Recomendado pelo Conselho Nacional de Educação em 2010, o Custo Aluno-Qualidade poderá ser enterrado pelo governo Bolsonaro com anuência do próprio colegiado, atualmente dominado por empresários.
A militarização do ensino público e o banimento de princípios da pedagogia de Paulo Freire são os principais projetos do governo de Jair Bolsonaro (PSL) para a educação. Mas há ainda outros planos. Um deles é enterrar de vez um indicador de investimento mínimo a ser adotado pelo Ministério da Educação (MEC) para reduzir as desigualdades educacionais: o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e o Custo Aluno-Qualidade (CAQ).
Na quinta-feira (21), a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que desenvolveu o indicador, foi alertada de que seriam aprovadas mudanças nos dois parâmetros em reunião extraordinária da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), hoje (26).
E ontem o Diário Oficial da União (DOU) publicou a Portaria 649/2019, que altera a composição do Comitê Permanente de Avaliação de Custos na Educação Básica do Ministério da Educação (CPACEB), criado em março de 2018, pela Portaria 233. Exclui a representação do Fórum Nacional de Educação e a inclui dos subsecretários de gestão fiscal do Ministério da Economia e de Planejamento e de orçamento do MEC.
Outra mudança é referente à competência do grupo, de analisar “mecanismos federativos de cooperação e colaboração”, uma vez que exclui as terminologias Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e Custo Aluno-Qualidade (CAQ), que até então estavam presentes em todas as Portarias que normalizaram tal grupo.
“Trata-se de uma ação orquestrada para esvaziar e anular a Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE), de 2010, que reconhece que as políticas de educação devem dialogar e estar articuladas com o CAQi para mensurar o montante de recursos para a educação”, disse o coordenador geral da Campanha, Daniel Cara.
Ele acredita que a tentativa poderá ser mais uma ação desastrada do governo que não resistirá a pressões. Com dificuldades financeiras, os secretários de educação de praticamente todas as cidades brasileiras começam a reivindicar a adoção do mecanismo para garantir recursos.
A resolução do CNE, no entanto, nunca foi homologada pelo Ministério da Educação. O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em junho de 2014, previa sua adoção até junho de 2016. No entanto, o governo de Dilma Rousseff, que discutia a incorporação, foi destituído um mês antes e o que se assistiu foram retrocessos no setor.
O CAQi e o CAQ indicam quanto deve ser investido ao ano por aluno de cada etapa e modalidade da educação básica. Leva em conta os custos de manutenção das creches, pré-escolas e escolas de ensino fundamental e médio de modo a garantir um padrão mínimo de qualidade para os alunos. Esse padrão é defendido na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), aprovada em 1996, e no Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014).
A Campanha divulgou uma carta à sociedade alertando para mais um retrocesso nas políticas educacionais, desta vez com anuência do Conselho Nacional de Educação. Com o governo de Michel Temer, o colegiado passou a ser dominado por empresários com setor por meio de indicações com viés político, econômico e ideológico.
Leia a íntegra do documento:
Governo federal quer desconstruir o CAQi/CAQ com a anuência do Conselho Nacional de Educação
Brasil, 25 de março de 2019
Na quinta-feira, 21 de março, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação foi alertada de que amanhã, terça-feira, 26 de março de 2019, a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CEB/CNE) foi convocada para reunião extraordinária com o objetivo de deliberar sobre o “Parecer pertinente ao Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e o Custo Aluno-Qualidade (CAQ)”.
Considerando que a Campanha Nacional pelo Direito à Educação é:
1. a formuladora – graças à colaboração do Prof. Dr. José Marcelino de Resende Pinto (FFCLRP/USP) – do único estudo de CAQi/CAQ que apresenta uma construção conceitual e determina valores para cada etapa e modalidade da educação básica;
2. a responsável pela incidência política que resultou na aprovação do CAQi/CAQ nas Conferências Nacionais de Educação (Coneb 2008, Conaes 2010 e 2014);
3. a entidade que cooperou formalmente com o Conselho Nacional de Educação para a redação do Parecer CNE/CEB n° 8/2010; e
4. a responsável pela incidência política que determinou a inclusão do CAQi/CAQ na Lei n° 13.005, de 25 de junho de 2014, do Plano Nacional de Educação (PNE);
os coordenadores da Rede solicitaram, na sexta-feira 22 de março, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), o acesso à decisão judicial em que se fundamenta a convocação da reunião extraordinária da CEB/CNE.
Na petição protocolada no CNE, pediu também o acesso aos autos do processo em que tramita o Parecer CNE/CEB n° 8/2010. Ainda, considerando o Regimento Interno do CNE, solicitou que se retire de pauta a referida matéria, prevista para ser examinada na reunião extraordinária da Câmara de Educação Básica de amanhã, haja visto que a convocatória não respeitou os valores democráticos da publicidade das decisões públicas, do dever de transparência, do direito à participação, e do controle social das decisões sobre políticas públicas. Ademais, solicitou que a reunião sobre o tema, quando ocorrer, seja aberta ao público, em respeito aos princípios legais brasileiros.
Diante dos fatos, os ex-presidentes da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) que participaram junto à Campanha Nacional pelo Direito à Educação da elaboração do sistema CAQi/CAQ e da incidência política que resultou na norma CNE/CEB n° 8/2010 e na inclusão do CAQi/CAQ na Lei do PNE assinaram Carta Pública alertando o Conselho sobre o risco de revogação da supracitada norma.
A Carta reiterou o apoio deste grupo, que conta com especialistas em gestão municipal, ex-conselheiros do CNE, e ex-secretária de educação básica do Ministério da Educação (MEC), à formulação de CAQi/CAQ elaborada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e desenvolvida desde 2002. Inclusive, recomendou ao CNE a leitura da última publicação sobre o tema, disponibilizada em junho de 2018, com valores de CAQi/CAQ atualizados em respeito às Leis brasileiras e normas do próprio CNE.
A tentativa de escanteamento do CAQi/CAQ e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação começa, oficialmente, em 15 de março de 2018, na forma da Portaria MEC n° 233/2018, editada pelo governo de Michel Temer. Essa peça revogou a Portaria MEC n° 142, de 16 de março de 2016, que contava com a participação da Campanha Nacional pelo Direito à Educação na “Comissão Interinstitucional para Implementação do CAQi/CAQ”. Além da Campanha, participava a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), representando a sociedade civil e os trabalhadores da educação, respectivamente. Na Portaria de 2018, além da alteração da nomenclatura do grupo, passando a ser denominado “Comitê Permanente de Avaliação de Custos na Educação Básica do Ministério da Educação (CPACEB)”, foram excluídas dessa instância a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a CNTE.
No dia de hoje, 22 de março, um dia antes da reunião secreta da CEB/CNE, foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) a Portaria n° 649/2019, que altera os artigos 1° e 2° da Portaria de 2018, excluindo representação do Fórum Nacional de Educação e acrescentando ao Comitê os Subsecretários de Gestão Fiscal do Tesouro Nacional do Ministério da Economia e de Planejamento e Orçamento do MEC, e modificando a competência do grupo a analisar “mecanismos federativos de cooperação e colaboração”, excluindo as terminologias do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e do Custo Aluno-Qualidade (CAQ), que até hoje estavam presentes em todas as Portarias que normalizaram tal grupo.
O financiamento adequado para a educação pública de qualidade jamais foi a preocupação dos governos da União. O Parecer CNE/CEB n° 8/2010 deveria ter sido homologado desde o governo Lula, passando pelas gestões Dilma, Temer e, agora, Bolsonaro. Não obstante, a partir do governo Temer, houve um claro interesse em desconstruir o sistema CAQi/CAQ, sendo o principal ataque desencadeado a partir de hoje, com a Portaria publicada no DOU, e sem qualquer transparência, a partir de qualquer deliberação a ser tomada pela CEB/CNE amanhã – cuja reunião esperamos que não ocorra.
Diante de um governo que anuncia acabar com as vinculações constitucionais às políticas sociais, em especial a educação; que protela os debates sobre o novo e permanente Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb); que exclui a sociedade civil e os educadores das deliberações sobre as políticas públicas educacionais; é preciso defender o sistema CAQi/CAQ, cujo objetivo é garantir que todas as crianças, todos os adolescentes, jovens, adultos e idosos que cursam ou deveriam cursar a educação básica tenham escolas dignas e capazes de garantir a realização do processo de ensino-aprendizagem.
O CAQi/CAQ objetiva garantir que a educação seja um caminho decisivo para o alcance da Justiça Social.
Para tanto, regulamenta as demandas dos artigos 205, 206, 208, 211, 212 e 214 da Constituição Federal de 1988, do inciso IX do artigo 4° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394/2016), da Lei do Piso do Magistério (Lei n° 11.738/2008), da Lei do Plano Nacional de Educação (Lei n° 13.005/2014), além de contribuir de forma basilar para a constituição do Sistema Nacional de Educação e do novo Fundeb, garantindo boa gestão dos recursos públicos e o controle social, colaborando decisivamente para a consagração do direito à educação.
Diante do exposto, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação exige a manutenção do sistema CAQi/CAQ e se coloca à disposição para encontrar caminhos para concretizá-lo. Uma contribuição factual para isto é a publicação “O CAQi e o CAQ no PNE: quanto custa a educação pública de qualidade no Brasil?”, lançada pela Campanha em 2018, com valores de CAQi e CAQ atualizados para todas as etapas e modalidades da educação básica, conforme a legislação nacional e as normas do CNE.
Assinam em nome da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação:
Daniel Cara
Coordenador Geral
Andressa Pellanda
Coordenadora Executiva
Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Ação Educativa
ActionAid Brasil
Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca)
Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF)
Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA-CE)
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)
Fundação Abrinq pelos Direitos das Crianças e dos Adolescentes
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (Mieib)
União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme)
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).
Entidade filiada ao
O Sinpro Minas mantém um plantão de diretores/funcionários para prestar esclarecimentos ao professores sobre os seus direitos, orientá-los e receber denúncias de más condições de trabalho e de descumprimento da legislação trabalhista ou de Convenção Coletiva de Trabalho (CCT).
O plantāo funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h.
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