Para este ano, orçamento indica que outros R$ 9 bilhões podem deixar de ser alocados em razão da regra do novo regime fiscal, aponta relatório da Secretaria do Tesouro Nacional.
O novo regime fiscal estabelecido pela regra do teto de gastos começou a impor perdas para a área de saúde em 2019, quando R$ 9,05 bilhões deixaram de ser empenhados para essas despesas, de acordo com o Relatório Resumido da Execução Orçamentária, do ano passado, da Secretaria do Tesouro Nacional.
Aprovada em 2016, com validade de 2017 em diante, a regra do teto de gastos mudou a forma de correção do piso (valor mínimo a ser aplicado) em saúde.
Até então, o valor mínimo de gastos na área estava vinculado à receita corrente líquida. Com a mudança, passou a ser corrigido pela inflação do ano anterior (acumulada em 12 meses até junho).
Os dados do Tesouro mostram que, no ano passado, foram aplicados R$ 122,269 bilhões, valor R$ 5 bilhões acima do piso de R$ 117,293 bilhões em vigor.
Se o novo regime fiscal não tivesse sido aprovado em 2016, deveriam ter sido aplicados, pela norma anterior, 14,5% da receita corrente líquida de 2019 – o equivalente a R$ 131,32 bilhões, informou a instituição.
A diferença entre o que foi gasto (R$ 122,26 bilhões) e o piso anterior ao teto (R$ 131,32 bilhões) equivale à perda registrada para a saúde em 2019, no valor de R$ 9,05 bilhões.
O Brasil ocupa o 37º lugar na lista de gastos per capita na área de saúde da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que inclui os seis países mais ricos além dos 38 membros da organização. O Brasil busca ingressar na OCDE e, para isso, já obteve apoio dos Estados Unidos.
Nas últimas eleições, a saúde apareceu como o problema mais citado pelos eleitores de 25 estados e do Distrito Federal, segundo pesquisas realizadas pelo Ibope em agosto de 2018. Cerca de 70% dos eleitores declararam a saúde como uma das três áreas com maiores problemas.
O economista e consultor técnico do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Francisco Funcia, observou que a redução de gastos impactou programas como o Farmácia Popular, cujo empenho somou R$ 2,37 bilhões em 2019, contra R$ 2,54 bilhões no ano anterior.
O empenho é uma autorização para gastos. No caso da área de Saúde, depois de empenhado, o valor não pode sofrer bloqueio. Se não for pago no mesmo ano, é incluído na conta de “restos a pagar” para o ano seguinte.
As despesas para fomento e pesquisa em ciência e tecnologia na área de saúde, de acordo com o economista, recuaram 27,4%, para R$ 139 milhões em 2019. Nesse caso, somente 60% dos valores autorizados foram de fato gastos pelo governo em 2019.
Os valores empenhados (autorizados) para vacinas e vacinação, informou Funcia, ficaram 12% menores, caindo de R$ 4,83 bilhões, em 2018, para R$ 4,25 bilhões no último ano. Nesse caso, somente 57% do limite autorizado para todo ano passado foi de fato gasto pelo Ministério da Saúde.
Em outros casos, porém, houve aumento de recursos, como no programa de aquisição e distribuição de medicamentos para DST (doenças sexualmente transmissíveis) e Aids, cujas despesas subiram 29% no ano passado, para R$ 1,63 bilhão (89% do valor autorizado). Para hospitais próprios, houve alta de 4,83%, para R$ 745 milhões.
Ao G1, o Tesouro Nacional informou que o leilão do excedente da cessão onerosa do pré-sal, realizado em dezembro do ano passado, gerou um pico de arrecadação de R$ 69,9 bilhões no último mês de 2019, sendo repartidos R$ 11,7 bilhões com os estados e municípios, elevando, assim, a receita corrente líquida (usada como referência para o piso em saúde, pela regra anterior ao teto).
“Com isso, a receita corrente líquida ficou majorada por esse evento não recorrente em R$ 58,2 bilhões. Caso estivéssemos na vigência da regra antiga de gasto mínimo com saúde, tal receita não recorrente geraria um aumento nesse limite mínimo de R$ 8,44 bilhões (14,5% de R$ 58,2 bilhões)”, informou a instituição.
O Tesouro observou que a receita da cessão onerosa entrou no caixa somente em 27 de dezembro do ano passado e acrescenta que, “nesse sentido, o aumento imediato de gasto que seria ocasionado para cumprimento da regra antiga dentro do mesmo exercício demonstra que há uma distorção nas regras que estabelecem gastos mínimos em função da receita”.
Entretanto, o próprio governo liberou, em novembro do ano passado, pouco depois de o leilão do pré-sal ser realizado, R$ 14 bilhões em gastos dos ministérios.
Como o leilão do pré-sal já tinha ocorrido, a área econômica não precisou esperar até 27 de dezembro, quando o pagamento foi feito, para liberar novos gastos. Os gastos podem ser empenhados sem que sejam efetuados no mesmo ano. Nesse caso, viram restos a pagar.
O Tesouro Nacional avaliou que “tais regras”, referindo-se ao sistema anterior ao teto de gastos, “geram problemas graves de gestão financeira e possível ineficiência, pois não necessariamente o aumento instantâneo de gastos corresponde à efetiva entrega à sociedade, devendo-se avaliar a qualidade desse gasto”.
A área econômica do governo, chefiada pelo ministro Paulo Guedes, tem defendido publicamente a manutenção do teto de gastos.
O argumento é que esse é um mecanismo importante para conter um aumento maior das despesas e, consequentemente, da dívida pública nos próximos anos, indicador que é acompanhado por investidores.
Entretanto, o mesmo teto de gastos não impediu o governo de gastar R$ 7,6 bilhões, no fim do ano passado, com corvetas (navios de guerra) para a Marinha. Esse valor corresponde quase à totalidade de recursos que deixou de ser aplicada na área de saúde em 2019 (R$ 9,05 bilhões).
Essas despesas com corvetas foram feitas por meio da capitalização da estatal Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron). Esse tipo de gastos não está dentro do teto, está entre as exceções à regra. Por isso, foi possível aportar os recursos livremente.
Na ocasião em que esse gasto com corvetas foi divulgado, em janeiro deste ano, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, afirmou que os navios da Marinha estavam sucateados e precisavam ser renovados. “A gente ia ter uma Marinha sem navios”, disse.
Ele também acrescentou, naquele momento, que os gastos orçamentários são “decisões políticas”.
“Foi uma decisão tomada em novembro [gastar R$ 7,6 bilhões com corvetas]. Toda decisão orçamentária é política. O orçamento é uma peça política”, disse Mansueto Almeida em janeiro.
A regra que valia antes da adoção do teto de gastos, que estava na emenda constitucional 85, de 2015, determinava que o piso de gastos para o setor seria fixado com base em um percentual da receita corrente líquida (RCL).
Por essa norma (que já perdeu a validade, em 2017, 2018 e 2019 deveriam ter sido alocados, respectivamente, 13,7%, 14,1% e 14,5% da RCL em “Ações e Serviços Públicos de Saúde”.
Os números do Tesouro Nacional, confirmados pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados (Conof), conforme a tabela abaixo, mostram que, após a instituição do novo regime fiscal, os valores ficaram acima do piso antigo nos dois primeiros anos de vigência, em 2017 e 2018.
Em 2017 e 2018, respectivamente, os valores aplicados ficaram acima do piso antigo em R$ 15,066 bilhões e de R$ 3,266 bilhões para despesas em ações e serviços públicos de saúde – um total de R$ 18,326 bilhões.
Em 2019, valores já confirmados, porém, houve uma redução dos valores empenhados em R$ 9,05 bilhões. Para 2020, com base na proposta de orçamento deste ano enviada pelo governo federal, as estimativas iniciais apontam para uma nova perda, no valor de R$ 9,46 bilhões. Esse último valor ainda tem de ser confirmado, pois essa dotação pode ser elevada no decorrer deste ano.
Deste modo, os valores a mais aplicados nos dois primeiros anos do novo regime fiscal (teto de gastos), em 2017 e 2018, tendem a ser integralmente consumidos nos dois anos seguintes (2019 e 2020).
De 2021 em diante, segundo analistas, o setor de saúde tende a registrar perdas consecutivas com o teto de gastos porque a expectativa é que a receita corrente líquida continue crescendo acima da inflação.
Antes da votação do teto de gastos no Congresso Nacional, em 2016, o Conselho Nacional de Saúde (CNS), o Conselho Nacional de Secretarias Estaduais de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) avaliaram que o novo regime poderia impor perdas bilionárias para o Sistema Único de Saúde no período de 20 anos.
Confira abaixo as duas edições do programa Extra-Classe, do Sinpro Minas, sobre a importância do SUS:
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