Na esteira dessas ações, a criação de uma carteira digital para ‘facilitar a vida’ dos estudantes e medidas antissindicais do governo
Por José de Ribamar Virgolino Barroso*
Há algo de comum entre as medidas antissindicais do governo de Jair Bolsonaro e seus aliados e o recente ataque ao movimento estudantil escamoteado — ou não, haja vista as declarações do presidente — na criação de uma carteira digital para “facilitar a vida” dos estudantes, que substituiria a carteirinha emitida pelas organizações discentes.
O anúncio da medida provisória para tal, feito no início de setembro, foi acompanhado, inclusive, de alfinetadas à União Nacional dos Estudantes (UNE), de modo que ficou explícito que “facilitar a vida”, no distorcido vocabulário bolsonarista, implica tentar prejudicar financeiramente a principal entidade estudantil do país. Ou, em outras palavras, para sermos justos, até significa mesmo “facilitar a vida” se ela for a do próprio presidente e de seu governo, buscando enfraquecer algumas das vozes mais reverberantes da oposição, responsável por levar milhares de jovens às ruas, juntamente com os trabalhadores, nas mobilizações batizadas de Tsunamis da Educação.
A estratégia não é nova e já tem sido enfrentada pelas entidades sindicais de trabalhadores desde o governo golpista de Michel Temer. Nesse caso, os ataques sofridos vão da declaração de inconstitucionalidade da cobrança de contribuição assistencial aos não filiados aos sindicatos profissionais — decisão do Supremo tribunal Federal (STF) que fere completamente o princípio da isonomia — até a própria reforma trabalhista, que converteu a contribuição sindical em facultativa. O governo Bolsonaro, de sua parte, tentou agravar a situação com a Medida Provisória (MP) 873, de 1º de março, que extinguia a possibilidade das contribuições sindicais serem debitadas diretamente da folha de pagamento dos salários quando autorizadas pelos trabalhadores. A MP perdeu sua validade em junho, mas o presidente criticou o fato de o Congresso Nacional não ter lhe dado prosseguimento.
Com a retirada do desconto em folha, Bolsonaro pretendia asfixiar financeiramente e desmobilizar o movimento sindical. Foi um grave ataque contra o princípio da liberdade e autonomia sindical e o direito de organização dos trabalhadores, justamente num momento de resistência ao corte de direitos previdenciários. O mesmo se dá em relação ao movimento estudantil, com o propósito de tirar recursos financeiros para prejudicar a luta em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade.
Juntamente com a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), a UNE divulgou nota apontando a demagogia do governo ao anunciar a carteira de estudante digital, uma ânsia óbvia de desviar a atenção dos reais problemas da educação e da ciência brasileira. É ainda, como ressaltado pelas três entidades, uma ação autoritária com o objetivo de retaliar e enfraquecer o movimento estudantil e seus atos contra os cortes na educação.
No caso das organizações de trabalhadores, os ataques são igualmente evidentes. Tanto é que, depois da instalação do Grupo de Altos Estudos do Trabalho (Gaet), também no início de setembro, o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho, afirmou que o governo espera ter em 90 dias propostas para levar ao Congresso para o aprofundamento e a consolidação da reforma trabalhista. Mais do que isso: entre os órgãos temáticos do Gaet há um específico para tratar do tema da liberdade sindical e propor o fim da unicidade.
É claro que a discussão entre pluralidade e unicidade vem de muito tempo e é possível encontrar exemplos positivos e negativos em ambos os modelos. A complexidade dessa agenda trabalhista recém-aberta e sua relação com a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi inclusive apontada pelo sociológo e diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Gánz Lúcio. A questão é que, assim como “facilitar a vida”, a palavra “liberdade”, no dicionário bolsonarista, tem um significado completamente diverso da liberdade almejada pelo movimento sindical e pelo conjunto da classe trabalhadora.
Para resistir aos ataques, é mais do que urgente que o tema “a nossa luta unificou, é estudante junto com trabalhador”, entoado nas manifestações, faça-se atento e forte.
*José de Ribamar Virgolino Barroso é coordenador da Secretaria de Finanças da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee
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