A União Nacional dos Estudantes (UNE) acompanha, com interesse e otimismo, os recentes debates sobre a universidade brasileira, defendendo irrestritamente as políticas públicas expressas pela Lei 12.711/2012, a lei das cotas, regulamentada pelo decreto presidencial do dia 11 de outubro. A ampliação do acesso à universidade, de forma a referenciar igualitariamente a sociedade em que se insere, combatendo as históricas injustiças sociais, raciais e permitindo o real desenvolvimento humano desta nação sempre nortearam as lutas da UNE em seus 75 anos.
A expectativa em torno do ambiente acadêmico é a da mais ampla efervescência criativa, que contemple uma diversidade única e característica de nosso povo. Uma instituição pública, gratuita, com qualidade deve trazer para o seu seio o trabalhador, o negro, o índio. É essa parcela, ainda à margem em um país secularmente excludente do ponto de vista social e racial, que poderá concluir o projeto de nação com o qual sonhamos, sem preconceitos e com oportunidades para todos.
Debater a diversidade e democracia dentro da universidade foi um dos principais objetivos da UNE, nos últimos meses, com a Caravana UNE Brasil+10, que percorreu 12 capitais de todas as regiões do país. A Caravana promoveu discussões em universidades públicas e privadas sobre o Brasil que a juventude almeja para os próximos 10 anos, quando comemora-se o bicentenário da nossa independência oficial. É consenso, dentro do movimento estudantil, que a verdadeira alforria do povo brasileiro passa pela transformação do ensino superior e da educação como um todo.
Por isso, a política de reserva de vagas nasceu dentro dos movimentos sociais, principalmente os espaços privilegiados de debates nos movimentos de juventude, negros, indígenas e estudantil. A matemática é simples, há um lastro de pobreza intensa e falta de oportunidades em razão da cor, ou como cantam os Racionais MCs em um trecho de sua clássica “Negro Drama”, “me ver, pobre, preso ou morto, já é cultural”.
A ação afirmativa por meio das cotas raciais, mais do que uma dívida histórica com os grupos massacrados pela escravidão, por genocídios e preconceitos, é a possibilidade de compor uma aquarela de saberes e conhecimentos no espaço acadêmico, trazendo ao país uma soberania referenciada por seu próprio povo, pela valorização de suas culturas, práticas e anseios para o futuro.
Porém, a política de cotas no Brasil, iniciada de forma pioneira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e Universidade Estadual da Bahia, foi logo questionada por uma elite embebida de argumentos preconceituosos, desafiando a capacidade intelectual de um jovem negro ou índio, pobre, egresso da escola pública.
O excelente desempenho acadêmico dos estudantes que são beneficiados por esta política, no entanto, só reforçou sua qualidade, desbancando opiniões racistas, proto-fascistas e reacionárias. As cotas foram logo referendadas também por leis estaduais e por decisões de conselhos universitários. Mesmo antes da institucionalização dessa política, muitas universidades já haviam se atentado à importância de desenhar um novo ambiente acadêmico.
Em seguida, veio o reconhecimento unânime da constitucionalidade das políticas de ações afirmativas e da legitimidade das cotas raciais, proclamado pelo Supremo Tribunal Federal – STF, no dia 26 de abril de 2012, ao derrubar uma ação do partido Democratas (DEM) contra a Universidade de Brasília, a primeira federal do país a reservar 20% de suas vagas para autodeclarados negros e pardos.
“Os principais espaços de poder político e social mantêm-se inacessíveis aos grupos marginalizados, ensejando a reprodução e a perpetuação de uma mesma elite dirigente”, disse o ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, relator da ação que julgou constitucional o sistema de cotas raciais.
Para enterrar de vez qualquer dúvida, o Senado aprovou a Lei 12.711/12 no dia 7 de agosto e a presidenta Dilma assinou, no dia 11 de outubro, o decreto que a regulamenta. Assim, a partir de 2013, universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia terão de reservar no mínimo 12,5% das vagas ao ingresso de estudantes cotistas. Ao longo de quatro anos, esse índice deve obrigatoriamente chegar a no mínimo 50%. Cabe lembrar e valorizar exemplos como o da Universidade Federal da Fronteira Sul que já conta com mais de 90% de estudantes oriundos da escola pública. Passa-se, a partir de agora, a questionar as instituições de ensino que não adotam tais políticas como um parâmetro de compromisso social e como um conceito contemporâneo de qualidade.
Todo esse caminho percorrido até a vitória se deu em plena greve dos docentes e técnicos administrativos e grande efervescência dos estudantes nas universidades federais. A mobilização do movimento estudantil pelas cotas tem acontecido junto à luta pela ampliação da assistência estudantil. Para além de aumentar o acesso, é indispensável garantir a permanência, com qualidade, desse novo contingente de alunos que chegam ao ensino superior.
No histórico 26 de junho, a UNE levou em marcha até o ministro da Educação Aloizio Mercadante uma pauta formulada em conjunto com mais de 50 Diretórios Centrais dos Estudantes (DCEs) de universidade federais, reafirmada em audiência com a presidenta Dilma Roussef em agosto passado. O documento atentava para a urgência de elevar radicalmente o patamar de financiamento da assistência estudantil. Hoje, o plano para esse setor (PNAES) conta com R$ 500 milhões. O ministério já sinalizou um aumento imediato para mais de R$ 600 mi, mas a reivindicação estudantil é de um piso de R$ 750 mi em 2013. A luta continua para que possamos superar R$ 2 bilhões, o que significa multiplicar algumas vezes a verba para a reforma e construção de moradias estudantis e restaurantes universitários, além de aumentar o número e o valor das bolsas de permanência e de mérito acadêmico.
A política de cotas também requer um acompanhamento progressivo a cada ano, respeitando a autonomia das universidades que podem inclusive implementar políticas complementares. Torna-se importante uma política de propedêutica e a criação de programas de tutoria, com aulas de nivelamento e reforço pedagógico aos cotistas, ações inclusive já propostas pelo governo. A UNE defende a criação do Conselho Nacional de Acompanhamento da Implementação das Cotas e a formação de conselhos de apoio aos cotistas, no âmbito de cada IES com a garantia de representação discente.
O movimento estudantil, pelos percursos da história, ocupou o espaço de fiador de todas as maiores conquistas coletivas da nossa sociedade civil. Em diversos momentos, a UNE defendeu medidas para o fortalecimento da democracia popular que enfrentaram a resistência dos setores conservadores e sectários.
Ao defender irrestritamente as cotas nas universidades e a ampliação da assistência estudantil, a UNE reforça a reforma da universidade e da educação brasileira como sua principal bandeira neste século 21. Prova disso é a larga e unificada campanha do movimento estudantil brasileiro em defesa dos 10% do PIB para a educação e pela vinculação à educação de 100% dos royalties e 50% do Fundo Social do Pré-Sal.
Pelo seu caráter de abrangência, mobilização nacional e principalmente unificação de todo o movimento, a campanha dos 10% conecta-se com a luta das cotas e sua capacidade de criar a unidade na diversidade. Está sendo assim também na luta pelo passe livre dos estudantes nos transportes, na defesa da regulamentação da educação privada, nas batalhas diárias de cada CA, DA ou DCE desse país pela melhoria de sua realidade local.
Orgulhosa de fazer parte desse novo capítulo da historia brasileira, a União Nacional dos Estudantes reitera a sua total defesa das políticas de ações afirmativas e acredita em um processo de transformação nacional emanando de dentro das universidades, de norte a sul, valorizando o talento e a pluralidade da juventude e seu poder criativo, igualitário, comprometido com um país mais justo, solidário e positivo.
Há apenas 10 anos do bicentenário da independência oficial do Brasil, a UNE acredita firmemente na política de cotas como mais um instrumento para levar-nos à virada de nossa própria história. Como disse o ministro do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto, em voto favorável às cotas “os erros de uma geração podem ser revistos pela geração seguinte”.
E é isto o que está sendo feito.Vamos à luta.União Nacional dos Estudantes25 de outubro de 2012
Fonte: UNE
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