Por José Geraldo de Santana Oliveira*
“Se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude. Fui claro?”
A presunçosa sentença da epígrafe foi proferida pelo personagem Tancredi, da obra “O Leopardo”, do escritor italiano Giuseppe de Lampedusa. Ao que parece, essa fatídica sentença serviu de baliza para o substitutivo do relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6/2019, deputado federal Samuel Moreira (PSDB-SP), pois que nele foram mantidas as principais maléficas e danosas modificações de lesa seguridade social, contidas no texto original, com exceção do demônio da capitalização; do fim da garantia constitucional de garantia de reajuste anual dos proventos de aposentadoria, para preservar-lhe o valor real em caráter permanente; da redução do benefício da prestação continuada (BPC); e da supressão das quase inatingíveis exigências que se pretendiam impor aos trabalhadores rurais.
Além dessas modificações, que nada mais fazem do que restabelecer o texto constitucional, as diversas inflexões feitas pelo relator visaram a manter a PEC 6/2019 nos seus pontos cruciais, que trazem como marca a drástica redução das garantias asseguradas pela Previdência Social.
Assim ficam mantidos o fim da aposentadoria por tempo de contribuição; a elevação da idade mínima de 60 para 62 anos para a mulher; a elevação do tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos para o homem; a exigência de 40 anos de contribuição- — com 12 por ano — para a aposentadoria com 100% do salário de benefício (SB); o cálculo da aposentadoria com base em 100% de contribuições de todo o período contributivo; a redução de 25% no valor mínimo dos proventos de aposentadoria, passando dos atuais 85% para 60% do SB; a redução drástica dos beneficiários do PIS e do Pasep, que ficam limitados aos que recebem até 1,36 salário mínimo (hoje, são 2).
Os regimes próprios de Previdência Social (RPPS) são todos desconstitucionalizados e remetidos à regulamentação por lei ordinária; de igual modo, o requisito de idade, no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), para os que nele ingressarem a partir da promulgação da EC, ficando garantido constitucionalmente apenas o requisito de idade, aos 62 e 65 anos, respectivamente, para mulheres e homens.
Quanto aos professores públicos federais — os estaduais e municipais ficam fora da reforma — e privados, o direito à aposentadoria é desconstitucionalizado e remetido à regulação por lei complementar, o que representa retrocesso de 38 anos, pois que ele foi constitucionalizado com a Emenda Constitucional (EC) N. 18/1981.
Para os que se filiaram a um dos regimes previdenciários até a promulgação da EC de que trata a PEC 6/2019, além da exigência de 40 anos de contribuição, para fazerem jus a 100% do SB, da redução do provento mínimo de 85% para 60% deste, a idade é elevada para 57 e 60 anos, respectivamente, para homens e mulheres.
Soma-se a tudo isso a exclusão dos estados e municípios da atual reforma, ficando a critério de cada um deles promovê-la por lei ordinária, o que inevitavelmente levará ao mais colossal retrocesso social, pois essa exclusão abre a possibilidade de existência de nada mais, nada menos, do que 5.598 regimes de Previdência Social, sendo 5.570 municipais, 26 estaduais, um distrital e um federal, regulamentado pela EC em discussão.
E o que é pior: os estaduais, distrital e municipais poderão ser alterados a todo momento, por simples lei ordinária, que não exige nenhum quórum qualificado para a sua aprovação. Isso, a toda evidência, importará a destruição da ordem social preconizada pela CF de 1988, que tem como base o primado do trabalho e como objetivos o bem-estar e a justiça sociais.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee