Situação da mulher no projeto do governo Bolsonaro não muda caso a idade mínima seja reduzida de 62 para 60 anos. Para ter direito a 100% do benefício, será preciso contribuir por 40 anos
As mudanças que o governo Bolsonaro pretende realizar com a reforma da Previdênciapodem resultar numa combinação explosiva que torna o acesso às aposentadorias um sonho cada vez mais distante, especialmente para as mulheres. Mesmo após o presidente, Jair Bolsonaro (PSL), afirmar que a idade mínima de acesso às aposentadorias, para elas, poderia cair de 62 anos, como consta na proposta atual, para 60, ainda assim, pouca diferença fará, caso não se alterem os critérios relativos ao tempo de contribuição do projeto que foi apresentado ao Congresso Nacional.
De acordo com as novas regras defendidas pelo governo, o trabalhador que alcançar 20 anos de contribuição – o tempo mínimo fixado – terá o valor da aposentadoria correspondente a 60% da sua média salarial durante esse período. O valor aumenta 2% a cada ano que contribuir além do mínimo necessário. Se tiver 25 anos de contribuição, terá direito a 70% da média. Para ter direito a 100%, será preciso contribuir por 40 anos.
Segundo a professora de Economia e Relações do Trabalho do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Cesit-Unicamp) Marilane Teixeira, “é uma hipocrisia mexer na idade mínima sem tocar no tempo de contribuição, porque não vai fazer diferença nenhuma”. Segundo ela, pelo menos dois terços das mulheres que se aposentam atualmente alcançam o benefício pelo critério da idade mínima, fixado em 60 anos para elas – e 65 para eles, com 15 anos de contribuição para ambos. Elas chegam à idade da aposentadoria tendo contribuído aos cofres do INSS, em média, por 18 anos. Logo, para alcançar os 20 anos da contribuição mínima, de acordo com a proposta da reforma, teriam que trabalhar inevitavelmente até os 62.
Com o aumento da informalidade e do trabalho por conta própria, em que a maioria não contribui para a Previdência, alcançar o tempo mínimo de contribuição será um desafio. Já o benefício integral, que demanda 40 anos de contribuição, passa a ser um objetivo praticamente inalcançável para a grande maioria. “Uma pessoa que conseguiu manter um salário médio de R$ 2.000 nos últimos 20 anos, vai receber uma aposentadoria com valor em torno de R$ 1.200. Isso se conseguir manter essa contribuição.”
Ela diz que, desde a crise, as mulheres jovens, de 14 a 19 anos, tem sido o grupo mais afetado pelo aumento do desemprego. Para as mulheres brancas, nessa faixa etária, a taxa de desocupação atinge cerca de 60%. Para as negras, ultrapassa os 80%. Demorando mais para entrar no mercado de trabalho, mais tempo vão levar para atingir o tempo de contribuição para as aposentadorias.
As incertezas quanto ao acesso às aposentadorias devem, inclusive, servir como um desestímulo para que as mulheres busquem um trabalho formal ou continuem a contribuir para a Previdência, quando a atuação é por conta própria. Além disso, os valores dos benefícios correspondem à média salarial recebida – esse modelo previdenciário tende a perpetuar as diferenças de rendimento entre homens e mulheres, contribuindo assim para agravar as desigualdades, em vez de corrigir. Em 2017, segundo dados do IBGE, as mulheres recebiam em média 77,5% dos rendimentos pagos aos homens.
Por causa das dificuldades que sofrem para acessar o mercado de trabalho, as mulheres são maioria entre as que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que o governo Bolsonaro também pretende mexer. Hoje, o BPC garante um salário mínimo, a partir dos 65 anos, para aqueles com renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo. Com as novas regras, o governo pretende pagar, dos 60 aos 70 anos, benefício no valor de R$ 400. O salário mínimo só seria garantido a idosos a partir dos 70 anos.
“O problema é saber como essas pessoas vão sobreviver até lá. Se com um salário mínimo já é difícil, imagina com menos da metade”, critica Marilane. Segundo ela, no Brasil, são cerca de 43 milhões de mulheres que dedicaram a vida ao trabalho doméstico não remunerado, e que chegam à velhice sem outra forma de renda garantida, sendo diretamente afetadas pelos cortes pretendidos no BPC.
A proposta do governo Bolsonaro também iguala em 30 anos de contribuição e 60 de idade mínima, para homens e mulheres, o acesso às aposentadorias especiais para professores, policiais e agentes penitenciários. Hoje, eles se aposentam com 50 anos de idade mínima e 25 de tempo de contribuição, e eles com 55 anos de idade mínima e 30 de contribuição.
Para a economista do Cesit-Unicamp, trata-se de outro “descalabro” da reforma proposta pelo governo. Segundo ela, a proposta ignora a chamada segunda jornada, o tempo que a mulher gasta no trabalho doméstico não remunerado, que inclui o cuidado com a casa e com a família. Esse tempo é pelo menos o dobro do empenhado pelos homens, o que significa maior carga final de trabalho. Ela diz que esses critérios só poderão ser equiparados quando houver divisão igualitária do trabalho doméstico e quando as condições do mercado de trabalho também forem equiparadas, sem diferença salarial entre homens e mulheres.
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