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“O capital internacional não está preocupado com o Brasil”

23 de novembro de 2007

A CONTEE acaba de lançar a segunda fase da Campanha Educação Não é Mercadoria. Qual o balanço que você faz da Campanha até o momento?Madalena Guasco Peixoto: O balanço dessa primeira fase é altamente positivo. Primeiro, porque a nossa idéia era lançar para a sociedade brasileira o tema “Educação não é mercadoria” para instigar o debate e a ação das entidades de Educação e do movimento social em favor da Educação. Em segundo lugar, queríamos levar a campanha a todas as regiões para que os nossos sindicatos pudessem fazer uma política própria e esse objetivo foi bem interessante, porque, ao invés de discutir a questão pensando num marco regulatório nacional, acabamos fazendo com que as Assembléias Legislativas, as Secretarias de Educação e Conselhos dos municípios e Estados também se preocupassem em regular a Educação privada. Isso tem sido muito importante, porque tem mobilizado politicamente as forças de cada região em cima de um tema fundamental, dando instrumentos para os movimentos sociais e as entidades atuarem, envolvendo as comunidades locais os poderes constituídos para debater o tema. E o terceiro desdobramento era debater com as entidades nacionais como a OAB, Andifes, que não são entidades diretamente ligadas ao tema, mas que congregam ou os dirigentes, como a Anfifes, ou a OAB, que está preocupada com a questão da mercantilização da Educação. Isso tem sido interessante, porque eles têm encampado a Campanha, tem divulgado nosso material e suscitado no debate interno de suas entidades. E do ponto de vista dos relacionamentos políticos, a CONTEE vai se firmando como uma entidade que, apesar de congregar os profissionais que atuam na rede privada, tem uma preocupação com a qualidade da educação, com a educação pública.

A Campanha foi apresentada, em audiência, para o Ministro da Educação. Como está a relação com o MEC?Madalena: O próprio Ministro Fernando Haddad agora tem usado, o tempo todo, a frase “Educação não é mercadoria”. Então, em certo sentido, estão usando o slogan da nossa Campanha (risos). Nós continuamos insistindo com o Ministério de que é preciso regular a Educação privada. Eles implementaram, pelo menos em parte, o SINAES (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior) e o CNE (Conselho Nacional de Educação) aprovou os instrumentos para avaliação de credenciamento e reconhecimento. De certa forma, o MEC tem se preocupado em estabelecer alguns marcos regulatórios, tanto para curso presencial, quanto para curso a distância, mas isso ainda é muito limitado. E, por isso, continuamos insistindo com o MEC no PL 7200 (Projeto de Reforma Universitária), dizendo que eles precisam fazer uma ação política no sentido de colocar o debate nacional, refletindo sobre o problema do engavetamento do projeto. Eles precisariam atuar politicamente para ver como vai resolver isso. Afinal, a atitude do governo de não retomar a discussão e não fazer nenhuma ação política no Congresso nos leva a crer que eles abriram mão do projeto. Então, a nossa crítica em relação ao MEC é de não colocar nada no lugar e não debater com aqueles protagonistas que ajudaram a formular o projeto. Na audiência que tivemos, o Haddad nos disse que não abriram mão, mas até agora não vimos nenhuma ação mais concreta.

A Campanha foi lançada em abril e de lá para cá houve um avanço muito grande na questão da abertura de capitais, gerando um impacto negativo no processo de desnacionalização da Educação. Qual é o reflexo disso na Educação brasileira e também na Campanha da CONTEE?Madalena: A Campanha “Educação não é mercadoria” é um grande tema e quando ela foi lançada, em seus sub-temas, a gente já levantava a questão da desnacionalização. Aliás, só a CONTEE falava sobre isso. Não haviam nem começado essas negociatas, mas já sabíamos que elas estavam em curso e nós lançamos a Campanha já atacando essa questão. De lá para cá, o que era um alerta se transformou num fato de abertura de capital para o mercado internacional. E hoje já é de conhecimento público que isso está correndo de forma acelerada. O que vai acontecer em decorrência disso é uma alteração do próprio sistema. O setor privado vê na abertura de capital algo vantajoso do ponto de vista lucrativo. Portanto, a tendência desse sistema será de se concentrar. As grandes instituições passarão a incorporar as pequenas, fazendo parte de um grande conglomerado corporativo, que deixa de ser instituição sem fins lucrativos, passa a ser com fins lucrativos, para poder entrar nessa ciranda da bolsa.Além disso, na Constituição diz que a Educação é ‘aberta à iniciativa privada respeitada as leis nacionais’. Mas se você tiver uma modificação no sistema a tal ponto que grandes conglomerados ou corporações – chamadas Instituições de Educação Superior – serão responsáveis por 200, 300 mil matrículas, dominando o sistema do ponto de vista quantitativo, e com capital internacional, nada garante que as leis nacionais vão ser respeitadas. Se essas instituições passarem a ser internacionais, com Sede no Brasil, nada garante que elas vão respeitar as nossas leis. Essa é uma outra implicação importante para avaliarmos o que está acontecendo.Por último, o que eu acho mais complicado e mais óbvio, apesar de pouca gente entender essa obviedade, é que o capital que entra nessas instituições não é oriundo necessariamente de uma outra instituição de educação. Então, o que está acontecendo no Brasil não é só uma instituição internacional de educação comprar uma outra instituição de educação do Brasil. Isso também está ocorrendo, mas o que está acontecendo, mais gritantemente, é você jogar a ação de uma instituição nacional na bolsa e investidores internacionais (que não são investidores cujo capital provém da educação) comprarem essas ações. Com isso, o que vai acontecer é que obrigatoriamente esses investidores vão querer lucrar na bolsa, e para que sejam valorizadas, elas vão ter que se reestruturar do ponto de vista administrativo, financeiro, para poder se tornarem empresas de capital e atrair investidores. Portanto, imagine o que será trabalhar numa instituição que quem controla, o administrador, que pode até ser um brasileiro, tem que prestar contas da sua eficiência, não a um Conselho Universitário, mas a um grupo de acionistas, como qualquer empresa, que trabalhe com ação, tem que prestar contas aos acionistas.

Como esse processo pode prejudicar para a Educação Superior brasileira? Madalena: A tendência desse capital que está entrando não é de melhorar a Educação, mas, sim, rebaixar a qualidade para aumentar o lucro. Porque Educação de qualidade no mundo inteiro exige investimento. Principalmente na educação superior, que envolve necessariamente a relação entre ensino, pesquisa e extensão. Se não corporificado no mesmo professor, necessariamente tem que estar corporificado na Instituição. E para ter isso, é preciso investir. Não pode ter apenas a relação do aluno e do professor em sala de aula. Tem que ter investimentos que não provém necessariamente dessa relação imediata. Então, esse tipo de educação que vai se objetivar o lucro, mesmo que o professor se preocupe, não vai ter nem de longe essa preocupação com quem ela está formando enquanto instituição. Afinal, esse capital não é nem nacional e não está preocupado com o Brasil. Está preocupado em ter lucro. Então se vai ser bons ou mal psicólogos, advogados ou médicos no Brasil para o mercado internacional não tem problema nenhum.

Se existe uma incompatibilidade entre a lucratividade e a educação de qualidade, qual é a fórmula que eles são adotar? Madalena: A tendência dessa desnacionalização é a padronização. Já existem instituições que estão pensando em material didático unificado, padronizado, pois fica mais barato. Portanto, a idéia é fazer uma educação superior padronizada, de baixa qualidade, com eficiência administrativa, e que reverta em muitos lucros. A outra tendência é usar a tecnologia a favor deles, utilizando o máximo possível as novas tecnologias para diminuir o tempo de curso, para diminuir a relação professor-aluno, não necessariamente em aula presencial. Mas só isso não vai bastar, então vão diminuir também tempo de atenção ao aluno. São os chamados ’mecanismos de eficiência administrativa’.

As IES têm um marketing agressivo contrariando essa posição, afirmando que a abertura de capitais vai trazer benefícios para a Educação, com qualidade e investimento. O que está por trás desse discurso?Madalena: Eles dizem o seguinte: como capital vai ter que concorrer entre si, então, se eu tiver uma instituição, mesmo que barata, mas que não tenha a mínima qualidade, ela vai perder no mercado. A análise deles não é pensando na formação do jovem brasileiro, de um bom profissional. É a qualidade de mercado, é a disputa na concorrência. Por isso, eles não vão frontalmente contra ao SINAES. Desde que o SINAES não os obrigue a fazer nada. Porque é como se eles tivessem um órgão regulador de um “ISO” dado pelo MEC, que é mais ou menos o que eles fazem hoje com os dados do ENADE. Só que o que eles chamam de qualidade não é o que a gente chama de qualidade. Porque eles acham que se for uma IES muito ruim ela vai perder. Mas o que é não ser uma instituição ‘muito ruim’ para eles? É, no padrão da concorrência, aquela que tem a qualidade necessária para a concorrência e não para o País. Eles não estão preocupados com o aluno e, sim, em manter um nível de qualidade mínimo possível para continuar no mercado. Nenhuma delas vai ter a pretensão de ser a instituição referência do Mercosul em qualidade. Jamais eles vão se colocar essa meta. Ou ser a aquela que mais faz pesquisa da rede privada. Jamais.

Isso pode trazer a concorrência predatória?Madalena: Já existe a concorrência predatória. Hoje as instituições que tem qualidade no setor privado já vivem uma concorrência absolutamente desleal. As instituições privadas que têm Plano de carreira docente, pós-graduação stricto sensu, portanto, faz a formação de seus docentes da própria instituição, ou que têm ensino, pesquisa e extensão, que investe em serviço para a população, em pesquisas que não se revertem em lucro apenas para empresas, já não conseguem competir. Afinal, uma mensalidade de R$200 numa instituição desse tipo é inviável, porque seus professores são doutores, não são ‘hora-aula’, têm tempo para pesquisa, para orientação de seus alunos. E a tendência é piorar. Pois essas instituições já vivem crises internas. Tem gente que fala: vamos nos render, porque se não nós vamos perder alunos e vamos fechar. Mas existe ainda a resistência de quem pensa que tem mesmo uma responsabilidade social, e sustenta: ‘não vamos nos render’.

Sendo assim, é possível que vejamos uma formação de segunda linha massificada e uma elitização de formação de qualidade, com centros de excelência? Madalena: Se essas instituições que têm qualidade conseguirem se manter, vai haver instituições privadas de formação de excelência, que serão poucas no Brasil, e também uma massificação da formação superior nunca vista. Para se ter uma idéia, hoje, a PUC/SP tem 25 mil alunos na graduação, e a Estácio de Sá tem 185 mil alunos. Porque a PUC/SP cresce com qualidade, pensando nos quadros que tem para poder crescer esse ou aquele curso, ao longo de seus 60 anos.

Com esse cenário, quais as medidas emergenciais que o Governo precisa tomar para mudar essa projeção para a Educação Superior?Madalena: É emergencial o governo se posicione em relação a essas negociatas. O que já aconteceu, tem que ser regulado. Vendeu? Tem que dizer: essas instituições que tem a maioria do capital internacional não poderão exercer sua função de escola se não respeitarem as regras da Educação nacional. Além de impedir que isso ocorra em outras instituições. Hoje já existem denúncias de faculdades que estão sendo criadas para serem vendidas. Elas nem vão funcionar com o mesmo dono. Estão sendo criadas para alguém dessas corporações comprar. É como o cara que faz a maquete de um prédio e vende todos os apartamentos antes dele existir, é a especulação imobiliária, você compra como investimento. Hoje tem faculdade pedindo credenciamento no MEC, cujo objetivo é colocar-se à venda. E quanto a isso o Governo vai ter que tomar uma medida imediata. Cabe ao governo estudar qual é a medida que será mais eficaz. O que nós não podemos permitir é que o governo não chame esse debate ou não se coloque essa obrigação. Qual é a melhor medida do ponto de vista legal? Um projeto de lei? Uma medida provisória? Não sei. É o governo que tem que avaliar isso. Já que até que tramite, caso venha a tramitar, o PL 7200 será tarde demais. A medida agora não é esperar, é emergencial. Não é fácil, pois deveria ter sido tomada antes de começarem as negociatas. Não é simples, mas é urgente.

Nesse sentindo, quais os próximos desdobramentos e ações da Campanha da CONTEE?Madalena: Nosso objetivo agora não é só sensibilizar. Nós queremos ir a todas as entidades, levar o fato ao conhecimento da sociedade brasileira, pois o que nós queremos objetivamente é que se faça uma pressão nacional para que o Governo Lula tome medidas imediatas. Essa questão da desnacionalização não dá tempo, não é uma questão de Educação para ser debatida. É uma questão de soberania nacional que tem que ser atacada imediatamente.Portanto, temos ainda lançamentos da Campanha em vários estados e já estamos abordando com força a questão da desnacionalização. Vamos revisitar as entidades de Educação e nossos sindicatos vão fazer debates públicos nas suas regiões, chamando os movimentos sociais para a discussão da mercantilização da Educação Superior no Brasil. Além disso, estamos pedindo aos parlamentares progressistas do País que nos ajudem a fazer essa pressão para que o Governo tome medidas imediatas.

Publicado em 09/11/2007 -www.contee.org.br

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