Por lei, responsáveis não podem deixar crianças e jovens sem ensino, mas pandemia complica a questão
A discussão sobre retorno às aulas presenciais, que vem sendo levantada em diversos estados e municípios, traz à tona também um novo debate para o Brasil: os pais podem se negar a mandar crianças e jovens para o ambiente escolar, frente ao risco de contaminação pelo coronavírus? Em situações normais, seguindo a legislação brasileira, a resposta seria negativa. No entanto, quando se leva em consideração o princípio constitucional que determina proteção integral dos jovens cidadãos, a decisão de manter os filhos em casa ganha novos contornos.
De acordo com o artigo 246 do Código Penal: “Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar: pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.” Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no artigo 249, determina que o descumprimento dos deveres por parte de quem tem a tutela dos jovens cidadãos pode gerar “multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.”
Ariel de Castro Alves, advogado especialista em políticas públicas de direitos humanos e conselheiro do Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo (Condepe), afirma que, por si só, o retorno às aulas neste momento contraria a garantia de proteção integral das crianças e adolescentes e coloca em risco a vida e a saúde dessas populações.
“A pessoa só pode ser responsabilizada quando ela não tem uma justificativa. Nós temos uma justa causa extremamente suficiente para justificar por que os filhos não estão indo para as escolas. A pandemia, a falta de estrutura das próprias escolas públicas, sequer temos testagem suficientes, não temos dados confiáveis por parte do governo. As próprias autoridades mal se entendem sobre a questão e as famílias em meio a um fogo cruzado. É claro que os pais têm receio e esse receio é legítimo.”
Alves não descarta a possibilidade de que famílias respondam judicialmente diante da ausência dos filhos nas escolas. No entanto, ele afirma que o poder público precisa atuar para evitar situações dessa natureza. As atividades acadêmicas também precisam ser garantidas por outros meios que não as aulas presenciais. É preciso condições para o ensino virtual, principalmente para os jovens cidadãos com menos acesso, que estão nas escolas públicas e periferias brasileiras.
“Os pais estão protegendo. Esses pais não estão se opondo ao ensino à distância, por exemplo. Eles precisam manter a participação e devem estar atentos ao ensino à distância para que seus filhos não fiquem desvinculados completamente da educação. Mas eles estarão protegendo, porque existe esse receio, tanto para crianças e adolescentes – sabemos que não são as principais vítimas de letalidade do coronavírus, mas eles voltam para suas casas e podem contaminar mães, pais, avós, avôs. Sabemos, principalmente nas famílias de classes mais pobres e de estudantes da rede pública, da dificuldade de um isolamento, de um distanciamento.”
Sem vacina, tratamento e horizonte de controle da pandemia, o advogado avalia que a garantia da vida vem em primeiro lugar. “O que está à frente de tudo, quando nós tratamos da infância juventude no Brasil, é a proteção integral. A criança não pode ficar em situação de risco, não pode ser alvo de negligência (…) Na hierarquia dos direitos, o direito à vida e o direito à saúde estão acima dos demais. Se a pessoa não está viva, ela não consegue usufruir dos demais direitos. Diante de tudo isso, nós temos bases legais suficientes para que os pais tomem medidas visando a proteção integral.”
Fonte: Brasil de Fato Foto: Feliphe Schiarolli/Unsplash
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