O cientista político Fernando Haddad é um dos ministros mais bem avaliados do governo Lula em todas as pesquisas de opinião. Não deixa de ser surpreendente, porque sua pasta, a da Educação, é um gigante difícil de abraçar, com desafios igualmente enormes. E, depois, porque, embora com recursos equivalentes a 5% do PIB, volume razoável para qualquer país, educação, no Brasil, exceto em algumas ilhas de excelência, ainda é sinônimo de baixa qualidade e, no geral, alguns passos atrás dos outros países com os quais devemos nos comparar.
Filho de imigrantes libaneses, paulista, 45 anos, Haddad se declara, sem que se pergunte, de esquerda. Formado em Direito na Universidade de São Paulo, sua tese de doutorado, de meados dos anos 90, na Faculdade de Filosofia também da USP, faz uma atualização do materialismo histórico à luz das teorias do filósofo alemão Juergen Habermas. O mestrado, na Faculdade de Economia, da mesma USP, versou sobre aspectos sociais da economia soviética.
Haddad deixou a Universidade de São Paulo, onde era professor de Ciência Política, em 2000, para trabalhar com João Sayad, na secretaria de Finanças da Prefeitura de São Paulo, no governo petista de Marta Suplicy. Com a chegada de Lula à presidência, foi para Brasília, como secretário-executivo do MEC, então comandado pelo hoje ministro da Justiça, Tarso Genro, em 2003. Foi nomeado ministro há exatos três anos, em julho de 2005.
O grande desafio do ministro é melhorar a qualidade do ensino no Brasil. Repetência, evasão, baixa escolaridade, defasagem entre a faixa etária e a série cursada são os sintomas a serem enfrentados. Para superar esses desafios, Haddad se armou com um diagnóstico e um instrumento.
Segundo Haddad, políticas educacionais bem sucedidas são sistêmicas e integradas, exigindo esforço concomitante em todas as etapas do ciclo educativo – da creche à pós-graduação.
“A idéia de que focar primeiro na educação fundamental, para depois atacar o resto, ainda tem muitos adeptos, mas é totalmente equivocada e está na base dos nossos erros”, diz o ministro. “A educação só pode ser igual ou pior do que os professores, melhor, por definição, é impossível”.
A conclusão do ministro: “É preciso investir, crescentemente, no conjunto”. Isso significa não só investir nos professores, mas, sem dúvida, investir mais forte neles. Dá para entender, por isso mesmo, onde se insere o recente – e já polêmico – piso nacional de R$ 950 mensais para os professores brasileiros.
O sucesso dessa política integrada, no entanto, depende da aplicação dos instrumentos da avaliação. Avaliar bem e com transparência, na visão de Haddad, é o eixo organizador da melhoria, necessariamente gradual, da qualidade do ensino. “Sem recursos, e recursos crescentes, não se consegue reformar para melhor a educação pública”, afirma Haddad. “Mas sem resultados, os recursos nem chegam ou, se chegam, são desperdiçados”.
Durante mais de duas horas, numa manhã de clima especialmente seco em Brasília, Fernando Haddad falou, com exclusividade ao colunista do Último Segundo José Paulo Kupfer sobre os problemas, os desafios e as perspectivas da educação brasileira.
No final da conversa, ele observou nunca antes ter tido a oportunidade de expor tão amplamente suas idéias, dúvidas, ações, resultados e perspectivas da área que coordena, uma das mais críticas para o desenvolvimento do País.
Veja, abaixo, os principais trechos da entrevista (publicada no portal IG, em duas partes)
Primeira parte
O que vem primeiro: crescimento ou educação?Fernando Haddad: Estatisticamente falando, se pode dizer que existe uma forte correlação entre as duas variáveis. Os países que fizeram diferença em duas ou três décadas – Irlanda, Coréia, Japão – não cometeram os erros que nós cometemos. No período de alto crescimento, eles aumentaram os recursos em educação. Nós crescemos nos anos 50, 60 e 70 e não destinamos recursos de uma parte do crescimento em volume suficiente para a formação educacional da população. Estamos fazendo isso agora. Estamos conseguindo compatibilizar crescimento com formação, aplicando parte do crescimento em educação. Por isso, sou otimista. O Brasil está entrando num processo de crescimento sustentável e, aplicando recursos crescentes em educação, poderá transformar crescimento em desenvolvimento.
O problema da educação básica, no Brasil, não é mais o da oferta de vagas, mas o da manutenção das pessoas na escola, o atraso escolar, enfim, a qualidade do ensino. Como resolver o problema? Haddad: Entre 1995 e 2001, quando passou a ser possível medir, comparativamente, a qualidade do ensino, verificou-se uma queda nessa qualidade, medida pela proficiência em português e matemática. Na época, atribuiu-se o problema à própria inclusão de alunos em massa nas escolas. Mas eu reputo esse diagnóstico muito equivocado, até porque, quando a medição foi feita, a onda inclusiva já havia ocorrido.
Qual seria a explicação correta?Haddad: Em minha opinião, nós cometemos alguns equívocos graves no passado recente e ainda há quem insista no erro. O mais grave deles foi fomentar uma determinada idéia de educação que opunha educação superior à educação básica, como se fosse possível optar por um nível de ensino em detrimento do outro. O que a experiência internacional demonstra é que países bem sucedidos na educação adotaram visões sistêmicas e integradas. As reformas educacionais de sucesso, que nunca foram revoluções, porque nunca aconteceram de um ano para outro, mas se deram no curso de pelo menos uma geração, não só adotaram essa visão sistêmica como garantiram níveis crescentes e concomitantes de investimento em todas as etapas do processo de escolarização.
O que se pode entender por visão sistêmica?Haddad: A experiência internacional comprova que só investindo, ao mesmo tempo, da creche à pós-graduação é que se pode ter uma educação de qualidade. Quando um país faz isso para valer, não só na retórica, ou seja, com investimentos consignados em orçamento para todas as etapas do ciclo educativo, poderá conseguir, ao longo de pelo menos uma geração, alcançar um estágio de educação de qualidade.
Quer dizer que a idéia tão generalizada de que é preciso primeiro investir na educação básica para depois cuidar dos outros níveis é equivocada?Haddad: Isto é um absurdo em termos. Para começar, porque não existe um sistema educacional melhor do que a qualidade dos professores – ele pode ser igual ou pior, melhor impossível, por definição. Se os professores têm que ser bem formados no nível superior, não há como dissociar uma coisa da outra. E o Brasil procurou dissociar com o chamado foco na educação básica em detrimento da educação superior.
Por falta de recursos?Haddad: Também por falta de recursos. Não por acaso, a qualidade da educação cai, a partir de 1995, com a introdução, em 1994, da figura da desvinculação das receitas da União (DRU). Dezenas de bilhões de reais foram deslocados do ministério da Educação nesse período. E, então, segmentamos e fragmentamos o ciclo educacional. Passamos a só ter olhos para a educação fundamental, de um lado, e para a pós-graduação, no outro.
Quando abandonamos essa visão equivocada e passamos a desenvolver programas em todos os níveis de ensino, o que se verificou, pela primeira vez entre 2005 a 2007, foi uma melhoria consistente de todos os indicadores de qualidade. Melhorou a taxa de aprovação, houve queda tanto na repetência quanto na evasão. Melhoraram os níveis de proficiência em matemática e em língua portuguesa, nas três séries avaliadas – a quarta, a oitava e a terceira do ensino médio. Quando você passa a considerar a educação na sua totalidade você passa a colher os frutos.
Poderia dar exemplos do que significa “investir para valer igualmente em todo o ciclo educacional”? Haddad: O antigo fundo de financiamento da educação focava no ensino fundamental e nós o substituímos por um fundo que foca no ensino básico. Saiu o Fundef e entrou o Fundeb. O que está por trás da troca de letras não é pouco. É a inclusão da educação infantil e do ensino médio no fundo. É também a complementação dos recursos da União, que foi decuplicada. É ainda a diferenciação do coeficiente de distribuição do dinheiro por matrícula, valorizando a escola que oferece tempo integral. Dependendo do tipo de matrícula, o município e o Estado recebem mais ou menos recursos. Quando é de tempo integral ele recebe mais.
Esse dinheiro a mais veio de onde?Haddad: Veio do orçamento da União. A média de complementação da União, durante os dez anos de vigência do Fundef, foi de R$ 500 milhões anuais. Agora em 1º de janeiro de 2009 a complementação da União chegará a R$ 5 bilhões ao ano – dez vezes mais. Os recursos estão sendo aplicados também para equalizar as oportunidades de educação no que diz respeito às regiões mais pobres do País. Veja que por trás dessa letrinha tem uma visão diferenciada de investimento em educação.
Mas isso é suficiente para resolver o problema da qualidade do ensino no Brasil?Haddad: Vou dar outros exemplos. Vários programas de apoio estavam restritos ao ensino fundamental. Vou citar alguns: transporte escolar, merenda, Bolsa-Família e livro didático, que só existiam para o ensino fundamental. Todos estes programas de apoio foram estendidos a toda a educação básica. É uma visão de educação básica que não vê as etapas compartimentadas – educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. A ação de governo precisa alcançar o conjunto da educação básica. A União nunca teve, por exemplo, um programa de financiamento da expansão da rede física de creches e pré-escolas. Criamos o Pró-Infância com o objetivo de expandir a rede pública de creches e pré-escolas. Está provado que a educação infantil repercute no desempenho do aluno ao longo das demais etapas do processo educacional.
A implantação do ensino fundamental de nove anos está no ritmo previsto?Haddad: O ensino fundamental de nove anos pode parecer uma coisa lateral. Mas todos os países da América Latina, para não citar o mundo desenvolvido, têm Educação básica de 12 anos (nove anos mais três ou oito mais quatro). O Brasil era o único que tinha uma escolaridade obrigatória de 11 anos. São medidas que vão corrigindo as distorções do sistema. Já superamos a marca de 50% dos municípios com ensino de nove anos e o prazo para que todos se enquadrem vai até 2010.
E a escola integral ainda é muito pequena?Haddad: Ainda é pequena, mas está evoluindo. Não havia estímulo para que fossem oferecidas matrículas em tempo integral. O prefeito que matriculava em tempo parcial recebia rigorosamente os mesmos recursos que o prefeito que matriculava em tempo integral. Isso mudou. Quem matricula mais em tempo integral recebe mais.
O senhor já enumerou uma série de programas em implantação ou já em andamento. Tem dinheiro para tudo isso?Haddad: Estamos revertendo uma tendência histórica de queda do orçamento da educação. O orçamento em 2009 vai chegar a R$ 40 bilhões. Em 2004, era de R$ 20 bilhões. Com o apoio do presidente Lula, dobramos o orçamento do MEC em cinco anos. Temos de ter a clareza que o orçamento da educação deve crescer ano após ano e também de que nossa capacidade de gestão destes recursos tem que acompanhar a evolução do orçamento. Queremos resultados, não queremos só mais recursos. Numa palavra, queremos traduzir recursos em resultados. A melhoria dos indicadores de qualidade da educação é que dão segurança à área econômica, que coordena o Orçamento, de que o dinheiro destinado à educação é bem investido, vai repercutir, positivamente, no desenvolvimento do País.
Como o MEC pensa em eliminar a defasagem entre a faixa etária e a série cursada, que é um sintoma síntese dos maiores problemas da educação no Brasil? Haddad: Isso está sendo resolvido. Vou dar um dado que, para mim, é muito eloqüente. Em 1999, portanto, não faz muito tempo quando se trata do processo de evolução da educação, apenas 50% dos brasileiros com 25 anos de idade tinham concluído o ensino fundamental. Em 2006, já são 70%. Os 30% que ainda faltam estão em geral no campo. Por isso, estamos fazendo um esforço enorme para levar ao campo todos os benefícios que as cidades já têm. Enfim, se o ritmo prosseguir, podemos já vislumbrar que, em prazo relativamente curto, todos os brasileiros com 25 anos terão concluído o ensino fundamental. É claro que deveriam concluir essa etapa com 15 anos, mas o avanço é visível.
E a faixa de 7 a 14, que tem também um atraso que gera depois evasão?Haddad: O novo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que combina proficiência em matemática e português com taxa de aprovação, revelou um progresso bem razoável nesse aspecto. Fizemos um paralelo com Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Numa escala de zero a 10, o Brasil tinha, em 2005, média 3,8, enquanto a média dos países da OCDE, os países ricos, é de 6. Na medição de 2007, apenas dois anos depois, chegamos a uma nota média de 4,2. Se mantivermos o passo, podemos cumprir as metas e chegar à nota 6 em 2021. No ritmo atual, em 13 anos, o Brasil terá uma educação de qualidade comparável à dos 30 países mais ricos do mundo.
Esse ritmo não pode ser acelerado?Haddad: Acho que é possível, mas, para isso, temos de aprofundar a trajetória. Para chegar a esse resultado, várias medidas foram tomadas, mas se eu fosse apontar em um único aspecto principal, diria que foi a avaliação por escola do Ideb. A avaliação por escola organiza a escola. O gestor da escola sabe exatamente o mínimo que o MEC espera dele. Isso organiza o currículo, a sala de aula, o plano de trabalho, tudo à luz da avaliação que será feita permanentemente. A escola pode, assim, estabelecer metas realistas e correr atrás das próprias metas. Os estudos internacionais demonstram que, quando se tem uma avaliação combinada com responsabilização, o sistema reage de forma sustentável.
Tem prêmio para a escola que cumpre suas metas? Haddad: A variável de ajuste é a autonomia. A escola ganha autonomia ou perde, de acordo com o cumprimento das metas. Ou seja, o repasse de recursos se torna tão mais automático quanto mais ela demonstra merecê-lo.
O repasse é para escola? Vai direto do MEC, do governo federal, para a escola estadual ou municipal?Haddad: Uma parte do repasse do Ministério da Educação vai para a escola, na conta corrente da escola, direto do MEC. Este é o programa “Dinheiro direto para escola”, que não passa pelos cofres municipais nem estaduais. Isso é muito importante porque a variável de controle não é mais ou menos recursos, e, sim, o grau de autonomia que a escola vai ter na gestão desses recursos.
Qual o volume de recursos destinado a esse programa? Haddad: Do orçamento global de R$ 40 bilhões para 2009, o “Dinheiro direto na escola” tem quase R$ 1 bilhão. Quando chegamos, era menos de um terço disso. Quanto mais a escola cumprir metas, mais autonomia ela terá. Isso não significa, contudo, que a escola que não cumprir suas metas será punida com perda de recursos. Significa que o grau de liberdade dela diminui, que não receberá dinheiro suplementar e que terá de apresentar um plano de trabalho para justificar os recursos que recebe.
A avaliação por escola tem um óbvio efeito no curto prazo. Mas é sustentável no médio e no longo prazos?Haddad: A minha resposta é não, se outras medidas não forem tomadas para garantir a consistência deste ciclo de melhorias. A gente morreria na praia do ensino médio.
Quais são essas medidas?Haddad: Em primeiro lugar, em relação ao ensino médio, é investir forte na formação profissional, porque o aluno do ensino médio não está interessado na escola tradicional. Ele esta interessado na escola que amplia os seus horizontes e possibilidades intelectuais direcionadas ao trabalho. Por isso que três medidas, que já foram tomadas, são essenciais para melhoria do ensino médio.
Quais são?Haddad: Primeiro, expansão da rede federal de educação profissional. Eram 140 escolas federais em 2003, vamos pular para 354. Quero destacar esse fato: em quase um século foram feitas 140 escolas técnicas federais. O governo Lula vai entregar 214 novas. Segundo, programa “Brasil Profissionalizado”, R$ 1 bilhão da União, em quatro anos, para reestruturar a rede estadual de ensino médio. Terceiro, reforma do Sistema S, com a ampliação gradual e progressiva das vagas gratuitas no ensino profissionalizante do Senai, Senac etc.
Dobrar ou triplicar o número de escolas não é fácil, mas não é o mais difícil. Mais difícil é mantê-las funcionando e bem. Tem dinheiro para isso?Haddad: Essa mudança de R$ 20 bilhões para R$ 40 bilhões no orçamento da educação é para dar sustentação a isso.
Será suficiente?Haddad: Meu sucessor vai receber um orçamento consistente para manter e sustentar esses avanços. Segunda parteNesta segunda parte da entrevista, Fernando Haddad fala dos gargalos, no ensino médio e superior, e dos planos que concebeu para superá-los. É provocado a contar sobre outros planos, os pessoais. Candidatura a presidente, como já há quem insinue? Haddad recusou, como seria natural, assumir ambições políticas desse porte. ”Acho que isso está definido e o candidato para valer do presidente Lula é a ministra Dilma Rousseff”. Mas foi sincero quando afirmou não saber onde estará no dia 1º. de janeiro de 2011. ”Ser ministro”, disse, ”não pode ser plano de vida nem profissão de ninguém”. Voltar para a vida acadêmica? Para ele, esse é o caminho mais natural. ”Mas em política, o imponderável está sempre à espreita”, concluiu, deixando um mundo de possíveis ilações em aberto.A seguir, os principais trechos da segunda parte da entrevista com o ministro da Educação, Fernando Haddad.Vamos voltar à idéia de que a qualidade da Educação não pode ser melhor do que a qualidade profissional dos professores. Dá para imaginar que não bastam bons salários.Haddad: Exatamente. Por isso, estamos criando um sistema nacional de formação do magistério.
Quando e como vai funcionar? Haddad: Já está em curso. Estamos dobrando o número de vagas nas universidades federais e a ênfase da expansão é nas licenciaturas. Queremos aumentar o percentual de professores da escola pública formados em universidades públicas. Melhorar a qualidade da formação, tanto a formação inicial quanto a continuada. Utilizaremos também a Universidade Aberta do Brasil, mais voltada para a educação continuada, educação à distância, e os Institutos Federais, resultado da reforma dos atuais Cefets, as escolas técnicas federais de ensino médio.
Os institutos federais vão ter de destinar 20% do seu orçamento às licenciaturas de Química, Física, Biologia e Matemática. Estamos falando em alguma coisa em torno de R$ 400 milhões por ano em licenciaturas nestas quatro áreas, que é onde se concentra, atualmente, o maior déficit de professores. O sistema de formação do magistério é nacional, não apenas federal, porque vamos contar com as universidades estaduais também.
Há um gargalo no ensino médio.Haddad: O problema é que o ensino médio não está atendendo aos desejos e necessidades dos alunos. Há pouca aderência entre o que o jovem está aprendendo e o que ele gostaria – e, em muitos casos, tem necessidade – de usar no dia-a-dia. Vou dar um dado muito interessante: na educação de jovens, a EJA, que é o antigo supletivo, quando o ensino é tradicional, a evasão chega a 50%. Se o mesmo supletivo tiver um caráter profissionalizante, a evasão fica menor que 10%. O jovem não deixa a sala de aula quando percebe a conexão entre aquilo que aprende e a própria vida dele.
O programa primeiro emprego era é um emulador do ensino médio deste tipo. Como fazer para que esta formação profissionalizante não resulte em nova frustração?Haddad: O primeiro problema é como conectar o aprendizado com o mercado de trabalho. Os estágios para jovens oriundos de um ensino médio meramente propedêutico são apenas meios para contornar a legislação trabalhista e precarizar o emprego.
Como atrair o empresário para dar continuidade e sentido aos programas de educação profissionalizante?Haddad: A falta de estímulo ao ensino médio profissionalizante faz com que o empresário receba um jovem despreparado. O empresário sabe que o jovem começará do zero e, em conseqüência, só oferece as funções mais elementares, menos exigentes, como forma de obter mão-de-obra barata. Se, no entanto, o empresário receber um jovem preparado para determinadas atividades mais complexas, quanto mais a escola for preparada para orientar o estágio, mais poderá exigir e, na volta do parafuso, ser exigido. Não se pode exigir do empresário que ofereça aquilo que a escola não oferece. Num ensino médio profissionalizante de verdade, o estágio vai se qualificar como ato educativo e não como precarização do trabalho. O estágio é um eixo organizador.
O ensino profissionalizante tem vagas? E é suficiente para a demanda? Qual é a meta?Haddad: O problema é o inverso. Falta demanda no ensino médio, sobra vaga. O problema é que a escola está mal estruturada para receber os jovens. Tem muito na educação profissionalizante, por exemplo, para área de serviços, para ser desenvolvido. Eu acho que arrumando o ensino médio nessa direção, a demanda pode aumentar muito. Temos R$ 900 milhões para aplicar no programa Brasil Profissionalizado.
A Escola Técnica Aberta do Brasil, que é um ensino técnico à distância, está abrindo um vestibular com 50 mil vagas. Para a nossa surpresa o uso que está sendo feito dos recursos até o momento renderá mais de 100 mil vagas com um recurso de R$ 90 milhões dos R$ 900 milhões, segundo os indicadores no Brasil profissionalizado.
Com a Escola Técnica Aberta do Brasil, que é um ensino técnico à distância, faremos um vestibular com 50 mil vagas para ensino a distância. O resumo da história é que, se pensarmos nesses dois sistemas – educação profissional com forte apoio ao ensino médio, e à formação do professor, os ciclos serão sustentáveis no médio e longo prazo e as metas serão atingidas.
Ensino superior. Só 9% da população brasileira entre 18 e 24 anos está na faculdade. Nos outros países, inclusive alguns da América Latina, a proporção de jovens entre 18 e 24 anos na universidade passa de 30%. No Brasil, não chega a 10%. O MEC quer chegar nesses 30% já em 2011. Como isso será possível? Haddad: É preciso fazer uma diferenciação técnica. Quando se fala em atendimento, temos de diferenciar o conceito bruto do líquido. O conceito bruto espelha a divisão do número de matriculados de qualquer idade pelo número de pessoas entre 18 e 24 anos. O conceito líquido reflete a divisão dos matriculados desta faixa etária pela população entre 18 a 24 anos. Assim, se falarmos em termos brutos, já estamos beirando os 20% no ensino superior. Em termos líquidos, estamos com 11%.
Qual é o melhor?Haddad: É o liquido. Por mais que você expanda o acesso, se não corrigir o fluxo, ficará sempre defasado, sem demanda para a universidade dentro da faixa etária adequada. Em resumo, o pessoal chega tarde ao ensino superior e isso tem de ser corrigido.
Mesmo considerando a taxa bruta, aumentar em mais 10% o acesso à universidade em três anos não é muita ambição?Haddad: Vamos conseguir atingir a meta bruta porque temos cinco programas para acelerar o acesso ao ensino superior. Primeiro, o Prouni, que já incluiu 400 mil estudantes. Tem também financiamentos em novas bases. Estamos dispensando fiador e financiando 100% do curso, com carência. Há ainda a Universidade Aberta do Brasil, com cursos à distância, e o Reuni, que é o programa de expansão das vagas nas escolas federais, com o qual pretendemos dobrar o número de vagas em oito anos.
Finalmente, estamos transformando os antigos Cefets, os centros de formação tecnológica, de nível médio, em institutos federais, que também oferecerão educação superior para a formação de professores, em tecnologia com três anos de duração e algumas engenharias. Com isso, vamos cumprir a taxa bruta de 30% em 2011. Quanto à taxa líquida, nós temos que continuar nos esforçando para que os jovens cheguem ao ensino superior na idade adequada.
Por que o custo do ensino superior público é tão alto, muito acima do que se observa na maioria dos países de renda média, como o Brasil, e mais próximo dos países desenvolvidos?Haddad: Eu não acho que seja tão alto assim. O custo do aluno na universidade pública é de R$ 9 mil por ano. Sem considerar os custos dos hospitais universitários, o valor fica uns 20% menor. E tem caído. Com o Reuni, a relação de alunos por docente, que é de 12 para 1, deve passar a 18 para 1. O custo por aluno cai, sem perda na qualidade do ensino. Só com este aumento na relação alunos por docente, nossa estimativa é de uma queda de 30% no custo por aluno. Vamos nos aproximar do valor verificado no setor privado, que tem muito menor qualidade.
Os hospitais universitários entram na conta do custo por aluno?Haddad: Não deviam entrar, mas entram. Quando comparam o custo do aluno na universidade pública brasileira com outros países, muitas vezes para argumentar contra a universidade pública, não retiram do cálculo o custo dos hospitais universitários, distorcendo, de cara, a comparação. São 45 hospitais, que atendem a população como hospitais gerais de referência, totalmente com recursos do MEC, já que o SUS não vem pagando os atendimentos. Uma das minhas prioridades é reestruturar os hospitais universitários.
E a distância entre o que se gasta com o aluno na universidade e na escola básica?Haddad: Aí, sim, é preciso avançar. Só que o ponto não é o alto custo da universidade, que não é alta e, repito, está caindo. O ponto é o baixo investimento na escola básica. Quando chegamos, eram R$ 1,2 mil, em valores constantes. Hoje, cada aluno do ciclo básico custa R$ 1,5 mil. O ideal seria dobrar esse valor.
Quando vai chegar a esse nível?Haddad: A luta por mais recursos é dura, mas fundamental. Um ponto de honra, para mim, é recuperar os recursos da Educação que têm sido desviados pela DRU, que já passou pelo Senado Federal, o lugar mais difícil. Já temos também aval para aplicar parte dos royalties do petróleo na Educação. Se o crescimento da economia ajudar, acho que posso entregar com R$ 2 mil por aluno.
Como o senhor responde às críticas de que o Prouni é uma doação do governo federal a instituições particulares, que não conseguiam ocupar todas as vagas de que dispunham? Haddad: A diferença entre o período pré e pós Prouni é que agora tem que ter uma contrapartida para as isenções fiscais, na forma de bolsas de estudo. Nós não lançamos as isenções, elas vêm do governo passado, só que, antes, não havia a contrapartida. Acho incrível a crítica porque ela não existia quando as isenções eram concedidas sem contrapartida. Por que não se criticava quando as isenções não tinham contrapartida? Bastava montar uma associação sem fins lucrativos para não pagar nenhum tributo. Agora, não. A regulamentação exige a contrapartida em bolsas de ensino.
Os 400 mil alunos do Prouni sairão prontos para o mercado de trabalho? A qualidade do ensino dessas escolas é aceitável?Haddad: É por isso que estamos, paralelamente ao Prouni, regulamentando a qualidade, aprofundando os instrumentos de avaliação. Só este governo fechou 25 mil vagas de cursos de Direito de má qualidade, num total de 200 mil vagas. No passado, não havia nem marco legal para isso. Nós criamos as condições regulatórias para impedir a proliferação de cursos de má qualidade. Hoje, além dos cursos de Direito, estamos começando a supervisionar cursos de Pedagogia e Medicina. Em 60 dias, teremos novidades em relação essas duas outras áreas. Em seguida, vamos estender a fiscalização para as outras áreas.
A universidade, principalmente a universidade pública, produz ciência em volume semelhante aos asiáticos, mas, ao contrário deles, não transforma esse conhecimento em tecnologia, ou seja, em patentes aplicadas por empresas. De quem é a culpa: da universidade ou da empresa?Haddad: Eu acho que a culpa é do Estado. Não tínhamos nem marco legal adequado, que permitisse a criação de patentes. A lei da inovação é um passo, mas mais do que nisso, acredito na lei de incentivo à pesquisa, que está aprovada e, neste instante, com edital aberto, já com mais de 100 projetos apresentados. A lei é inspirada em várias experiências internacionais e também na lei Rouanet, de incentivo à cultura.
Como funciona?Haddad: A universidade e o parceiro empresarial apresentam um projeto de pesquisa aplicada. Uma comissão tripartite, formada por representantes do MEC, do ministério do Desenvolvimento e do ministério da Ciência e Tecnologia,avalia a capacidade de o projeto gerar patentes. Aí, qualquer empresa pode doar recursos para o projeto e abater em tributos até 85% do valor do projeto. O que a empresa arriscar, a parte que faltar para 100%, ela participa na propriedade intelectual da patente. É um mecanismo inédito e muito engenhoso que permitirá que o setor privado abata impostos, tome riscos e participe da propriedade intelectual. Além disso, a parte que não ficar com o empresário, não fica com o MEC, fica com a universidade. Uma diferença importante em relação à Lei Rouanet é que não há limite de isenção.
Qual é a estimativa de investimentos nessa modalidade?Haddad: Este ano, que é o primeiro, todo mundo aprendendo como funciona, a previsão de investimento é de R$ 150 milhões. Mas, se pegar bem, pode ser o dobro ou triplo disso.
O MEC vai aprofundar o sistema de cotas para ingresso nas universidades públicas?Haddad: Eu gosto do sistema. Nem por nada, mas porque o vestibular é ingrato e não seleciona todos os que mereceriam. Além disso, a saída do governo para a questão das cotas é engenhosa. Existe uma reserva para a escola pública e, dentro dessa cota, há uma sub-cota racial, de acordo com a proporção de negros e indígenas na população local.
Não há o risco de piorar a qualidade da universidade pública com as cotas?Haddad: Todas as experiências mostram que isso era um mito e um preconceito.
Quando a classe média vai voltar para a escola pública?Haddad: Já tenho conhecimento de mães de classe média que estão matriculando seus filhos na escola pública porque ganharam confiança em razão das avaliações e dos indicadores de qualidade por escola. Por conta desses indicadores, muitos mitos vão cair por terra. Mas, antes disso, é preciso lembrar que a velha e boa escola pública, de que tantos têm saudade, não era bem escola pública. Não atendia nem 30% da população. Era gratuita, mas não exatamente pública.E o futuro pessoal? Ficaria surpreso se, no fim de tudo, uma indicação como candidato à presidência caísse no colo?Haddad: Eu acho que o processo está mais ou menos definido. Temos muitos outros companheiros mais credenciados para pleitear.
A pergunta não é sobre os outros. Haddad: É óbvio que, em política, o imponderável está sempre à espreita. Mas eu acho que o Presidente está muito envolvido com um projeto que ele considera viável e que, até prova em contrário, é viável mesmo. Há várias manifestações dele e de assessores de que a ministra Dilma Rousseff é a candidata do Presidente para valer.
Continuaria num governo Dilma?Haddad: Primeiro, não depende só de mim. Segundo, ninguém, pode ter como plano de vida ser ministro. Eu vou chegar em 2010 com cinco anos e meio de ministro, mais um ano e meio de secretário executivo. Sete anos e meio de MEC, no total. Somando o tempo da prefeitura de São Paulo, serão dez anos fora do meu habitat natural, que é a universidade. Observando de outro lado, vejo que dá para voltar melhor para a academia, com toda a experiência acumulada, ainda mais na minha área, que é a da Ciência Política. Conclusão: não tenho qualquer problema em voltar para a vida acadêmica, mas, com sinceridade, não tenho idéia do que será o meu futuro. Só sei que essas questões não tiram um segundo do meu sono.
Fonte: iG
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