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Niemeyer ao Brasil de Fato, em 2005: Lula podia ter feito mais; virar a mesa

6 de dezembro de 2012

Do Brasil de Fatopor João Alexandre P eschanski e Taís Peyneau, do Rio de Janeiro (RJ)

Leia abaixo entrevista exclusiva de 2005 que Oscar Niemeyer, à época com 97 anos, deu ao Brasil de Fato.

Sentado, em seu escritório em Copacabana, no Rio de Janeiro, Oscar Niemeyer balança a cabeça. “Cansamos de esperar as reformas que Lula prometia”, diz, comentando a crise do governo e do Partido dos Trabalhadores (PT). Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, o arquiteto revela que nunca teve ilusões em relação ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, segundo ele, chegou ao poder “cheio de ânimo”, mas sem um projeto para mudar radicalmente o Brasil.

Esboça um sorriso. Mantém-se otimista, pois “Lênin já dizia que sem sonhar as coisas não acontecem”. Segundo ele, Lula ainda pode “virar a mesa” e implementar ações efetivas contra a pobreza. Para tanto, sugere, deve tomar exemplo nos presidentes cubano e venezuelano, Fidel Castro e Hugo Chávez.

Segundo Niemeyer, mais do que nunca é preciso voltar-se à luta por mudanças radicais. Diante da possibilidade de transformar o mundo, outras atividades – até mesmo a arquitetura – perdem importância. Diz isso e caminha para a sala. Nas paredes, frases que escreveu. “Revolução”, “Terra para todos”, “Por um mundo melhor”. Ao lado, nas mesmas paredes, rascunhos e desenhos de suas obras.

Brasil de Fato – Apesar da queda do muro de Berlim, da dissolução da União Soviética e, agora, da crise do PT, o senhor continua a ser comunista. De onde encontra motivação?

Oscar Niemeyer – Deste mundo de pobres que nos cerca e até hoje espera por uma vida melhor.

O comunismo é a solução?

O comunismo resolve o problema da vida. Faz com que a vida seja mais justa. E isso é fundamental. Mas o ser humano, este continua desprotegido, entregue à sorte que o destino lhe impõe.

Como se constrói, no ideário popular, uma visão positiva do comunismo – termo que parece estar bastante desgastado desde a derrocada da União Soviética?

A Revolução Russa de 1917 fez de um país de mujiques a segunda potência mundial. Foi fantástico. Setenta anos de glória e a vitória definitiva contra o nazismo. Não podemos esquecê-la. Sabemos que é o caminho a seguir.

No Brasil, a crise que afeta o PT e Lula enfraquece a luta pelo comunismo?

Não, ao contrário. A situação se faz tão difícil e degradada que um dia só a revolução resolverá os nossos problemas. Quando houve a eleição do Lula, declarei que meus candidatos seriam ou João Pedro Stedile, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ou Leonel Brizola, ex-governador do Rio de Janeiro. Esses homens são de luta. Lula é um ex-operário, cheio de ânimo, mas nunca foi comunista. Seu projeto era melhorar o capitalismo, o que é um objetivo impossível, a meu ver. Minha posição é que precisamos de um presidente que tenha a força de virar a mesa e realizar mudanças radicais, como Castro e Chávez.

Qual o impacto da crise na esquerda?

Cansamos de esperar as reformas que Lula prometia. Para nós ele deveria se ligar à esquerda do PT e cumprir as promessas que fez ao povo. Seria a sua última oportunidade.

Lula tem força e, principalmente, vontade para uma mudança radical?

Tinha. Mas para mantê-la ele teria que se ligar ao povo, apoiar com maior vigor a reforma agrária, o MST, o movimento mais importante que existe em nosso país. Deveria ser menos gentil com os donos do dinheiro, inclusive com o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, um cretino que não devia existir.

O que deu errado no PT?

Um partido de esquerda que se enfraquece esquecendo as suas origens… Até o MST, um movimento que Stedile lidera tão bem, não teve do governo atual o apoio que deveria ter. Sobre tudo isso escrevi num artigo comentando como é difícil mudar este mundo coberto de miséria e discriminação.

Nesse artigo, o senhor disse que era preciso ser otimista. Continua com essa opinião?

Sim. Lênin já dizia que sem sonhar as coisas não acontecem.

O senhor concilia arquitetura e comunismo, que parecem distantes…

A vida é mais importante do que a arquitetura. A arquitetura não muda nada, mas a vida pode mudar a arquitetura.

O que é uma arquitetura mais igualitária?

Aquela que a todos atende sem discriminação. Vou  esclarecer a vocês meu ponto de vista. Quando o governo decide fazer uma escola perto das favelas, a ideia é sempre fazer algo mais pobre. Isto é errado. Recentemente, projetei uma biblioteca e um teatro em Caxias. Fiz como se fosse para Copacabana, o projeto mais audacioso possível. Não pode haver discriminação. Quando Brizola fez os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), vimos que os meninos entravam nos prédios com orgulho, imaginando, na sua inocência, que os tempos iam mudar e eles poderiam começar a usufruir o que antes só às crianças mais ricas era permitido.

A arquitetura está muito vinculada ao urbano. É possível pensá-la para os camponeses?

A arquitetura obedece sempre a um programa e, no caso, seria diferente, voltada para a vida dos homens do campo.

Se pudesse voltar no tempo, o senhor participaria, de novo, da construção de Brasília?

Não sei. Brasília foi uma aventura, parecia o fim do mundo. E não eram poucos os problemas que ocorriam naquela época. Lembro que, logo nos inícios de Brasília, fui chamado à polícia política. Avisei o presidente, que, homem de centro que era, me advertiu: “Você não pode ir. Tiram o seu retrato, e eu não poderei mais recebê-lo no Palácio”. Mas o meu amigo logo se recuperou, telefonando para o general Amaury Kruel: “O Niemeyer não pode ir. É meu elemento-chave em Brasília”.

O senhor foi à polícia política?

Niemeyer – Mais duas vezes. Numa delas, só para ser “escrachado”, como se diz, isto é, ir de mesa em mesa, apresentando-se aos policiais de plantão. Na outra vez, quando voltei ao Brasil, lembro que fui levado para uma sala acolchoada, onde um policial me fazia as perguntas que um crioulinho batia à máquina. Recordo a última pergunta: “O que vocês comunistas pretendem?” “Mudar a sociedade”, respondi. E o policial disse ao rapaz: “Escreve aí: mudar a sociedade”. E o crioulinho riu, dizendo para mim: “Vai ser difícil”.

Muitas vezes, o senhor foi criticado porque Brasília é muito vazia. No entanto, sempre que desenhou a cidade, enchia-a de gente. A cidade saiu como o senhor queria?

Ao contrário, hoje Brasília tem gente demais. Até o tráfego começa a ficar difícil.

Setores da direita e esquerda discutem o impeachment do Lula. No geral, rejeitam a hipótese. O que o senhor acha disso?

É péssimo. Os que são contra o Lula são muito piores.

Se o presidente realmente estivesse ameaçado de ser derrubado, o senhor acha que as pessoas sairiam às ruas para defendê-lo?

Depende dele. Depende dele.

O que isso quer dizer?

Que ele tem que agir, apelar para as bases. Ele prometeu muita coisa e, para acabar seu governo como um homem digno, de pé, precisa cumprir as promessas.

O que aprendemos com a tomada do poder por Lula e com a crise que o assola?

Um aprendizado muito duro… É que infelizmente falta conhecimento político ao nosso povo para decidir coisas dessa natureza. Sempre reclamamos não serem levados à juventude os problemas da vida e do ser humano, cuja compreensão deve fazer parte de sua formação. Cada um sai da escola apenas interessado nos problemas de sua profissão.

O que quer a direita?

Manter este clima de poder, de injustiça social e de subserviência ao império norte-americano.

Dizem geralmente que quem controla o mundo é o Bush.

O Bush, no fundo, é um idiota que tem as armas na mão e delas se serve para levar o terror às áreas mais desprotegidas. Representa o capitalismo, que, decadente, tudo faz para subsistir.

Na arquitetura, o senhor está trabalhando em algum projeto que traduza sua visão atual do Brasil e do mundo?

Se eu fosse jovem, em vez de fazer arquitetura, gostaria de estar na rua protestando contra este mundo de merda em que vivemos. Mas, se isso não é possível, limito-me a reclamar o mundo mais justo que desejamos, com os homens iguais, de mãos dadas, vivendo dignamente esta vida curta e sem perspectivas que o destino lhes impõe.

A arquitetura não tem função social?

Deveria ter. Mas, quando ela é bonita e diferente, proporciona pelo menos aos pobres e ricos um momento de surpresa e admiração. Mas quanto lero-lero! Na verdade, o que nós queremos é a revolução.

Quem é – Nascido em 1907, Oscar Niemeyer Soares Filho é arquiteto e militante comunista. Formou-se em 1934 na Escola de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Onze anos depois, ingressou no Partido Comunista Brasileiro. Manteve a militância durante toda a vida. Entre seus principais projetos estão o desenho da sede da Organização das Nações Unidas (ONU), o Parque do Ibirapuera em São Paulo (SP) e, principalmente, a construção de Brasília, onde foi responsável pelos projetos do Palácio da Alvorada, do Congresso Nacional e da Catedral.

Glossário

Mujique – Nome dado aos camponeses russos que viviam em regime feudal. O governo revolucionário, instaurado em 1917, após a Revolução de Outubro, implementou diversas políticas para melhorar as condições dos trabalhadores, especialmente os rurais.

Cieps (Centros Integrados de Educação Pública) – Idealizados por Brizola, em 1983, e projetados por Niemeyer, são escolas de período integral. Atendem em média 1.000 crianças por dia, oferecendo, além de aulas, atividades culturais, esportivas e lazer. Há 500 unidades em funcionamento, geralmente instaladas em áreas pobres do Estado.

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