Impõe-se a cada dia outro caminho a ser liderado por quem melhor compreender a convergência que se forma em torno da contrariedade ao receituário neoliberal.
Por Marcio Pochmann*
A crise global de 2008 abriu uma nova perspectiva de reorganização geopolítica mundial. Até então, o receituário neoliberal predominava desde o fim do acordo de Bretton Woods, que havia fixado a regulação do mundo das finanças a partir do fim da Segunda Guerra.
Por força disso, as finanças mundiais seguiram a cartilha regulacionista entre os anos de 1945 e 1975, o que permitiu importante ênfase do Estado na defesa do crescimento econômico com inclusão social. Essa fase, então, passou a ser reconhecida como sendo a dos trinta anos gloriosos do capitalismo.
Com o esgotamento do acordo de Bretton Woods, a partir da primeira metade da década de 1970, transcorreu o reposicionamento do papel do Estado em conformidade com o retorno da centralidade dos interesses nas finanças globais. Assistiu-se, assim, o agigantamento das corporações transnacionais em detrimento do apequenamento dos Estados nacionais e da regulação das instituições multilaterais internacionais.
O resultado disso terminou sendo, em geral, o retorno das desigualdades, com perdas significativas para o mundo do trabalho, deslocamento da produção industrial do Ocidente para o Oriente, esvaziamento das classes médias assalariadas e uma significativa fragilização das políticas públicas voltadas para o crescimento econômico com inclusão social.
O questionamento à ordem neoliberal governada pelas altas finanças vem gradualmente ganhando corpo desde a crise global de 2008, uma vez que as forças motoras da globalização passaram a perder potência. Entre os anos 1980 e 2008, por exemplo, o comércio externo, que representava quase um terço do PIB mundial saltou para cerca de 50% deste, enquanto em 2016 situou-se próximo de dois quintos, ou 40%, da produção global.
O atual descenso relativo do comércio externo na produção mundial tem sido também acompanhado do esvaziamento da participação dos ativos financeiros. Em contraste, a China imprime o projeto do cinturão econômico em torno da antiga rota da seda, cujo orçamento de 26 trilhões de dólares até o ano de 2030 envolve a participação de 65 nações que respondem por quase dois terços da população mundial.
Para além desses indicadores econômicos de esvaziamento da globalização neoliberal emergem simultaneamente as insubordinações políticas de significativa relevância, como a vitória do Brexit no Reino Unido, a negação das reformas liberalizantes de Renzi na Itália, a eleição de Donald Trump, o enorme apoio à Frente Nacional na França, entre outras. De maneira geral, levantam-se cada vez mais fortes as vozes contrárias à combinação do endividamento predatório das altas finanças, o livre comércio, a austeridade fiscal, as reformas degradantes da sociedade e o avanço do trabalho precário.
Todas essas manifestações tendem a apontar para o rechaço da ordem atual do capitalismo financeiro global. No Brasil, isso não parece ser diferente, uma vez que as manifestações populares, cada vez maiores, colocam-se em oposição à “Ponte para o Futuro” do governo Temer e seus aliados neoliberais.
Neste caso, uma inegável expressão de cegueira institucional, quando a elite que domina se nega a ver a força da realidade. Tal como avestruz, procura esconder a sua cabeça do todo, imaginando superar, assim, os seus problemas.
Mas eles aumentam e impõem, mais dias, menos dias, outro caminho a ser liderado por quem melhor compreender a convergência que se forma em torno da contrariedade ao receituário neoliberal. Neste campo, a força da esquerda não se encontra só, pois também a extrema direita possui o seu leito próprio de crescimento em disputa no interior da sociedade.
*Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas
Fonte: RBA
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