Para o especialista em educação Daniel Cara, resultados do programa não podem ser usados contra o ensino público. Com os mesmos recursos, rede privada entregaria resultados bem piores, segundo ele
Dos 79 países que participaram do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), teste aplicado em 2018 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil ficou em 58º lugar. Diante de mais um dado ruim, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, foi logo tirando o corpo fora e culpando os governos do PT – e, como não poderia deixar de ser, o patrono da educação nacional, Paulo Freire.
Deixando de lado a falta de sensibilidade e de conhecimento de Weintraub sobre a educação brasileira e suas reais necessidades, o fato é que há anos o país participa desse teste que avalia o que os estudantes de 15 anos aprenderam em conteúdos de Português, Matemática e Ciências, sempre entre os últimos.
“O Brasil não evolui porque o não tem capacidade de criar novas políticas educacionais, de reorientar essas políticas e de tirar do papel a legislação, como Emenda Constitucional 59/2009, que ampliou a obrigatoriedade para o ensino e, mais do que isso, exigiu melhorias de ofertas de ensino, como escolas mais capazes de garantir que os professores tenham condições de ensinar e os alunos tenham possibilidade de aprender. Além disso o Brasil não tem cumprido a Lei do Piso do magistério e, principalmente, não tem cumprido o Plano Nacional de Educação, que era um roteiro, um instrumento de planejamento para que o Brasil avançasse em termos educacionais”, avalia o coordenador geral da coalizão Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara.
Cara considera que o país “não tem feito a lição de casa” e não tem investido em professores e os alunos brasileiros, que custam três vezes menos que os dos países desenvolvidos, e mesmo assim a escola pública brasileira “tira leite de pedra”. “Se a gente for analisar em termos de eficiência, aquilo que a escola pública entrega é muito comparado ao pouco que recebe. Se as escolas privadas tivessem o mesmo custo/aluno que as escolas públicas do Brasil, certamente entregariam uma educação ainda pior, porque boa parte das escolas privadas prestam serviço de péssima qualidade.”
Para o especialista, que considera que o Pisa não é um bom critério de avaliação da qualidade da educação – e sim o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb), que analisa a aprendizagem dos alunos, as condições da oferta do ensino e onde estão localizadas as escolas –, é preciso seriedade no debate da educação. E consciência de que o debate educacional é, antes de mais nada, social. Isso porque, no Brasil, em vez de servir como instrumento para o combate às desigualdades educacionais, os dados reforçam privilégios. E a educação pública, gratuita, laica, de qualidade, capaz de garantir justiça social e de ser uma base para a democracia se mantém como principal bandeira de luta.
Perseverança
O problema, segundo ele, é que não dá para fazer milagre. É preciso investimento adequado na educação ao longo de muito tempo, porque o bom resultado não é imediato. “Portugal começou a investir em educação a partir da Revolução dos Cravos, em 1974. Só começou a ter resultados em 2015. Demora, mas tem de ser um processo consciente, de replanejar e reorientar a política nacional conforme os dados de contexto e, principalmente, ser uma política perseverante. Ou seja, a prioridade da educação tem de percorrer muitos e muitos anos e ser decisão da sociedade e dos governos – o que não tem acontecido no Brasil”.
E essa política tem de estar integrada a políticas de saúde, de assistência social e de segurança pública inteligente, preventiva, e não repressiva, agressiva, pautadas na exclusão de pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade.
Para o especialista, os mecanismos para reverter esse processo consistem em ampliar a participação da União no financiamento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) –garantindo 40% dos recursos e um novo sistema de distribuição que beneficie matrículas mas ao mesmo tempo beneficie pequenos municípios que não têm condições de criar novas matrículas.
Para isso, ele defende a mobilização em defesa do Fundeb, cujas propostas legislativas que atendem suas necessidades enfrentam dificuldades para caminhar no Congresso Nacional. “A gente precisa se mobilizar também para desconstruir os ataques às escolas brasileiras a partir do uso dos dados do Pisa.”
Fonte: Rede Brasil Atual
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