O Brasil perdeu um dos seus grandes historiadores e especialistas em cultura e herança africanas do nosso país. José Rufino dos Santos, professor, pesquisador, escritor, historiador e jornalista, faleceu no dia 4 de setembro, aos 74 anos, em decorrência de complicações de uma cirurgia cardíaca. Seu legado, que inclui a resistência à ditadura militar e uma importante luta contra o racismo no Brasil, o torna uma referência para as futuras gerações.
“Uma perda para a terra (Aiyê), pela falta de suas palavras materializadas na luta contra o racismo e o reconhecimento do legado dos africanos na construção do Brasil. Joel Rufino foi um alfabetizador em direitos raciais e, por conseguinte, em direitos humanos neste país banhado de eurocentrismo”, afirma a coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado e doutora em Etnobotânica Negro Africana, Angela Maria da Silva Gomes. Ela destaca que Joel Rufino caminhou com o movimento social negro em lutas fundamentais como a derrubada da Lei Afonso Arinos e a transformação do racismo em crime inafiançável; a derrubada do “mito de democracia racial” brasileira, mostrando que os negros seguiram pós-abolição alijados de todos os direitos básicos e submetidos à discriminação racial cotidianamente; e a implantação da Lei 10639, que introduz o ensino da história da África e afrodescendentes na escola. “Da denúncia passou para produção literária da construção da identidade negra tanto para as crianças como para adultos”, acrescenta.
O presidente da União dos Negros pela Igualdade em Minas Gerais, UNEGRO/MG Alexandre Braga, reforça que Joel Rufino foi um verdadeiro libertador da causa negra brasileira, aliando, como poucos, o refino acadêmico com o engajamento político em prol dessa causa. “Ele também transitou de forma altiva nos meios judiciários, no Rio de Janeiro. Como professor da área de comunicação, fez parte da geração de intelectuais que denunciou a forma caricata como os negros eram mostrados pelas televisões da época, onde quase não se via atores de pele preta nos programas televisivos”, afirma. Alexandre ressalta ainda que o Brasil perdeu um dos grande nomes da geração de tendência marxista do Movimento Negro, “ pois essa tradição sociológica foi pioneira na explicação das desigualdades sociais e raciais pelo viés da luta de classes e como consequência da exploração econômica”.
Em entrevista ao Jornal Brasil de Fato, em 2014, Joel Rufino falou sobre a destruição que o capitalismo vem criando ao longo da história. “E no séc. XXI, pode-se dizer que o capitalismo piorou a vida humana, piorou as relações, foi matando tudo que caracterizava o ser humano. O racismo, que é uma coisa antiga, criada pela expansão europeia sobre a América e a África, ou seja, sobre negros e índios, se acentuou em razão da competição do capitalismo, do individualismo, da ignorância das massas, da falta de escola. Não da escola formal, mas do ensino, da reflexão; esse hábito de pensar duas vezes vai desparecendo. Hoje, o que a pessoa pensa, diz. E o que importa é como diz, onde diz e não o que ela diz. Então, essa é a razão profunda, o desenvolvimento da civilização capitalista”, afirmou Joel Rufino.
Joel Rufino, ao falar das torturas que sofreu no período da ditadura, questionou se valeu a pena todo o horror que ele e outros brasileiros passaram em nome da luta pela liberdade e igualdade. “A gente sofre para derrubar a ditadura e aí vê que a tortura continua nos pobres, negros, desvalidos. A Polícia continua torturando. Você sofreu para mudar a política econômica no Brasil . Será que mudou? Mesmo a partir de FHC, em que podemos dizer que foram feitas reformas, mas não fizeram nenhuma reforma estrutural. Os governos foram progressistas, avançados em muitos pontos, mas as grandes reformas não foram feitas: agrária, urbana, política, financeira. Então, pra que você sofreu? Para derrubar aquela ditadura? O que veio depois se parece muito com a ditadura, exceto no que se refere à tortura de jovens da classe média. Mas se parece – é um paradoxo”, declarou em vídeo, disponível na internet.
Joel Rufino afirmava ser difícil mexer com a característica estrutural do racismo. Ele defendia que uma das formas seria “mudar os papéis sociais, através de um poder político popular democrático, que faria reformas estruturais da sociedade brasileira, reformas base como se dizia antigamente, que mudariam as estruturas. Isso faria o racismo desaparecer”.
História
Filho de pernambucanos, Joel Rufino nasceu em 1941 em Cascadura, subúrbio carioca. Desde pequeno sempre leu muito e ainda criança escreveu seu primeiro livro, mas só teve o primeiro publicado em 1963. Doutor em Comunciação e Cultura, Joel se graduou em História ainda jovem quando foi convidado pelo historiador Nelson Werneck Sodré para ser seu assistente no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), onde conviveu com grandes pensadores, sendo um dos co-autores da História Nova do Brasil, um marco da historiografia brasileira.
Com o golpe de 1964, Joel, por sua militância política, precisou sair do Brasil, asilando-se na Bolívia, depois no Chile. Com o exílio, não só interrompeu a sua vida acadêmica, como também não participou do nascimento do seu primeiro filho, Nelson. Voltando ao Brasil, viveu semi-clandestino, e foi preso três vezes. As cartas, muitas, que escreveu para Nelson, foram, mais tarde, publicadas no livro Quando eu voltei, tive uma surpresa, considerado o melhor do ano (2000) para jovens leitores.
Com a aprovação da Lei da Anistia, foi reintegrado ao Ministério da Educação e convidado a dar aulas na graduação da Faculdade de Letras e posteriormente na pós-graduação da Escola de Comunicação da UFRJ.
Autor de mais de 60 livros e ganhador de vários prêmios de literatura, Joel escreveu obras de ficção e não ficção para crianças, jovens e adultos. Era casado com Teresa Garbayo dos Santos, autora do livro Conversando com casais grávidos.
Ao longo da sua vida, entre outras atividades, o historiador foi pesquisador do Instituto de Estudos da Religião (ISER), diretor do Museu Histórico da Cidade do Rio de Janeiro, presidente da Fundação Cultural Palmares (MINC), representante do Brasil no Comitê Científico Internacional da UNESCO para o Programa “Rota dos Escravos”, consultor brasileiro do Programa Escolas Associadas, da UNESCO e, desde fevereiro desde ano, foi diretor geral de Comunicação e de Difusão do Conhecimento (Dgecom) do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Confira alguns artigos de Joel Rufino nos links abaixo
A Vírgula Assassina – Joel Rufino
As Galinhas dos Ovos de Ouro – Joel Rufino
O Alicerce da Nossa Civilização
Chico Xavier x Bertrand Russell
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