Pesquisador alerta que a reforma do ensino médio troca formação escolar por cursos de baixa complexidade que serão ofertados por atores privados. Mudança ‘reduz horizontes’ dos alunos mais pobres da rede pública
Por Redação RBA
O chamado Novo Ensino Médio, que começou a ser implementado por alguns governos estaduais, entre eles o de São Paulo, tem entre seus objetivos a promessa de uma educação técnica profissionalizante. Mas, na verdade, substitui a formação escolar ampla por “cursos de baixa complexidade que serão ofertados por atores privados, e não mais pela escola pública”. É por conta disso que a proposta ganhou o apelido de “ensino médio nem-nem”, como alerta o professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Fernando Cássio, integrante da Rede Escola Pública e Universidade (Repu) e do comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual, o pesquisador aponta que se trata de mais um modelo na área de educação que é excludente e que prejudicará principalmente os estudantes de baixa renda da escola pública. “No fim das contas, estamos tirando desses jovens a possibilidade de prosseguir nos estudos. Não estamos ampliando horizontes, estamos reduzindo horizontes para esses jovens, especificamente, os mais pobres”, observa.
O chamado Novo Ensino Médio é uma proposta que surgiu na Base Nacional Curricular Comum (BNCC), ainda durante o governo de Michel Temer (MDB), por meio da Medida Provisória (MP) 746/2016. A reforma acabou sendo aprovada e compartilhada com o governo de Jair Bolsonaro, incluído no debate pelo interesse de secretários estaduais de Educação em implementá-la. Em especial, o do governo de João Doria (PSDB), que tem à frente como chefe da pasta Rossieli Soares, ex-ministro da Educação de Temer e um dos coordenadores da reformulação.
Ensino nem-nem
Todo o debate, contudo, quanto às mudanças no currículo do ensino médio ocorreram à revelia da comunidade escolar. Embora tidos como adversários, tanto o governador de São Paulo João Doria (PSDB) como o presidente Jair Bolsonaro estão alinhados em relação à proposta. Isso porque “comungam de alguns dos valores elementares, que é essa ideia bastante elitista de uma escola que separa ricos e pobres. Ela vai oferecer aos mais pobres um tipo de formação que é rebaixada e reduzida”, segundo Fernando Cássio. “O que ‘novo’ ensino médio faz agora em São Paulo e em outras redes é juntar todas essas partes numa reforma de estrutura da escola brasileira que é sem precedentes”, afirma o educador.
A principal crítica do pesquisador é quanto à suposta oferta de um ensino médio técnico profissionalizante. O governo paulista defende que ela garantirá uma profissão aos alunos após saírem da escola, medida que teria como alvo chamada geração nem-nem, que nem estuda e nem trabalha. Na prática, porém, esse ensino médio divulgado será composto apenas por cursos de carga horária reduzida e que não fornecem diploma de ensino técnico.
Formação rebaixada
Uma “reinvenção”, segundo Fernando Cássio, do ensino profissional e tecnológico oferecido pelos institutos federais e escolas técnicas estaduais de São Paulo vinculadas aos Centro Paula Souza, as Etecs, instituições acessadas apenas por meio de provas de seleção. E que deixam de fora principalmente os estudantes mais pobres para privilegiar aqueles com maiores condições de estudo ao longo dos primeiros anos de vida.
“Ao invés de ampliar a educação profissional e tecnológica para populações que não têm acesso a ela, produzindo de fato a possibilidade desses jovens terem mais escolhas, o que eles fazem é produzir uma nova educação profissionalizante rebaixada, que vai ser destinada a estes jovens que no fim das contas não terão diploma técnico porque a carga horária é muito menor. Então, um jovem que fizer um curso desses na escola regular, terá, se quiser, que passar um ano e meio em uma escola técnica para complementar a formação e pegar seu diploma técnico, a sua habilitação. Mas isso não vai acontecer porque as escolas técnicas regulares públicas não estão sendo ampliadas para atender o aumento da demanda por habilitação técnica”, destaca o educador.
Ele também crítica a substituição da formação escolar generalista por “cursinhos profissionalizantes”. A avaliação é que escolas privadas ofertarão essa modalidade no mesmo turno em que os estudantes deveriam ter o ensino regular. “Os alunos vão passar menos tempo na escola estudando história, geografia, português, física, artes e vão passar mais tempo fazendo esses pequenos cursos nessas escolas. Então estamos falando de redução da formação escolar básica.”
Os interesses por trás
O rebaixamento apontado, segundo Fernando Cássio, está embutido na lógica neoliberal e no ideário do empreendedorismo. E, principalmente, em “um terreno vastíssimo de ampliação da privatização da oferta educacional direta”. “Você vai ter a contratação via licitação de escolas privadas, redes, que vão fazer esses serviços”, pontua.
Fernando Cássio conclui que por trás dessas mudanças está o que já disse defender o ministro da Educação, Milton Ribeiro, que as universidades devem ser “para poucos” “É exatamente essa concepção que está por trás do Novo Ensino Médio. Não se trata da gente dizer que o ensino superior é melhor do que o ensino técnico, o que acontece é que esse modelo de ensino médio cria dois degraus muitos definidos. Um degrau de um ensino profissionalizante de baixa qualidade e um ensino técnico profissionalizante, que já existe e que vai continuar sendo acessado por pouca gente.”, finaliza.
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