Estabelecer limites entre a jornada de trabalho e o tempo livre é uma tarefa cada vez mais difícil para os brasileiros. Pesquisa divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), nesta quarta (21), mostra que, apesar da anunciada pujança da economia, da redução do desemprego e do aumento da contratação de trabalhadores formais, o brasileiro trabalha cada vez mais e com maior intensidade.
“Todas as análises que têm sido feitas demonstram que desde os anos 2000 o mercado de trabalho brasileiro tem melhorado muito: há, por exemplo, mais gente ocupada, menos desempregados e mais assalariados do ponto de vista formal, com carteira assinada. Mesmo assim, as pessoas estão trabalhando mais, de forma mais intensa, e esse tempo de trabalho está invadindo cada vez mais a vida particular das pessoas”, diz o técnico em Planejamento e Pesquisa do Ipea, Andé Gambier Campos
“Parte desta contradição pode ser explicada porque as fronteiras entre o tempo de trabalho e o tempo livre estão se diluindo. Mesmo após completar a jornada formal, o trabalhador não consegue se desligar e acaba levando trabalho para casa, para o transporte coletivo, enfim, para seu período de descanso”, afirma o técnico.
Foram entrevistadas 3.796 pessoas, em áreas urbanas das cinco regiões do país. Assalariados e autônomos apresentaram percepções bastante diversas. “Os trabalhadores subordinados, os assalariados, vivem uma realidade muito específica, diferente dos autônomos. Os assalariados enxergam com muita clareza a diferença entre tempo livre e tempo de trabalho. Já os autônomos, não”, esclarece o técnico do Ipea.
Quase metade dos entrevistados (45,4%) disse que não se desliga totalmente do trabalho após o término da jornada formal. As novas tecnologias têm impacto preponderante na redução do tempo livre. Por meio delas, são acionados e monitorados os 26% dos entrevistados obrigados a ficarem de prontidão pelos seus superiores. Outros 8% precisam desenvolver alguma atividade extra, por meio de celular ou internet.
Além disso, 37,7% sentem que o tempo livre vem diminuindo por causa do trabalho e 39,5% acreditam que o tempo dedicado ao trabalho já compromete sua qualidade de vida. Desses últimos, 13% alegam que o trabalho extra gera cansaço e estresse. Para 9,8%, compromete suas relações com a família; para 7,2%, prejudica o tempo para estudo, lazer e prática de atividades físicas; para 5,8%, dificulta as relações de amizade e, para 2,9%, causa falta de motivação para o próprio trabalho.
Quase metade dos entrevistados (48,8%) apresenta reações negativas quando precisa dedicar seu tempo livre às atividades laborais. Entretanto, esses trabalhadores não conseguem se organizar coletivamente para reagir à pressão excessiva, por medo de perderem o emprego. A reação mais comum, que atinge 36,7% deles, é a conformação individual. Outros 5,1% ficam tristes por não sentirem prazer no trabalho e 7% se revoltam por não terem tempo para se dedicar a outras atividades.
Apesar de todos os problemas, 78,5% dos entrevistados não pensam em mudar de emprego. “Trocar de trabalho ainda é um fenômeno muito impactante na vida das pessoas” afirma Campos.
Ainda que a pesquisa não trate especificamente do tempo de trabalho não remunerado, desenvolvido no âmbito doméstico, traz algumas informações a respeito: esse tempo de trabalho é significativo na vida diária dos entrevistados – um quarto das respostas indicam que em caso de nova lei prevendo a diminuição da jornada de trabalho, a principal destinação do tempo livre seria o cuidado com a casa e a família.
Redução da jornadaPara o presidente da CTB, Wagner Gomes, a pesquisa do Ipea demonstra a necessidade de a sociedade retomar a discussão sobre a redução da jornada de trabalho no país para 40 horas semanais – atualmente a lei permite 44 horas.
“Em geral, nós defendemos a redução da jornada pela quantidade de empregos que ela geraria no país, mas esse aspecto do tempo livre também é fundamental para o trabalhador”, ressalta do dirigente.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) define as 40 horas semanais como uma jornada de trabalho “adequada” para a classe trabalhadora. Há mais de uma década transita na Câmara dos Deputados projetos de lei com essa proposta, mas o debate não ganha corpo na sociedade, em especial pela pressão do empresariado.
“A redução é uma das bandeiras de luta das centrais sindicais. Ela faz parte da Agenda da Conclat, aclamada por 30 mil dirigentes em 2010. Seguimos em defesa das 40 horas, com a certeza de que a sociedade como um todo seria beneficiada por essa conquista”, sustentou Wagner Gomes.
Fonte: Vermelho
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