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Operações em universidades feriram liberdade de manifestação, afirma STF

1 de novembro de 2018

Por unanimidade, corte suspendeu apreensões e retirada de faixas pela Justiça Eleitoral

Por unanimidade, os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) referendaram nesta quarta (31) uma liminar da ministra Cármen Lúcia suspendendo decisões da Justiça Eleitoral que, na semana passada, autorizaram a entrada de policiais em universidades para apreender materiais, retirar faixas e proibir debates e aulas abertas.

A corte atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral da República, feito na sexta (26), como resposta a uma série de ações realizadas em universidades sob a justificativa de coibir propaganda eleitoral irregular. A liminar referendada pelo plenário foi concedida por Cármen no sábado (27). A decisão vale para instituições públicas e privadas.

O ministro Gilmar Mendes chegou a propor que a decisão abarcasse outras iniciativas de patrulhamento ideológico, como a convocação que uma deputada estadual eleita em Santa Catarina, Ana Caroline Campagnolo (PSL), fez para que alunos dedurem professores que criticarem o presidente eleito, Jair Bolsonaro, do mesmo partido dela.

Cármen Lúcia disse que o pedido inicial da PGR não trazia esse caso específico e, por isso, preferia não deliberar sobre ele, mas destacou que a procuradora-geral, Raquel Dodge, poderá fazer aditamentos e incluir esse e outros episódios futuros que considerar abusivos.

Na semana passada, policiais retiraram faixas e apreenderam materiais em universidades públicas de vários estados com base em artigo da Lei Eleitoral que proíbe propaganda em prédios públicos. Uma das faixas retiradas, por exemplo, dizia “Direito UFF Antifascista”, na Universidade Federal Fluminense, em Niterói (RJ).

A PGR sustentou na ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) que as medidas realizadas nas universidades lesaram os direitos fundamentais da liberdade de manifestação do pensamento, de expressão da atividade intelectual, artística, científica, de comunicação e de reunião, previstos no artigo 5º da Constituição.

Afirmou ainda que houve ofensa ao artigo 206, que prevê um ensino pautado na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento e o pluralismo de ideias, e ao artigo 207, que trata da autonomia didático-científica e administrativa das universidades.

“Impor-se a unanimidade impedindo-se ou dificultando-se a manifestação plural de pensamento é trancar a universidade, silenciar estudantes e amordaçar professores. A única força legitimada para invadir as universidades é a das ideais livres e plurais. Qualquer outra que ali ingresse é tirana, e tirania é o exato contrário da democracia”, afirmou Cármen em seu voto.

O entendimento foi acompanhado pelos nove ministros que participaram da votação —Luiz Fux e Marco Aurélio não estavam presentes.

Segundo Cármen, “universidades são espaços de liberdade e libertação pessoal”, de diálogo e de diferenças. “As pessoas divergem, não se tornam por isso inimigas. As pessoas criticam, não se tornam por isso não gratas. Consenso não é imposição […] Toda forma de autoritarismo é iníqua. Pior ainda quando parte do Estado”, disse.

Ainda segundo a ministra, a finalidade da legislação eleitoral é proibir comportamentos que gerem abuso de poder econômico e político para preservar a igualdade entre os candidatos. Ao mesmo tempo, visa resguardar a liberdade do cidadão, sem cerceamento do seu direito de escolha nas eleições. “Logo, impedir a livre expressão não se afina com o objetivo da norma”, disse.

O ministro Alexandre de Moraes afirmou que o artigo da Lei Eleitoral que embasou parte das decisões judiciais questionadas não comporta a interpretação que foi dada.

“O artigo 37 não me parece, em momento algum, poder diminuir a liberdade de opinião, o legítimo debate político. Como que uma decisão judicial pode proibir uma aula que vai ocorrer ainda? Fere a liberdade de reunião, de manifestação, [houve] uma censura prévia”, disse.

“Se um professor quer falar sobre o fascismo, o comunismo, o nazismo, ele tem o direito de falar. E os alunos têm direito de escutar e realizar um juízo crítico e, eventualmente, repudiar aquilo que está sendo dito. Não é a autoridade pública que vai fazer um filtro paternalista e antidemocrático”, completou.

“É inadmissível que num ambiente em que devia imperar o livre debate de ideias se proponha um policiamento político ideológico da rotina acadêmica”, disse Gilmar. Para ele, situações como a da deputada eleita em Santa Catarina, que pediu que alunos filmassem seus professores, se agravam com a publicação dessas imagens nas redes sociais.

Gilmar queria que o plenário desse uma resposta prática a esse tipo de iniciativa, com a definição, por exemplo, de que empresas como Facebook e YouTube têm de retirar do ar esses vídeos tão logo sejam notificadas pela Justiça. Essa discussão não avançou.

O ministro Luís Roberto Barroso afirmou que, num Estado democrático de direito, a liberdade de expressão deve ter preferência sobre outras liberdades —especialmente no Brasil, que tem tradição no cerceamento desse direito, como na ditadura militar (1964-1985).

“Em nome da religião, da segurança pública, do anticomunismo, da moral, da família, dos bons costumes, a história brasileira nessa matéria tem sido assinalada pela intolerância, pela perseguição e pelo cerceamento da liberdade”, declarou.

A ministra Rosa Weber, que também é a presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), destacou que a Corregedoria-Geral Eleitoral já está apurando as decisões dos juízes que desencadearam a entrada da polícia nos campi pelo país. “A Constituição não confere ao Estado autorização para que seja suprimida, em qualquer contexto, a livre expressão do pensamento e o debate de ideias”, disse.

No mesmo sentido votaram os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e o decano do Supremo, Celso de Mello. “Regimes democráticos não convivem com a prática de intolerância ou comportamentos de ódio. Grupos minoritários têm legítimo direito de oposição, uma vez que os grupos vencidos no processo eleitoral têm expresso mandato para opor-se”, disse Celso, numa abordagem ampla do tema.

“Não podemos retroceder no processo de conquista das liberdades democráticas, pois o peso da censura é algo insuportável e absolutamente intolerável”, disse o decano, enfatizando que, durante a ditadura militar, ministros do STF foram censurados.

Também falaram na sessão desta quarta entidades que ingressaram na ação como amici curiae (amigos da corte, em latim). O advogado Alberto Pavie Ribeiro, representante da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), defendeu as decisões dos juízes eleitorais.

Segundo ele, os juízes se pautaram na legislação vigente. Ribeiro citou o caso de uma universidade em Campina Grande (PB) que foi alvo de busca e apreensão porque o juiz eleitoral local recebeu uma gravação com alunos pedindo voto e distribuindo panfletos em sala de aula.

Já a advogada Mônica Ribeiro, do Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior), defendeu a liberdade de expressão e disse que “as ameaças de controle e de patrulhamento destroem a universidade”.

“A liberdade de cátedra é uma espécie de gênero da liberdade de expressão do pensamento”, afirmou. Para ela, a única restrição possível é a que advém da própria Constituição, que veda o racismo, por exemplo.

Fonte: Folha de S. Paulo

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