Em entrevista, a filósofa fala de seu livro ‘Pequeno Manual Antirracista’ e dos desafios para o movimento negro no Brasil de Bolsonaro
A filósofa americana Ângela Davis já anunciava nos idos da década de 60: “Numa sociedade racista, não basta não ser racista, é necessário ser antirracista”. A afirmação da ativista é detalhada por Djamila Ribeiro em sua mais recente obra literária, “Pequeno Manual Antirracista”, lançada no final de 2019. No livro, a filósofa e ativista brasileira convoca os leitores a reconhecerem o racismo enquanto estrutural e a perceberem como ele se manifesta em diferentes dimensões do cotidiano, passando pelo foro individual, cultural, econômico e político.
Em entrevista, Djamila também fala sobre os desafios do País frente à agenda de equidade racial e como será necessário ao movimento negro resistir ao retrocessos apresentados pelo governo Bolsonaro, devido a medidas que impactam diretamente os grupos sociais historicamente mais discriminados, caso da população negra e indígena.
CartaCapital: Qual o objetivo do livro e por que ele vem na forma de um manual?
Djamila Ribeiro: É muito inspirado no livro “How To Be An Antiracist”, do historiador americano Ibram X Kendi, mas também se baseia em um texto que eu publiquei na CartaCapital uns anos atrás, e que está até no meu livro “Quem tem medo do feminismo negro”, que era um manual para os sem noção, bem irônico. Dessa vez, eu quis fazer uma coisa mais didática mesmo, porque às vezes as pessoas não tem noção do resultado de suas atitudes, tem os que reproduzem discurso de ódio conscientemente, mas muita gente reproduz porque vive numa sociedade alienante. Então é fazer um manual para ampliar as referências, trazer leituras de outros autores e provocar as pessoas a refletirem sobre um tema problemático, mas que está tão naturalizado que, por vezes, passa despercebido.
CC: As práticas antirracistas partem do ponto comum de que a sociedade é racista?
DR: Sim, mas mais que isso é preciso entender que o racismo é uma estrutura. Quando a gente fala sobre racismo estrutural, é sobre entender que o racismo faz parte da estrutura da sociedade brasileira, assim como o capitalismo, o sexismo. Isso significa entender a nossa construção enquanto nação, somos um país que nunca aboliu a escravidão; entender o quanto o fato do racismo ser estrutural coloca a população negra em situações de vulnerabilidade. O primeiro passo é entender como o sistema racista se construiu e como ele se reproduz, para depois compreender o que os indivíduos reproduzem. O racismo precisa ser entendido como essa estrutura que não diz apenas do campo individual. No Brasil, é comum as pessoas associarem racismo a um ataque sofrido por uma pessoa negra famosa, por exemplo, mas não entende que racismo é também uma empresa ter 90% dos funcionários brancos, chegar nos espaços e não ter pessoas negras o suficiente, só em lugares de subalternidade. Ou seja, a gente não consegue entender ainda o porquê de a gente reproduzir racismo, então é primordial entender como essa estrutura funciona.
CC: No livro, você convoca as práticas antirracistas em diversas dimensões, indo da dimensão individual – do reconhecimento do racismo em si próprio – para o mundo do trabalho, da cultura. Em algum desses campos, você vê mais dificuldades das pessoas se reconhecerem racistas e partirem para o combate a essas práticas?
DR: De modo geral, para o brasileiro médio, falta o entendimento da estrutura e também o entendimento de que todo mundo reproduz racismo. Tem uma pesquisa que eu cito no livro, do Datafolha, feita na década de 90, que as pessoas reconheciam que o Brasil era racista, mas quando perguntadas se elas eram racistas, a resposta era não. As pessoas não tem a consciência de que elas foram ensinadas dessa forma, e como produzir ações para combater o racismo sem esse entendimento? Há essa resistência a ser superada.
CC: Como você situa o Brasil diante da agenda de equidade racial?
DR: Nos últimos anos, sobretudo nos governos Lula e Dilma, de fato, existiram políticas importantes como a Lei de Cotas, de 2012, em alguns municípios também existiram políticas importantes. A Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) foi a primeira a adotar cotas em 2001, quando a saudosa Nilcéia Freire era reitora, a Universidade de Brasília (UNB) fez o mesmo em 2004. Existiam essas políticas, sobretudo, no campo da educação. Porém, isso acabou não refletindo no mercado de trabalho, que é onde se tem mais dificuldade de se pensar políticas públicas, tanto para serviços públicos como privados. O avanço também não se consolida nas políticas de segurança pública, campo primordial para a população negra, sobretudo no que diz respeito ao aumento do encarceramento da população negra e também no debate sobre a questão das drogas. Agora, com esse governo, só temos reforçado essa visão de punição, o que apenas fortalece essa estrutura racista vigente.
CC: O governo Bolsonaro representa retrocessos nas agendas dos movimentos negros?
DR: Sinto retrocesso sobretudo com a aprovação do pacote anticrime de Moro, com a falta de políticas direcionadas para as populações indígenas e quilombolas e com a ausência de propostas para as mulheres negras, que são as mais vulneráveis. Para além da figura de Bolsonaro e o que ela representa, como o fato das pessoas se sentirem mais autorizadas a reproduzirem o racismo, não há dúvidas de que teremos que fazer o enfrentamento a isso no campo das políticas públicas e combater retrocessos. A Reforma Trabalhista e a da Previdência, por exemplo, atingem principalmente as populações mais pobres e os grupos historicamente mais discriminados.
CC: Como você avalia a tentativa do governo de emplacar o jornalista Sérgio Camargo como presidente da Fundação Palmares, uma instituição voltada à valorização da história e manifestações da população negra, considerando sua falta de reconhecimento do racismo no País?
DR: As pessoas negras também são diversas e vamos nos deparar com indivíduos reacionários que sustentam outras perspectivas. É o mesmo caso de mulheres que reproduzem o machismo, como a ministra Damares Alves, por exemplo. Essas contradições fazem parte da sociedade que vivemos. Agora, vejo que o grande problema não é ele [Sérgio Camargo], mas esse governo, porque tira-se ele, coloca-se outro e a política se mantém a mesma, indo contra tudo que reivindicamos enquanto povo negro.
CC: Ainda que o primeiro ano do governo Bolsonaro tenha trazido retrocessos para as lutas do movimento negro, você acumulou conquistas, foi reconhecida internacionalmente e lançou o “Pequeno Manual Antiracista”, livro que ficou entre os mais vendidos no País. Você acha que, de alguma forma, a ascensão de um governo truculento amplia as formas de resistência e apoio às agendas do movimento negro?
DR: Acho que de alguma forma sim, porque as pessoas passam a perceber mais o que anda acontecendo. Mas acho que sobretudo, esse reconhecimento é fruto de governos anteriores, de pessoas que tiveram acesso à universidade pela primeira vez, de pessoas que, como eu, fui a primeira a cursar uma universidade na minha família. Acho que colhemos frutos dessas políticas, entendemos a importância delas adentrarem determinados espaços e, a partir disso, buscamos outras estratégias de resistência ao racismo.
CC: Quais as principais lutas do movimento negro para 2020?
DR: Internacionalmente, há um movimento de denunciar o Brasil em relação ao genocídio da população negra e à perseguição religiosa praticada contra os terreiros. Diversas entidades do movimento negro têm ido nesse caminho por entenderem que em âmbito federal as coisas não vão avançar. Em nível nacional também temos a articulação de frentes parlamentares para encaminharem denúncias. Os movimentos seguirão na tentativa de criar estratégias para resistir dentro desse governo. Este ano, acredito que vamos ver esse esforço nas eleições municipais, a partir de um empenho para que mais candidatos negros sejam eleitos e possam ir para o campo da institucionalidade nos representar.
Fonte: Carta Capital
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