Pisar no freio ou no acelerador. Essas são as opções que se colocam para o país diante da crise que deve levar a economia mundial a crescer menos, segundo avalia o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann. Ele acredita que há, no governo, uma convergência em torno da segunda opção, mas não um consenso. A voz destoante seria o Banco Central (BC).
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida pelo presidente do Ipea ao jornal O Estado de S. Paulo, publicada na edição de domingo (3).
O diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, recomendou aos países com boa situação fiscal que gastem mais. O que é isso? A crise está levando a uma revisão de posturas?Declarações desse teor, no meu modo de ver, estão relacionadas a dois movimentos que estão convergindo neste momento. O primeiro é uma mudança generalizada no posicionamento das instituições multilaterais, especialmente aquelas vinculadas à esfera econômico-financeira. Elas passam por uma mudança no enfoque. A visão associada ao Consenso de Washington, que guiou parcela importante das instituições multilaterais ao longo da década de 90, com ênfase na revisão do papel do Estado, no corte do gasto, ajuste fiscal, etc, entrou, no meu modo de ver, num ciclo de exaustão, de esgotamento, por causa da diferença entre a retórica e o resultado colhido. No âmbito da América Latina, isso ficou muito evidente. Há países que estão atrás de outro receituário.
O sr. está falando de Venezuela e Bolívia, por exemplo?Não tem ainda uma alternativa, mas cada país tenta seu próprio modelo. São políticas destoantes, em maior ou menor grau, daquilo que o próprio FMI e o Banco Mundial defendiam com muito mais ênfase. Esse é o primeiro movimento.
E o segundo?O segundo movimento, que é bem mais recente, está diretamente relacionado à crise financeira que atinge os Estados Unidos. Isso coloca em xeque até mesmo o discurso que tinha antes, que seria possível aos mercados encontrarem a auto-regulação. Frente ao tamanho da crise, recoloca-se o repensar o Estado.
O sr. acha, então, que haverá uma tendência mundial de crescimento do papel do Estado na economia? O que tivemos nos países desenvolvidos ao longo dos anos 90 foi uma revisão do papel do Estado, não uma diminuição. Não acredito que vá aumentar o tamanho do Estado, mas certamente serão fortalecidas determinadas funções, sobretudo no que diz respeito à regulação da competição capitalista. Temos hoje um encaminhamento para uma concentração em poucas e grandes corporações que dominam os mercados. Então, a regulação não pode ser feita no espaço nacional, mas no supranacional. E aí, no meu modo de ver, há uma carência de instituições.
Como a mudança no papel do Estado se aplica no Brasil?Nós tivemos uma perda de eficiência do Estado, por causa do enxugamento promovido nos anos 90. Isso se percebe na sucessão de apagões a que estamos condenados. É preciso recompor essa capacidade de regulação do Estado e isso significa mais profissionais de qualidade. Em segundo lugar, há a questão do comando do projeto de desenvolvimento nacional. A Constituição fala em planejamento indicativo para o setor privado. A capacidade de pensar o futuro, em geral, não é o setor privado que faz. Ele não está preparado. É o Estado que deveria contribuir, numa perspectiva democrática e participativa, para oferecer esse horizonte do longo prazo.
Mas o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não faz isso?O PAC é um programa de aceleração do crescimento, não um programa de desenvolvimento nacional. A infra-estrutura não determina ou sustenta o crescimento, ela o viabiliza.
Um ponto que o sr. mencionou e está na ordem do dia é a regulação sobre as megafusões de empresas. Como ficamos nesse quadro? Há como resistir a esses tsunamis empresariais?A questão é: o Brasil quer ter empresas que compitam no mercado global? Há uma perspectiva de estarmos caminhando para 500 grandes corporações que dominarão o conjunto de setores da atividade econômica no mundo. A China pode ter 150 empresas. O Brasil quer ter quantas? Das 500 maiores empresas do mundo, o Brasil tem cinco hoje.
Nesse contexto é que se coloca a discussão sobre a possibilidade de o governo vetar a compra da Xtrata pela Vale, por temer a internacionalização da empresa?Tivemos a experiência da AmBev, de se criar uma grande empresa, que virou um empreendimento estrangeiro. Se vai haver um esforço do Estado, de um banco público, para fortalecer uma empresa nacional, são necessárias garantias de que ela vai fazer de tudo para continuar sendo nacional. A discussão no momento é um pouco em torno disso.
O sr. acha que a recomendação do diretor-gerente do FMI para os países que têm as finanças em ordem gastarem mais se aplica ao caso do Brasil? Ou o Brasil já vem praticando isso?Primeiro, o gasto per capita é baixo no país. Em segundo lugar, temos uma história de déficit social enorme. Então, não é com investimento alto em alguns anos que se resolve isso.
E a crise internacional? Há algo que possa ser feito para proteger o país de seus efeitos?Olhando do ponto de vista histórico, o Brasil se posicionou bem em períodos de crise que vieram de fora. Na crise de 1929, o Brasil se posicionou de forma progressiva, defendendo a economia nacional, a produção, o emprego. No período mais recente, 1973, tivemos o 2º PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), que foi investimento no mercado interno. Podemos criticar ou não, mas o Brasil reagiu nesse sentido. Do meu modo de ver, um dos pontos que estão sendo discutidos neste momento é o que o Brasil faz frente ao problema internacional: pisa no freio, eleva a taxa de juros, corta gastos? Ou pisa no acelerador?
Como se pisa no freio, já sabemos. Como se pisa no acelerador?Estamos vivendo um ciclo de expansão da economia fundado nos investimentos. Temos hoje uma poupança enorme. A dívida pública no Brasil é de 43%, 44% do PIB (Produto Interno Bruto). É dívida, mas é crédito. Esse dinheiro está circulando. O desafio nosso para sustentar o crescimento é fazer o deslocamento, com cuidado, do que está hoje na ciranda financeira para o investimento produtivo. Isso não se faz, necessariamente, somente reduzindo os juros. Se reduzirmos os juros, mas não tivermos uma agenda de investimentos em que o setor privado possa ter o retorno adequado, esse dinheiro vai embora.
Só isso basta?O empresário tem de ter garantia que vai ter infra-estrutura. A outra questão é a garantia que não vai ter recessão. O governo Lula anunciou, de forma política – acho que isso é uma inovação do segundo governo em relação ao primeiro -, que ele tem meta de crescimento, de 5% ao ano.
Essa opção está clara para o governo? É pisar no acelerador?Eu diria que há uma clara convergência do governo em torno disso, mas isso não é consenso.
Porque tem o Banco Central?Isso. Exato.Fonte: Vermelho
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