveira Fantini, que aos 18 anos foi o preso mais novo a ser torturado em Minas Gerais.

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A COMISSÃO DA VERDADE

A Comissão da Verdade de Minas Gerais (Covemg), coordenada pelo professor doutor Robson Sávio, é resultado de um convênio firmado entre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Fundação Christiano Ottoni (FCO), Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Sedectes), Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania (Sedpac) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O relatório completo pode ser acessado neste link.

Fonte: O Beltrano

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