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“É um negócio privado, que deve ter regulação pública”

18 de maio de 2011

Maria do Pilar Lacerda, secretária de Educação Básica do MEC, defende regulamentação do setor privado e fala sobre as novas diretrizes curriculares

O ensino médio vai passar por mudanças. O Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou, em 4 de maio, as novas diretrizes curriculares dessa etapa do ensino básico. A resolução precisa ser aprovada pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, o que deve acontecer ainda neste mês.  As alterações vão dar mais autonomia às redes estaduais e às escolas para organizar a grade curricular, com ênfase em quatro áreas: trabalho, ciência, tecnologia e cultura. A ideia é tornar o ensino médio mais atrativo e enfrentar dois grandes gargalos: o baixo desempenho e a evasão escolar. Os mais recentes dados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) dão conta de que o ensino médio brasileiro tem avançado num ritmo mais lento, se comparado aos demais níveis. Entre 2005 e 2009, a nota saltou de 3,4 para 3,6 (crescimento de 5,8%). Já nos primeiros anos do fundamental, subiu de 3,8 para 4,6 (melhora de 21%).  Já a pesquisa Síntese de Indicadores Sociais, do IBGE, apontou que 1 em cada 10 estudantes abandonam as carteiras escolares na etapa final da educação básica, realidade que faz com que o Brasil possua a maior taxa de evasão no ensino médio, numa comparação com os vizinhos Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai e Venezuela.

Segundo a secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, Maria do Pilar Lacerda (foto), as novas diretrizes buscam aproximar o conteúdo da realidade dos jovens brasileiros. “Temos uma escola organizada de acordo com uma sociedade dos anos 50 e 60, não é nem 70. Essa é a primeira grande dissintonia. Queremos que a escola, a partir do conhecimento dos seus alunos, da sua realidade, da sua comunidade, tenha autonomia para escrever o seu projeto pedagógico”, disse Maria do Pilar, em entrevista ao Extra-Classe (programa de TV do Sinpro Minas), exibida em 15 de maio, sobre as novas diretrizes curriculares e os desafios do ensino médio (clique aqui e assista ao programa).   Regulamentação A secretária reconheceu que os investimentos na área não são suficientes. Ao comentar o percentual que o novo Plano Nacional de Educação (PNE) deve estabelecer, Maria do Pilar defendeu a ampliação dos recursos para o setor, mas preferiu não especificar números.  “Eu não estou dizendo 7, 8, 9 ou 10. [Com] 5% sabemos que não conseguimos. Temos a palavra da presidenta, que se comprometeu a [investir] 7% do PIB até 2014. Se conseguirmos isso, teremos avançado muito”. Esse assunto é um dos mais polêmicos. A proposta apresentada pelo executivo federal prevê investir 7% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas segundo especialistas, educadores e entidades ligadas à educação, esse percentual precisa ser de 10% para que as metas possam ser atingidas. Maria do Pilar defendeu ainda a regulamentação do setor privado de ensino. “É um negócio privado, que deve ter regulação pública”, afirmou Lacerda.  Confira abaixo a entrevista feita antes da gravação em estúdio, na qual a secretária fala de outros temas, como o piso salarial nacional e a meta para o ensino médio prevista no Plano Nacional de Educação.    Em testes nacionais, como o Ideb, constata-se que o avanço da qualidade no ensino médio é mais lento, se comparado aos demais níveis de ensino, além dele possuir as maiores taxas de evasão e repetência. Qual a razão disso? Está diretamente relacionada às questões curriculares, ou os problemas são maiores?     Maria do Pilar Lacerda: Os problemas são maiores. Primeiro, você deve se lembrar que, até 2005, não havia nem financiamento para o ensino médio, além de o século 20 ter sido perdido para a educação pública, da forte privatização no período da ditadura militar e da desqualificação da escola pública, porque o Brasil não convive bem com a ideia de um espaço para todos…

A escola pública é um equipamento importante, ali é um espaço muito genuíno de convivência democrática, quando é para todos. Se você chegar numa escola pública na França, na Inglaterra, na Alemanha, terá praticamente todos os segmentos da sociedade ali dividindo o mesmo espaço, e é aí que você aprende a convivência democrática. Quando você tira e encastela as crianças, fechadas na escola privada, e coloca as escolas públicas como espaço de gente pobre, você rebaixa uma e hipervaloriza a outra e não consegue esse espaço de formação.   

Por outro lado, o Brasil tem hoje 43 milhões de brasileiros que, nas décadas passadas, não tiveram direito à educação. Se nós colocamos quase 98% das crianças de 6 a 14 anos na escola, elas são filhas desses brasileiros que não foram para a escola. Então elas chegam numa escola preparada para famílias letradas e as escolas não as compreendem. O fracasso maior é que elas não terminam o ensino fundamental ou terminam com 17, 18, 19 anos. E quando vão para o ensino médio, vão com uma base muito pequena, frágil ou então defasadas.

O governo federal insiste: é preciso uma visão sistêmica da educação, da creche à pós-graduação. Não vamos ter formação de professores bem feita se o ensino superior ficar enfraquecido, e não vai haver aluno bem formado se ele nunca pegou um lápis até os seis anos de idade. Esse acúmulo deságua no ensino médio. A nossa expectativa é de que com os índices de alfabetização de adultos, a melhora na educação de jovens e adultos e da educação fundamental, teremos alunos chegando no ensino médio em idade mais adequada, só que aí eles entram para o ensino médio que não dialoga com as juventudes, como disse antes. Aí neste momento é um problema curricular. Sanados os problemas anteriores, fazer um ensino médio atrativo e provocador é um problema curricular.

Um dos grandes desafios da educação básica, na avaliação de especialistas, é fazer os bons alunos se interessarem pela carreira docente. Nesse sentido, o valor atual do piso salarial nacional, na sua opinião, é atraente a ponto de fazer com que os jovens estudantes queiram seguir a carreira docente? Maria do Pilar Lacerda: Ainda não, mas é um sinalizador importante. Hoje você sinaliza: atenção, há uma preocupação com essa carreira, que é estratégica para o país, e ela está sendo olhada e respeitada pelo poder público. Isso é importante. Ninguém tem dúvida de que tem de melhorar o salário. Porque você não atrai um jovem para a carreira do magistério com baixos salários e sem perspectiva de carreira. É preciso que a carreira seja atrativa, e uma das atrações é um bom salário. A outra é uma perspectiva de formação continuada. A carreira do professor e a sala de aula estão cada vez mais complexas e a formação não pode ser só a inicial. Então o profissional se sente estimulado se tem hora para estudar remunerada, se tem apoio para outras formações.

Há inclusive uma polêmica quanto ao valor do reajuste do piso. O MEC o reajustou para R$ 1.187, mas, segundo entidades ligadas à educação pública, esse valor deveria ser de R$ 1.597. Enfim, qual o valor correto, a sra. sabe dizer? Maria do Pilar Lacerda: Eu, como governo, vou dizer que o valor correto é o definido pelo MEC. Mas é uma discussão de índices que não passa pela minha área. Não discuto muito isso, então não saberia dizer, até como professora que sou, qual o valor está correto. O correto é sinalizar que este é um bom marco para a sociedade, mas tem de melhorar.

O investimento feito hoje no ensino médio é suficiente para dar conta desses problemas? Quanto é investido atualmente?

Maria do Pilar Lacerda: Hoje já chegamos a 5% do PIB para a educação brasileira como um todo. O Fundeb [Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica] vai remunerar o ensino médio mas, evidentemente, o que se remunera hoje não é suficiente, inclusive para o espaço que se pretende na escola, para os equipamentos necessários, para a remuneração do professor. Então o objetivo é que a gente chegue a pelo menos 7% do PIB até 2014, e os movimentos sociais reivindicam que no PNE [Plano Nacional de Educação] a gente coloque a meta de 10% do PIB para a educação brasileira.

E qual a opinião da sra. sobre isso?

Maria do Pilar Lacerda: Os recursos que existem hoje não são suficientes. Mas é muito perigoso reduzir o debate da educação à questão do financiamento. Tenho a preocupação de não dizer que se tiver 10% do PIB os problemas estarão resolvidos. Não estarão. 10% é importante? É. 7% é importantíssimo? É importantíssimo. Mas o que faremos com esse recurso? Se for para fazer o mesmo projeto pedagógico anacrônico que existe, o recurso não vai resolver. Se for para contratar professor de maneira precária, com remuneração precária, como vários estados e municípios fazem, também não vai resolver. Se for para construir um prédio magnífico, mas vazio em termos pedagógicos, também não resolve. Os problemas da educação são muito complexos para que a solução seja simplificada. O orçamento é importante? É importantíssimo, mas não é definidor da qualidade.   A sra. defende a ampliação de 7% para 10%?

Maria do Pilar Lacerda: Que cada vez tenha mais recursos. Eu não estou dizendo 7, 8, 9 ou 10. [Com] 5% sabemos que não conseguimos. Temos a palavra da presidenta, que se comprometeu a [investir] 7% do PIB até 2014. Se conseguirmos isso, teremos avançado muito. Imagine que, em 2002, o orçamento do MEC era de R$ 20 bilhões. Em 2011, ele será de R$ 70 bilhões. Saímos de 3,9% e chegamos a 5%. Então há efetivamente um aumento do orçamento, e mesmo assim sabemos da dificuldade da educação infantil, da questão tecnológica e das novas mídias, da remuneração dos professores e de melhores condições de trabalho, e melhores condições de trabalho fica uma coisa meio vaga, meio chavão de passeata, mas você deve pensar o seguinte: o professor deve se dedicar a uma escola. Ah, mas o professor de química não tem 40 aulas [hora/aula] numa escola? Ele não precisa ser só professor de química. Ele pode ter 25, 24 aulas de regência, 10 de monitoria e tantas de pesquisa e formação. Isso para as redes pública e privada. Porque quando a gente olha os institutos federais de educação, quando a gente olha os colégios de aplicação das universidades, que têm altíssimos resultados no Ideb, é porque a condição de trabalho do professor é muito melhor, pela dedicação exclusiva, pelo ambiente da pesquisa, por um número menor de alunos em sala… Isso é fundamental para melhorarmos a qualidade e não se faz sem recursos.

A sra. falou sobre a rede privada. Uma das bandeiras do Sinpro Minas e da Contee é a regulamentação do setor privado de ensino. A ausência de regulamentação não dificulta questões como essa que a sra. levantou?

Maria do Pilar Lacerda: Dificulta e acho que, cada vez mais, quando a gente pensar no sistema nacional de educação, temos de pensar também na rede privada. Não como uma intervenção do Estado no setor privado, mas como uma regulação. Como existe agência reguladora de energia elétrica, de aviação, de comunicações, é preciso cada vez mais pensar, além da Lei de Diretrizes e Bases, dos pareceres do Conselho, e o CNE tem caráter mandatório, que é necessário uma regulação do sistema, do qual as escolas privadas fazem parte. É um negócio privado que deve ter regulação pública. Sobre o PNE, a meta para o ensino médio prevista no plano apresentado pelo executivo e em tramitação no Congresso é atingir 5,2 pontos no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) em 2021, numa escala que vai até 10. Não é uma meta longe demais?

Maria do Pilar Lacerda: Eu gostaria que a gente chegasse a 7 no ensino médio, mas temos de lembrar de onde saímos. Então por que o Ideb é realista? Porque ele não fala que todo mundo terá 6. Ele fala: saímos de 3. Para sair de 3 e chegar a 5.2 é necessário um esforço gigantesco. Se a gente ultrapassar essa meta, ótimo. O 6 já é a média dos países europeus. Então 5.2 não significa uma desgraça. Significa que você terá menos distorção na idade série, mais aprendizagem e mais concluintes. Se conseguirmos 6, ótimo. Mas será um esforço de uma nação. E não é um esforço de governo, é de Estado, pois este governo vai passar em 2014, teremos outro até 2018, e outro até 2022. Acho que ampliar a jornada de trabalho é importante, melhorar as condições de trabalho é importantíssimo e fortalecer a escola, para que ela tenha um projeto pedagógico sintonizado com seus alunos.   Em conversa com o professor Carlos Roberto Jamil Cury, que já foi presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, ele avaliou a meta como realista, diante do ritmo que estamos hoje, mas que representa um desastre para o país. Mas até 2021 não é um largo espaço de tempo?

Maria do Pilar Lacerda: São 10 anos. Um largo não, um curto, para fazer uma política que não foi feita em 100 anos. A Alemanha cria a educação primária obrigatória no início do século 17. O Brasil só conseguiu enxergar como direito público subjetivo em 1988, no final do século 20. Temos de fazer tudo ao mesmo tempo agora, fazer o que foi feito nos séculos 18, 19, 20 e o que deve ser feito no século 21.

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